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Confiando‌ ‌na‌ ‌audiência,‌ ‌em‌ ‌‌Final‌ ‌Space‌

O seriado Final Space, criado inicialmente por Olan Rogers como um projeto indie e hoje produzido pela TBS e Netflix, está disponível desde o ano passado, com uma segunda temporada acabando de estrear. Por ser animação, já diferencia-se de muitas das séries de ficção científica produzida pela Netflix nos últimos anos, mas não confunda: sua …

Confiando‌ ‌na‌ ‌audiência,‌ ‌em‌ ‌‌Final‌ ‌Space‌ Leia mais »

O seriado Final Space, criado inicialmente por Olan Rogers como um projeto indie e hoje produzido pela TBS e Netflix, está disponível desde o ano passado, com uma segunda temporada acabando de estrear. Por ser animação, já diferencia-se de muitas das séries de ficção científica produzida pela Netflix nos últimos anos, mas não confunda: sua classificação indicativa é de 16 anos. Ela acompanha Gary, um prisioneiro mandado para o espaço para cumprir sua sentença na nave Galaxy-One, em um universo em que os humanos são capazes de viagens interestelares e convivem com alienígenas.

É logo na premissa que se percebe muitas das diferenças que destacam Final Space de outras produções semelhantes. Em vez de construir um universo distópico e hostil aos humanos, essa série nos coloca no mesmo nível tecnológico que as outras espécies da galáxia. Dessa forma, o desenvolvimento do enredo não ocorre por uma ameaça alienígena mais avançada, que mal entendemos. Isso abre espaço para um foco menor, nos personagens e suas relações, algo que muitas vezes é perdido em histórias de conflito global.

E isso nos leva a outro fator que também a destaca. Diferente de muitos outros desenhos dirigidos a adultos, este possui uma história linear e serializada, contada de forma ininterrupta através dos episódios. Assim, não é uma antologia animada, o que permite uma construção de mundo muito mais detalhada e desenvolvimento de personagens mais notáveis, especialmente com o protagonista. Isso abre porta para uma forma mais clássica de narrativa, com eventos em futuros episódios sendo bem preparados e antecipados antes de ocorrerem, ajudando a tornar a história mais fluída.

Aproveitando disso, a série faz um ótimo trabalho de fazer sua construção de mundo de forma primordialmente visual, sempre preferindo mostrar visualmente o funcionamento de uma tecnologia do que explicá-la com diálogo. Dessa forma, os produtores confiam na sua audiência para entender os detalhes sem que eles precisem ser excessivamente explicados de forma expositiva.

Final Space
Cena de ‘Final Space’. Imagem: Netflix

A animação usada para isso é excelente, com uma paleta de cores vivas, linhas bem definidas, movimentos fluídos e backgrounds de grande qualidade artística, retratando os eventos e locais do espaço. Certamente é uma joia visual e vale a pena assisti-la só por isso. O fato de ser animada permite que esse tipo de exploração visual seja feita, algo inviável em séries live action. Outra vantagem é o formato de episódio de 22 minutos e dez episódios na primeira temporada, permitindo uma história muito mais concisa e fácil de digerir, deixando cada episódio único e especial.

Final Space
Cena de Final Space. Imagem: Netflix

Com esses recursos, podemos reassistir a série diversas vezes e sempre descobrimos algo novo, especialmente quando prestamos atenção nas tecnologias da Galaxy-One, que muitas vezes buscam aderir a alguns princípios científicos. Por exemplo, quando há uma ruptura no casco da nave, ar começa a escapar, como aconteceria na realidade em uma nave pressurizada diante de um vácuo. Mas a tecnologia apresentada é uma espécie de laser que sai do casco e forma uma rede ao redor da ruptura, parando o escape de ar. 

Os personagens em nenhum momento olham com estranheza, surpresa ou explicam esse processo, ele apenas ocorre. Isso ajuda a passar a impressão de que os personagens estão acostumados com aquele mundo e sua tecnologias, já que sempre viveram nele. Isso fornece uma grande sensação de realismo para audiência, que é colocada diante de um universo já estabelecido, sem que a história precise ficar se contorcendo para explicar o que ocorre.

Essa confiança que Final Space tem com sua audiência é extremamente importante, pois muitos adultos (público-alvo dessa série) possuem um certo receio ao assistir animação, muito associada a desenhos infantis. Assim, para superar esse receio, a série emprega diversas técnicas, mostrando para essa audiência que ela é diferente. A mais importante dessas técnicas é confiar na capacidade de entendimento desses adultos, explicando detalhes da história apenas uma vez (se isso), e também escapando das narrativas episódicas (que não possuem impacto no enredo em geral, ficando restritas apenas ao episódio que ocorrem) em favor de uma narrativa contínua e serializada. Isso não só permite que os acontecimentos e desenvolvimentos de um episódio tenham impacto no futuro, mas também dá peso às suas ações. Os personagens realmente estão em risco quando estão em batalhas, porque coisas podem ocorrer, mudando a dinâmica dali em diante; não é como se o mundo fosse resetado após os créditos.

Além disso, Final Space faz algo com que a ficção científica de maneira geral possui diversos problemas: busca escapar das convenções machistas e contar uma história progressista. Um dos maiores exemplos é o modo como os roteiristas lidam com a relação de Gary e Quinn. Geralmente, o protagonista masculino se destaca ao salvar a donzela em perigo com sua força, inteligência e bravura. Em Final Space, o oposto muitas vezes ocorre: Gary é facilmente superado por Quinn em praticamente todos os aspectos (mostrando que o protagonista não tem de ser ‘o escolhido’ ou melhor em tudo, na verdade, ele é apenas um prisioneiro); e ela em nenhum momento é colocada na posição de donzela indefesa esperando por um herói. A relação de ambos também é tratada com muito mais realismo e complexidade do que o ‘você me salvou, logo eu te amo’, tão comum em outras histórias. Este e outros exemplos mostram que a série está consciente da ficção científica e seus estereótipos, tentando, na sua maioria, evitá-los.

Só destaco um ponto negativo: o vilão. Suas motivações parecem fracas e ele não recebe muita caracterização ou desenvolvimento durante o pouco tempo que aparece nos episódios (isso é refletido em seu nome: Lord Commander, o que, sinceramente, parece um nome propositalmente genérico para criticar o clichê, mas não é).  Isso faz com que suas primeiras aparições e o conflito inicial possam parecer um pouco lentos e artificiais, mas isso aos poucos muda, especialmente com a adição de novos personagens ao Galaxy-One e a apresentação do contexto por trás deste conflito na segunda metade da primeira temporada. Ao passar dos primeiros episódios, a história se enriquece muito e a trama acelera, dando mais gravidade e sentido aos acontecimentos e decisões dos personagens. Portanto, passando dessa primeira barreira, certamente a audiência se verá muito mais investida na narrativa e nos personagens, valendo muito a pena progredir.

Espero realmente que surjam mais e mais séries animadas como essa, contando sua história com um senso de propósito e direção que muitas vezes sinto falta em semelhantes como Rick and Morty, por exemplo. De modo geral, Final Space faz um ótimo trabalho balanceando entre momentos cômicos e sérios, sendo inovador em um gênero já cansado de seus clichês!

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