A terceira temporada de Eu Nunca…(2020-2022) chegou na Netflix em agosto de 2022. Ela dá continuidade à trama de Devi Vishwakumar (Maitreyi Ramakrishnan), uma adolescente indiana que tenta equilibrar a tradição familiar com seus interesses, principalmente com sua vida amorosa. Seguindo uma linha já vista nos episódios anteriores, a nova coletânea dá espaço às narrativas de outros personagens e seus próprios dilemas. Pontos negativos em relação à estrutura da série, como a rapidez no surgimento e resolução de conflitos, continuam. 

Durante as duas primeiras temporadas, a protagonista aprende a lidar com os traumas causados pela morte de seu pai e com o conservadorismo de sua mãe, a Dra. Nalini Vishwakumar (Poorna Jagannathan), enquanto tenta mudar sua imagem na escola e tornar-se popular. Sua busca por um romance digno de comédias românticas com Paxton Hall-Yoshida (Darren Barnet) e a construção de um triângulo amoroso entre os dois e Ben Gross (Jaren Lewison) é um dos pontos centrais da história, uma vez que todas as atitudes de Devi visam, direta ou indiretamente, conquistar seu namorado dos sonhos. 

Os novos episódios trazem um prato cheio para quem torce pela jovem desde o começo de sua trajetória nas telas: ela e Paxton finalmente iniciam um relacionamento sério. Apesar do casal não permanecer junto por muito tempo, com o fim do namoro já no terceiro capítulo, seu desenvolvimento traz uma mensagem importante não só para o amadurecimento de Devi, mas também para o público adolescente: um namoro não resolve todos os seus problemas. Isso porque a protagonista, ao contrário do que imaginava, mesmo estando assumidamente com o rapaz, continua com suas inseguranças, que refletem e prejudicam a relação, culminando em seu fim.

A partir disso, os momentos da protagonista com a Dra. Jamie (Niecy Nash)  são essenciais para que seu psicológico seja explorado em toda sua complexidade. Trabalhando aspectos como a autoconfiança e o amor próprio, essas cenas fortalecem a comunicação da série com seu público-alvo ao representar questões que permeiam seu cotidiano, tal qual a pressão por um futuro perfeito e a necessidade de se encaixar em padrões definidos pela sociedade. A convivência com o  luto e a superação de traumas desencadeados pelo falecimento de seu pai também são retomados com maior profundidade, tendo como maior símbolo o retorno de Devi aos concertos da escola. 

A nova temporada apresenta ao público novos personagens, como Des (Anirudh Parody), que interfere no triângulo amoroso entre Devi, Ben e Paxton. Apesar de sua história ser abordada superficialmente, o jovem acaba por evidenciar situações comuns na vida de adolescentes. Por exemplo, o controle abusivo dos pais nas vidas dos filhos, já que a maior parte das atitudes de Des são influenciadas e até mesmo determinadas por sua mãe. A ausência de responsabilidade afetiva também é uma temática recorrente em sua participação, dado que suas ações em relação à protagonista visam somente seu próprio benefício, sem considerar os impactos sobre ela.

No que diz respeito aos demais personagens, o problema das temporadas anteriores persiste: os episódios são relativamente curtos e, por isso, os coadjuvantes não têm espaço o suficiente para suas histórias. Ben e Paxton, que possuem episódios exclusivos para si, têm seus conflitos apresentados e resolvidos em um pequeno espaço de tempo, sem aprofundamento. O mesmo acontece com Eleanor (Ramona Young) e Fabiola (Lee Rodríguez), cujas narrativas consistem em lidar com o crescimento pessoal e a evolução de sua vida afetiva. Já a trajetória de Aneesa (Megan Suri) continua com a falha já vista na segunda temporada: apesar de levantar pautas importantes, como transtornos alimentares e a descoberta da  sexualidade, a jovem quase não tem tempo de tela, o que faz com que ela não tenha uma narrativa própria e se resuma a “uma amiga de Devi”.

O núcleo familiar de Devi foi um dos destaques dos novos episódios. Nalini se aproximou ainda mais da filha, acompanhando-a durante momentos difíceis, como  a decisão sobre seu futuro acadêmico. Outro ponto central da participação da figura materna em Eu Nunca… foi a retomada de sua vida social a partir de novas amizades. Já Kamala (Richa Moorjani) e sua avó, Nirmala Pati (Ranjita Chakravarty), trouxeram o debate sobre o conservadorismo familiar e as tradições culturais em tom cômico, discutindo sobre a liberdade da mulher e seu poder de decisão sobre o próprio futuro, além da importância do apoio familiar. O relacionamento da protagonista com sua prima também é fortalecido e transformado em um vínculo de amizade.

A terceira temporada de “Eu Nunca…”, apesar de ter a mesma trama como foco principal, traz novos debates e desafios para os personagens, que se vêem forçados a tomar decisões importantes para seus futuros. Diferentemente da coletânea anterior, ela não retrata questões sérias de modo superficial, mas persistem problemas que prejudicam a construção e o desenvolvimento das narrativas. Para aqueles que procuram a série como um passatempo, o caráter cômico e o roteiro intrigante fazem dela uma ótima opção para maratonar.

Imagem de capa: Reprodução/Netflix