Jornalismo Júnior

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Entre tendências e inovação, ‘São Paulo Fashion Week’ é mais que glamour

Em clima de N56, confira como a edição N55 da SPFW entregou performance e representatividade como nunca antes

Realizada duas vezes por ano, a São Paulo Fashion Week (SPFW) é não apenas o maior evento de moda do Brasil, mas também o mais importante da América Latina. Nele, estilistas e grifes brasileiras se reúnem a modelos, celebridades, grandes veículos de mídia e personalidades importantes do mundo da moda para internacionalizar e dar destaque para marcas brasileiras.

O evento foi essencial para a consolidação do mercado fashion no país, uma vez que contribuiu para a profissionalização de estilistas, modelos e produtores. Assim, o Brasil se manteve relevante na indústria, ao mesmo tempo em que organizava a produção de moda nacional — que se adequava às temporadas — e potencializava novos negócios no setor. Atualmente, a Semana de Moda não se orienta mais pelas estações do ano, tendo adotado um modelo mais imediatista de disponibilização de produtos. 

Tamanha é a importância internacional da Semana, que diversas übermodels (supermodelos, em tradução livre) já desfilaram nela, além das coberturas feitas por veículos midiáticos internacionais de grande porte, como Vogue, Vanity Fair e Cosmopolitan. Foi também com a fundação da Semana na década de 90 que modelos brasileiras como Gisele Bündchen, Adriana Lima e Alessandra Ambrósio viram suas carreiras decolar internacionalmente, ao lado de marcas e estilistas nacionais como Ellus, Reinaldo Lourenço e Alexandre Herchcovitch.

Apesar de seu foco estar em marcas nacionais, o evento também costuma receber grifes de outras partes do mundo. Em suas primeiras edições, passarelas permeadas por Swarovski, Alexander McQueen e Vivienne Westwood provaram que o país era capaz de promover um evento de grande porte e qualidade, rendendo-lhe respeito no exterior.

São Paulo: polo de inovação

Seja em Londres, Milão, Paris ou Nova York, as semanas de moda foram e são, até hoje, fundamentais na construção dos paradigmas do mundo fashion. Mesmo assim, a moda segue sendo um universo à parte nesses lugares, fechada e pouco acessível para o público geral. 

Em São Paulo, o panorama é diferente. Paulo Borges, idealizador e diretor criativo da São Paulo Fashion Week, rompe a bolha logo em seus primórdios, ao transmitir os desfiles ao vivo pela internet já nos anos 1990, o que democratizou o consumo do conteúdo das passarelas, além de dar origem a uma nova proposta para a imprensa, diferente do que se fazia no resto do mundo: veículos de comunicação voltados para a cultura, economia e inovação, por exemplo, passam a demonstrar interesse pela moda.

“A gente percebeu muito cedo que precisava se organizar para alcançar o Brasil inteiro, porque 95% de tudo que produzimos [de moda] é para o mercado interno”, diz Paulo Borges em entrevista para a Endeavor. Nesse mesmo intuito de voltar a moda brasileira para o mercado nacional, muitas das edições da SPFW tiveram como temática o Brasil: em 2002, o tema foi “Moda Brasileira por Brasileiros”; em 2003, buscaram exaltar a diversidade das modelos brasileiras e, consequentemente, da população do país; e em 2009, foram exibidos figurinos de Carmem Miranda em homenagem aos seus 100 anos.

N55: Origens

Com 41 desfiles ao todo, sendo 31 presenciais e 10 fashion films, a 55ª edição da São Paulo Fashion Week teve como objetivo gerar reflexão acerca de quem somos e o que nos une como coletivo humano criativo. Com IN.PACTOS sendo a temática guarda-chuva desde 2021, Origens teve como protagonistas designers e marcas estreantes vindos de diversos estados brasileiros, como David Lee e Rafael Caetano. O desfile também trouxe grifes conhecidas na indústria, como é o caso de Dendezeiro e João Pimenta.

O evento exibiu ainda uma mescla entre moda e performance, incorporando elementos do teatro e da música, tendência que é cada vez mais frequente na indústria. A Semana foi aberta por João Pimenta que, no palco do Theatro Municipal, apresentou uma mescla de desfile e teatro dividida em quatro atos e com foco em três personas: o elegante, o punk e o cowboy. O projeto ainda teve uma paleta de cores restrita em tons de branco, azul, cinza, prata e preto, narração pela atriz Vera Holtz de um texto do diretor de teatro Gerald Thomas e piano ao vivo por Fernanda Maia. 

Pimenta não foi o único a fazer performances. Santa Resistência abriu sua passarela com uma apresentação de flamenco e, no andamento do desfile, contou a história de Maria Padilha por meio da moda, declarada postumamente rainha e esposa do rei Pedro I de Castela. No desfile, as peças representavam cada um dos estágios da vida de Padilha, desde seu caso com Pedro I, até ela envenenar a rainha e morrer de peste bubônica. A coleção também buscou sintetizar a  força feminina, sensualidade e paixão por meio da dramaticidade com flores e uso quase exclusivo de preto e vermelho. A inovação não se limitou à teatralidade: Isaac Silva usou a Ocupação 9 de Julho como passarela e seus moradores como modelos; Ponto Firme montou um time de artesãos composto de egressos do sistema prisional, mulheres refugiadas, imigrantes resgatados de situações análogas à escravidão e mulheres trans em vulnerabilidade social; e o estreante Forca Studio, em uma pegada de recriação, faz seu desfile em um galpão industrial na Mooca, com peças feitas a partir do reaproveitamento de câmaras de pneu e pele de pirarucu.

Dentre os designers estreantes estava Maurício Duarte, o primeiro indígena a ter suas criações expostas na Semana. Pertencente ao povo Kaixana, no Alto Solimões do Amazonas, o estilista povoou as passarelas com referências a tradições indígenas, incorporando trabalhos de cestarias em suas peças. O desfile ainda exibiu protestos ao PL 490, mais conhecido como Marco Temporal. Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista e escritor, estava na platéia.

A coleção “Tramas”, de Maurício Duarte, possui peças confeccionadas artesanalmente por 16 comunidades indígenas distintas, utilizando fibras de arumã e tucum. A técnica é considerada patrimônio cultural dos povos originários. [Imagem: Reprodução/SPFW/@agfotosite]

Seguindo a tendência ditada pelo tema, o casting foi composto não apenas por modelos, mas também por celebridades que são ao mesmo tempo conhecidas pelo público e que possuem alguma relevância política ou sintonia com a história e estética de cada marca. A atriz Astrid Fontenelle e seu filho Gabriel, os ex-BBBs Marvvila, Gabriel Santana e Fred Nicácio e a deputada federal Erika Hilton são algumas das personalidades que desfilaram nas passarelas da N55, levantando pautas de diversidade, política, contra o etarismo e de inclusão.

Pelos olhos dos modelos

A tendência crescente de marcas escalarem celebridades para desfilar suas coleções acaba por desagradar modelos profissionais, que perdem oportunidades para que jogadas de marketing com celebridades se tornem possíveis. Kalu Maia, modelo profissional que desfilou para diversas marcas nas edições N54 e N55 da SPFW, expõe a frustração de perder trabalhos por conta disso: “Nós temos toda uma preparação para poder desfilar, temos que cuidar do corpo, treinar passarela, é uma preparação enorme. E muitas vezes acontece de modelos caírem [do casting] para que possam colocar celebridades”.

A preparação dos modelos para um desfile começa muito antes do dia do evento. Guilherme Drummond, modelo e estudante que desfilou na edição N54 da SPFW, relata: “Duas semanas antes do evento começamos a receber e-mail sobre as marcas e participamos de uma pré-seleção online. Depois, somos convidados para um desfile presencial de teste, com nossas próprias roupas. Se você for escolhido, ainda tem uma sessão de fotos”. Depois da seleção, ainda há a prova de roupas, que leva em torno de uma hora, em que os modelos têm as peças que usaram na passarela ajustadas aos seus corpos.

Guilherme Drummond em ensaio para o Undelete Project. [Imagem: Acervo Pessoal/Guilherme Drummond/Foto por @gaaabriwl]

No dia do evento, os modelos são aconselhados a chegar com cerca de cinco horas de antecedência. Drummond reitera a importância de se cuidar da saúde mental e física nesse momento de pressão: “Precisamos controlar muito a ansiedade, em especial para não passar mal no dia do desfile. Geralmente tem comida nos backstages, mas chegar lá sem ter comido nada, morrendo de fome, e comer de uma vez pode ser que faça mal, ainda mais com o nervosismo”.

Mesmo com o difícil processo a ser enfrentado, desfilar na São Paulo Fashion Week ainda é uma grande conquista para qualquer modelo, em especial para os que estão no início de suas carreiras. Kalu Maia diz perceber o quão importante foi ter participado das passarelas da Semana: “Na primeira vez que eu desfilei, não fui um modelo que se destacou tanto, peguei apenas dois desfiles, mas acabou sendo muito importante para mim. Logo depois, consegui participar do Brasil Eco Fashion e nessa edição da SPFW já recebi bem mais visibilidade: desfilei para João Pimenta, Ronaldo Silvestre, Apartamento 03, Dendezeiro, The Paradise, Maurício Duarte e Silvério”.

Kalu Maia em seus desfiles para Silvério, João Pimenta, Dendezeiro e Ronaldo Silvestre, respectivamente. [Imagem: Reprodução/SPFW/@agfotosite]

Apesar de sua carreira não ter decolado tão drasticamente quanto a de Kalu Maia, Drummond também sentiu melhorias em sua imagem: “As pessoas que estão à minha volta começaram a realmente me reconhecer como modelo, não era mais algo ‘engraçado’. Antes [da SPFW] ouvia muitos comentários desrespeitando minha profissão, como se fosse apenas um passatempo”.

As mãos de quem faz

Para os designers, a oportunidade de ter suas criações nas passarelas da Semana de Moda é, muitas vezes, transformadora. Theo Alexandre, diretor criativo da marca goiana Thear, conta a trajetória e dificuldades de se construir uma carreira na moda. Ingressou na indústria há 23 anos, em Goiânia, sua cidade natal, que também é conhecida como uma grande produtora de roupas fast fashion — produzidas de forma barata e em grandes volumes. “Nós [goianos] não somos conhecidos como criativos, então quando eu me formei tive desafios para poder fazer estágio e me consolidar enquanto criativo”, conta o diretor.

Entre concursos, provas e a Casa de Criadores, surgiu a ideia para a Thear, marca que tem como principal preocupação a responsabilidade ambiental e o processo afetivo de criação, além de ter toda a mão de obra proveniente de Goiânia. No ar há cinco anos, a marca foi responsável por abrir diversas portas ao artista, inclusive aquela que levou à sua participação na SPFW. A N55 é a terceira edição da qual a marca participa.

De sua primeira participação na Semana até a atualidade, a marca cresceu tanto internamente quanto no mercado, ganhando cada vez mais destaque e reconhecimento na indústria. Theo enxerga a oportunidade de estar na SPFW como um processo de amadurecimento para a marca e para ele enquanto profissional. “Como marca pequena em um evento desse tamanho, dessa responsabilidade, acabamos sentindo um peso muito grande, mas a cada coleção temos e tivemos a oportunidade de fortalecer nossos processos, fazendo com que cada entrega seja mais profunda e qualificada do que a anterior”, comenta.

Theo conta que a coleção mais recente em que trabalhou — “Todas as Coras”, inspirada na história da poetisa Cora Coralina — foi uma das mais importantes de sua carreira, “tanto no sentido de quantidade, volume e associações, quanto pelo fato de que tivemos um aval da família para desenvolver a coleção, então acabou sendo um processo muito mais profundo e sentimental”. A inspiração na poetisa foi fruto de um olhar reflexivo ao passado e cultura goianas: “Tanto eu como minha cidade estamos em busca de nossas origens e nossos referenciais”, reflete. Cora Coralina é, aos olhos de Theo, uma representatividade enorme da cidade de Goiânia, do estado de Goiás e também da luta feminina. “Acho que nada mais lindo e justo do que fazer uma homenagem tão linda e tão profunda para uma mulher tão importante”.

“O grande legado de Coralina é entender que nosso tempo é agora.”
Theo Alexandre, sobre Cora Coralina

Durante o processo de criação da coleção, toda a equipe da Thear participou de uma missão grande na Cidade de Goiás, de onde Cora é natural. Lá, tiveram acesso a todo o acervo de figurinos e roupas dela, as quais estudaram desde tecidos e modelagem até o acabamento, para manter a coleção o mais fiel possível. Além disso, conversaram com diversos moradores da cidade, quer eles tivessem conhecido ela pessoalmente ou não. Por meio desse processo, foi possível eternizar a essência de Cora na coleção.

Cora Coralina também era doceira, o que inspirou a abundância de mangas 3/4 e acessórios que remetem a grampos e colheres de pau. [Imagem: Reprodução/SPFW/@agfotosite]

O outro lado da moeda

Apesar de seu caráter mais democrático em São Paulo e o acesso quase total concedido pela internet, a Semana de Moda — e a alta costura no geral — continuam sendo completamente inacessíveis para a maior parte da população brasileira. Com ingressos limitados na casa dos R$1.700,00, apenas um público seleto é capaz de comparecer aos desfiles que, ironicamente, pregam pela igualdade de direitos e oportunidades. A mensagem intencionada por Isaac Silva ao escolher a Ocupação 9 de Julho como sua passarela, por exemplo, falha em ser transmitida, ao notar-se que o público é composto apenas daqueles que tiveram condições de comprar as entradas. Daqueles, também, que dificilmente visitariam a Ocupação ou sequer reconheceriam a existência de seus moradores caso não houvesse um evento da alta sociedade ocorrendo no local.

Com as roupas, o panorama não é diferente. Preços exorbitantes permeiam as lojas, criando cada vez mais barreiras para que pessoas de baixa e média renda  possam comprá-las, ou até mesmo vê-las, uma vez que a maioria das lojas de grife se localizam em shoppings de áreas nobres e de difícil acesso por meios de transporte coletivos. Apesar de a precificação ser justificada pelo trabalho manual empregado e a qualidade dos materiais, é difícil dizer que a moda brasileira é feita para todos os públicos. 

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