Ele está de volta. Giovanni Improtta dá as graças novamente, nove anos depois de cativar o público na novela Senhora do Destino (Rede Globo, 2004). Só que desta vez traz a reboque, nada mais nada menos do que seu próprio filme.
O personagem, que teve sua primeira aparição do livro O Homem que Comprou o Rio de Aguinaldo Silva, é vivido mais uma vez pelo ator José Wilker. Giovanni é um contraventor em busca de um lugar cativo entre os poderosos do Rio de Janeiro. Para ascender socialmente e garantir sua cadeira na cúpula, o bicheiro acaba vivendo uma série de confusões, desde problemas no casamento – quem dá a pele a sua amante-esposa é a atriz Andrea Beltrão -, envolvimentos com o tráfico de órgãos, acusações de assassinatos, traições e por aí vai. Tudo se dá, porém, com muita graça e diversão.
O longa é também a primeira experiência de Wilker como diretor. A princípio, Cacá Diegues – que trabalhou também em Deus é Brasileiro (2003), Bye Bye Brasil (1979) e Xica da Silva (1976) – seria o responsável pela direção, mas acabou pedindo ao ator que o fizesse, já que este conhecia o personagem com muito mais intimidade. Em coletiva realizada no dia 14 de Maio, José Wilker comentou sobre o assunto: ‘’Foi uma decisão difícil. Mais que uma escolha por dirigir, mais que uma vontade por dirigir, eu me senti sendo homenageado, sendo abençoado’’.
É impossível, no entanto, negar que o grande destaque de José Wilker no filme se dá graças a sua atuação. O ator incorpora o personagem e confere a ele um viés extremamente carismático, que conquista o público a partir de suas peculiaridades. O modo de falar de Giovanni é característico. ‘’Para esse cara que queria ser importante, eu achei que precisava de uma língua que o tornasse importante. Eu inventei a coisa dos pronomes. Eu achava engraçado falar ‘eu vos-lhes-digo-vos-lhes’’’, comenta Wilker sobre a construção da principal marca do personagem. Além disso, não faltam pérolas como ‘’É melhor presumir do que remendar’’, ‘’assunto de extrema gravidez’’ e ‘’Lei de Smurf’’. O famoso bordão ‘’Felomenal’’ também marca sua presença.
Outro aspecto elementar do personagem é o figurino. Os modelos nada discretos, os paletós coloridos e as singulares gravatas-borboletas estampadíssimas colaboram de modo excepcional para a construção desta figura um tanto caricata que é a de Giovanni.
Ao mesmo tempo, a posição de Giovanni em seu meio social deveria estar, teoricamente, distante desta face divertida do personagem. Afinal, ele é um bicheiro, rico, envolvido em uma série de negócios e tem, de certo modo, grande poder influente em relação às pessoas que o cercam, o que produziria certo ar de perigo. Contrariando a tendência, cria-se a figura de um Don Corleone um pouco menos sério e mais cômico, que circula pelo universo do poder sem perder o carisma.
A produção perde pontos, porém, no quesito roteiro. A história tem tudo para ser instigante, mas acaba se perdendo em função da quantidade de reviravoltas e surpresas que surgem ao longo do filme. A abundância de personagens também não colabora. Há certos momentos bastante confusos e o espectador pode ficar um tanto perdido.
Um ponto da obra que chama bastante atenção, no entanto, é o seu caráter crítico quanto a aspectos da sociedade. Percebe-se nitidamente certa ironia principalmente em relação à polícia facilmente corruptível e à religião, quando esta se apresenta de modo extremista e controlador na vida das pessoas.
Para José Wilker, esse tom criterioso do filme, mesmo tratando-se de uma comédia, era muito importante: ‘’Quando a gente precisa denunciar um fato grave, não precisa ser sisudo. Precisa ser claro. E o que eu queria com o Giovanni era fazer um filme que divertisse as pessoas no melhor sentido da palavra: que as pessoas rissem, que as pessoas pensassem. Aliás, acho eu que a melhor forma de definir diversão é esse: rir e pensar’’.
É assim que a comédia, ao levantar e, de um modo bastante humorístico, questionar esse tipo de polêmica social deixa de carregar o simples caráter de ‘’produto para o grande público’’.
O personagem de Giovanni Improtta assume aqui um papel superior, ao passo que, como Wilker afirma, representa uma espécie de reflexo do Rio de Janeiro, que é, por sua vez, um espelho de várias outras cidades do Brasil: ‘’Eu achei que o Giovanni podia espelhar essa cidade (Rio de Janeiro), podia espelhar esse novo jeito de olhar para o mundo, essa nova geografia, essa nova aspiração à ascensão social, essa contradição que a gente vive aqui no Brasil, com humor’’.
Não tem jeito, é fato. Giovanni Improtta, mesmo com seus defeitos aqui e ali, não é uma comédia qualquer. Se não servir para divertir, servirá pelo menos para nos fazer refletir um pouco sobre a realidade em que vivemos.
por Victória Pimentel
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