Por Malu Vieira (marialuizavieiragoncalves@usp.br)
Até onde você iria pela sua crença? Essa é a pergunta que rege o novo filme de terror da A24, Herege (Heretic, 2024). O longa chega aos cinemas brasileiros nesta quarta-feira (20) e traz consigo elementos do terror da Gen Z. Com um certo humor e um show de brilhantismo de Hugh Grant, Herege é um forte candidato a lista dos queridinhos de terror de 2024. A direção é de Bryan Woods e Scott Beck, criadores e roteiristas de Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018) e suas sequências.
O filme conta a história de Paxton (Chloe East) e Barnes (Sophie Thatcher), duas jovens missionárias que vagam pelas ruas buscando espalhar a palavra de Deus e converter os indivíduos em Mórmons. Em sua jornada, as irmãs se deparam com um senhor, particularmente interessado em ouvir o que elas têm para dizer. As garotas se veem seduzidas pela atenção do Sr. Reed (Hugh Grant), e entram em sua casa. Ao perceber que há algo de errado com o homem e sua residência, as duas precisam contar com sua única arma para escapar: a fé.
Hugh Grant, do mocinho ao vilão
Um ponto alto do filme que contribui para sua atmosfera cativante é a atuação de Hugh Grant. Fugindo de papéis convencionais que o público está acostumado a vê-lo interpretar, o ator mescla o humor com o sadismo, em um personagem completamente hipnotizante. Sr. Reed tenta convencer as meninas que a religião não passa de uma invenção. Para isso, ele utiliza de analogias que condizem com a idade das personagens, como o exemplo de músicas consideradas plágio uma da outra, referências a Star Wars, e até mesmo diferentes versões do jogo Monopoly.
Essas analogias, não só entretêm as jovens, como também o espectador. De uma maneira muito didática, Hugh Grant consegue dar uma lista de motivos para não acreditar na religião . No entanto, Paxton e Barnes não largam de suas convicções, as duas, principalmente Barnes, se mostram mais preparadas do que o esperado. Ao se verem questionadas, mesmo sabendo dos perigos, as irmãs preferem seguir sua fé, o que elas não esperam, é que o Espírito Santo pode as deixar na mão.
Os monólogos do ator mostram que ele consegue caminhar perfeitamente por estilos diferentes de filmes, e, que, apesar de ter consolidado sua carreira com filmes de romance, não é restrito apenas a eles. Com o passar dos minutos e a intensificação da atmosfera, o galã queridinho do cinema se mostra um completo maníaco com sede de um poder que ninguém consegue alcançar: a verdade única.
Terror Gen Z
Herege possui uma estética única do novo estilo de terror. A fotografia e os diálogos são muito bem pensados para se enquadrar no ritmo da geração Z, que não suporta filmes lentos. Apesar de possuir apenas três atores principais, o filme não é entediante, e prende a atenção do público, mostrando que não é preciso diversos personagens para criar uma boa narrativa.
A fotografia do filme (Chung Chung-hoon) também é outro ponto alto. A maior parte das cenas são no interior da casa de Sr. Reed, mesmo assim, o posicionamento das câmeras e a montagem do longa em si, não transmite uma sensação de sufocamento, apenas quando necessário.
A trilha sonora do longa, feita por Chris Bacon, é composta por momentos de tensão, mas também possui momentos de descontração, como a aparição da música de sucesso da banda Radiohead, Creep. A atmosfera de aflição enquadra Herege no estilo de terror da A24.. Como , Fale Comigo (Talk To Me, 2023) e Morte Morte Morte (Bodies Bodies Bodies, 2022), o filme vem para entrar na lista dos favoritos da produtora.
Debate sobre a religião?
Apesar de ser pautado na religião, o filme pode ser interpretado de diferentes maneiras. O ponto principal é a crítica a qualquer tipo de fanatismo e a obsessão pela certeza. As meninas não desistem do que elas acreditam, mesmo com o Sr. Reed rebatendo com argumentos válidos contrários a várias de suas crenças.
Ao decorrer da história, é possível perceber uma certa hipocrisia do personagem de Hugh Grant. A sede de ser o dono da única verdade, faz com que os argumentos apresentados por ele sobre o monoteísmo caiam por terra. Seu objetivo não é mais expor sua opinião pessoal, e sim, forçar suas ideologias nas crenças das meninas. Esse comportamento, assemelha-se às doutrinas utilizadas por diversas igrejas, o que mostra que seu comportamento se tornou obsessivo e contraditório.
Herege é um ensaio sobre o homem e ele mesmo e como é difícil largar convicções pessoais, mesmo nas situações mais extremas. Apesar de um ótimo roteiro, trilha sonora e fotografia, o ato final do filme deixa um pouco a desejar. As cenas do terceiro ato são extensas e cansativas, mas mesmo assim, o final consegue ser o melhor que o longa poderia ter.
O filme está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Reprodução /IMDb