Jornalismo Júnior

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Historicamente esportivo: 60 anos dos primeiros Jogos Olímpicos de Tóquio

Confira as relevâncias político-sociais de sediar, após a Segunda Guerra Mundial, uma Olimpíada na Ásia pela primeira vez

Por Gustavo Radaelli (gustavohmr10@usp.br), Leticia Yamakami (leticiayamakami@usp.br) e Luiz Dias (lhp.dias11973@usp.br)

O ano era 1964, seis décadas atrás. No dia 10 de outubro, começava a primeira edição dos Jogos Olímpicos sediados em um país do continente asiático. Dezenove anos depois da explosão das bombas de Hiroshima e Nagasaki, o Japão demonstrava ao mundo sua reconstrução e capacidade de organização ao preparar a sua capital para receber os primeiros Jogos Olímpicos de Verão de Tóquio.

No dia 6 de agosto de 1945, caía na região de Hiroshima a primeira bomba nuclear lançada pelos Estados Unidos, a Little Boy, que devastou o Japão e chocou o mundo. No mesmo dia, nascia em um vilarejo próximo o atleta e jornalista Yoshinori Sakai (1945-2014), popularmente conhecido como “Bebê de Hiroshima”. Quase duas décadas depois, Yoshinori foi escolhido como portador da pira olímpica nos Jogos Olímpicos de Tóquio, se tornando um símbolo de esperança, um pedido de paz mundial e uma homenagem aos mortos do ataque.

Regata vestida por Yoshinori ao segurar a pira olímpica. Ele não participou da competição como atleta, mas foi aplaudido pelo Imperador de sua nação [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Mesmo rodeado por tensões da guerra fria e dificuldades de um país ainda em reconstrução, a prosperidade econômica no Japão permitiu a realização de um evento que trouxe avanços tecnológicos para o mundo esportivo, visibilidade para o país e três prêmios do Comitê Olímpico Internacional (COI): a Copa Olímpica, o Troféu Bonacossa e o Diploma de Mérito.

Esporte e História: caminhos cruzados

O Japão já tinha sido selecionado para sediar o evento muito antes de seu acontecimento. O país asiático foi escolhido para realizar os Jogos Olímpicos de 1940, porém, ao invadir a China em 1937, o Comitê Olímpico transferiu a sede do evento para a Finlândia. Essa Olimpíada também nunca chegou a acontecer devido ao início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

No ano de 1964, o mundo inteiro estava sob pressão, especialmente pelos eventos da Guerra Fria. Dois anos antes, em 1962, o clima ficava cada vez mais tenso, com a instalação de lançadores de mísseis em Cuba pelos soviéticos, dando início à Crise dos Mísseis entre EUA e URSS. Já no mesmo ano da competição, após supostos ataques a embarcações norte-americanas no sudeste asiático, os Estados Unidos declararam sua entrada na Guerra do Vietnã (1954-1975).

Outras questões políticas e étnicas também marcaram o período. Enquanto o pastor americano Martin Luther King realizava protestos pelos direitos da população preta nos EUA e Malcolm X lutava ao lado do Partido dos Panteras Negras, a África do Sul era banida dos Jogos Olímpicos por conta da política de segregação racial do Apartheid. Ao mesmo tempo, na América do Sul, inúmeros países sofreram golpes militares financiados pelos Estados Unidos — o Brasil teve sua ditadura iniciada seis meses antes dos Jogos Olímpicos de Verão de 1964.

A edição de 1964 foi a primeira em que a África do Sul esteve fora. O banimento perdurou por 28 anos [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Decidido internacionalmente como anfitrião de um dos eventos mais importantes do mundo, o Japão investiu 3 bilhões de dólares — o equivalente a 30 bilhões da moeda americana na cotação atual — na produção de complexos esportivos modernos e na melhoria nos sistemas de transporte. Esse patrimônio financeiro  produziu a Olimpíada mais cara de todas até então, além do primeiro trem-bala do globo, o Shinkansen, inaugurado no dia 1º de outubro de 1964. 

Centenas de pessoas passaram a noite nos terminais de trem para presenciar a inauguração do trem bala, evento histórico que também marcou o início da reconstrução japonesa [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Disputas de poder fora e dentro da arena

A personagem principal das Olimpíadas de 64 — o esporte — englobou polêmicas e decisões que são estudadas até hoje por especialistas. A primeira edição de Tóquio ocorreu durante o embate político-social-esportivo entre a FIFA e o COI. Em entrevista para o Arquibancada, o professor de Educação Física e pesquisador da Unicamp Sérgio Giglio afirma que “essa disputa foi uma busca pelo controle e pelo poder, no sentido de quem vai definir as regras da competição”.

O duelo entre as duas entidades pelo comando das normas olímpicas fez com que a Fifa criasse a sua própria Copa do Mundo em 1930 e que o futebol fosse excluído do programa olímpico dos Jogos de 1932. Após 32 anos, a modalidade já havia retornado aos Jogos, mas em meio a um acordo entre Fifa e COI: o amadorismo regido pelo “espírito olímpico”.

Em relação ao futebol olímpico, a discussão mais pungente do longo período entre 1894, ano de criação do COI, e 1988, última edição com abalos geopolíticos causados por conflitos mundiais, foi a de como definir os conceitos de atleta amador, atleta profissional e espírito olímpico. “O espírito olímpico é você disputar por amor. O que é disputar por amor? É, basicamente, você ter tempo livre para a prática daquela modalidade”, explica o pesquisador.

Mais além, ele ressalta que “quando a gente volta no tempo, quem tem tempo livre é a pessoa que faz parte da aristocracia, e não a classe trabalhadora”. Estabelecida a proibição de profissionais, o torneio de 1964 impediu que o time da Itália participasse por não contar com competidores amadores. Outra equipe desistente foi a Coreia do Norte, que sofria com problemas internos à época.

Com as duas baixas, os grupos B e D contaram com apenas três equipes cada. Nesta edição do torneio olímpico de futebol, a equipe da Alemanha Unificada foi representada por futebolistas da Alemanha Oriental. Apenas com equipes masculinas, 16 confederações amadoras de futebol participaram da busca pelas medalhas olímpicas.

Segundo estudos de Giglio, os competidores do leste europeu se destacavam por serem “atletas do Estado”: não eram profissionais, mas também não exerciam nenhuma outra profissão [Imagem: Divulgação/COI]

O pódio e sua baixa representatividade feminina

Abrangendo todas as modalidades, 5.151 atletas de 93 países competiram ao todo. Dos convocados, 4.473 eram homens e apenas 678 eram mulheres, que sofreram com tratamentos desiguais dentro e fora das competições. Há, por exemplo, relatos de assédio moral e agressões sofridas pelas jogadoras de vôlei japonesas. As esportistas, que já lidavam com cargas duplas, trabalhando em fábricas no período da manhã e treinando até meia-noite, sofriam insultos e até mesmo agressões físicas do seu treinador, Hirofumi Daimatsu.

Pela delegação brasileira, das 68 atletas participantes, a maior destaque foi a carioca Aída dos Santos, que terminou em quarto lugar na final da disputa de salto em altura. Apesar de conseguir um dos melhores desempenhos femininos do Brasil por 44 anos — superado apenas pela medalha de ouro da Maurren Maggi em Pequim 2008 —, Aída relata que teve más experiências durante a competição.

A atleta, que não teve auxílio de técnico, massagista e nem intérprete, chegou a não ter um par de tênis para treinar e, ao torcer o pé no evento, não havia médicos brasileiros para atendê-la, precisando receber socorro de um médico da delegação cubana. O descaso fez com que ela não participasse da cerimônia de encerramento e voltasse mais cedo para o Brasil.

Mesmo com todas as dificuldades, Aída foi a primeira atleta do país a disputar uma final olímpica e terminou a prova com a marca de 1,74m [Imagem: Divulgação/Comitê Olímpico Brasileiro]

No final da edição, os soviéticos somaram mais medalhas do que os estadunidenses: 96 contra 90. Se consideradas apenas as de ouro, os norte-americanos emplacaram 36 contra 30 dos leste europeus. Os anfitriões terminaram em terceiro lugar com 26 medalhas: 16 de ouro, 5 de prata e 8 de bronze. Na classificação geral, o Brasil terminou em 35º, empatado com Gana, Irlanda, Quênia, México, Nigéria e Uruguai. Tudo que a delegação brasileira conseguiu foi uma medalha de bronze.

Reposicionamento da imagem nipônica

No ano de 2007, o consultor de políticas Simon Anholt cunhou o termo “Competitive Identity” (Identidade Competitiva), um modelo que visa relacionar o desempenho econômico de uma empresa ou país com sua identidade nacional, bem como estratégias de marketing para modelar a visão pública. Tendo esse conceito em mente, Tóquio 1964 foi um grande sucesso como estratégia de marketing para implementar uma identidade competitiva.

“Quando você não tem tempo para ler um livro, você o julga pela capa. Estes clichés e estereótipos,  sejam eles positivos ou negativos, fundamentalmente afetam nosso comportamento em relação a outros lugares e seus produtos.”

Simon Anholt

Durante o ano de 1964, o Milagre Econômico Japonês estava em seu auge, tornando o país uma potência econômica. As Olimpíadas de Tóquio foram uma oportunidade sem precedentes para o governo renovar sua imagem, marcada por crimes de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, como a Unidade 731, além de conseguir apresentar suas marcas nacionais para o mundo, como a Toyota, a Nissan, Panasonic e Nippon Telegraph and Telephone (NTT).

Em seu livro “Olimpíadas e Pós-Guerra”, o professor da Universidade de Tóquio e sociólogo Shunya Yoshimi definiu o espírito de Tóquio 1964 como “mais rápido, mais alto, mais forte”, descrevendo o esforço das autoridades nipônicas de apresentar uma imagem moderna e poderosa do Japão, o que pode ser visto nos investimentos financeiros em inovações tecnológicas e planos diretores.

Além da inauguração do Shinkansen, outra novidade foi o início da transmissão dos jogos ao vivo via-satélite, por meio do Satélite Syncom 3, administrado pela empresa NTT, que possibilitou a transmissão dos jogos para um terço do planeta.

Nos cinco anos de preparação, a cidade de Tóquio passou por um intenso plano urbanístico com o objetivo de modernizar a capital japonesa e mostrar o espírito de renovação, símbolo das Olimpíadas, transformando uma cidade bombardeada e destruída durante a Segunda Guerra Mundial em uma metrópole futurista que poderia competir com cidades como Nova York e Paris.

O Ginásio Metropolitano de Tóquio foi arquitetado para os Jogos de 1964, carregando uma estética inspirada em ficção científica para evocar o senso de modernidade japonês. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Tóquio 1964 como um holofote econômico

O posicionamento da nova identidade competitiva japonesa foi um sucesso, consolidando a nação nipônica como um holofote de inovação e desenvolvimento econômico que atraiu investidores em massa, tornando o país a segunda maior economia do mundo ainda em 1968, dois anos após as Olimpíadas, posição perdida para a China apenas no ano de 2010.

O modelo japonês de estrutura corporativa, alianças público-privadas e políticas industriais foi exportado durante toda a segunda metade do século 20 para o mundo, em especial para outras nações asiáticas. Um dos maiores sucessos da importação e implementação desse modelo, de forma total ou parcial, foram os Tigres Asiáticos, grupo composto por Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura e Taiwan, que se tornaram pólos industriais e comerciais no continente asiático.

Nos Jogos de Tóquio 2020 — que ocorreram em 2021 em decorrência da pandemia de Covid-19 — o Japão manteve o compromisso com inovações tecnológicas e arquiteturas futuristas, mesmo após 57 anos do primeiro evento. As Olimpíadas novamente pediam paz mundial e, principalmente, saúde diante dos inúmeros doentes e mortos pelo coronavírus. O evento também reforçou a tradição e a cultura japonesa.

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