O livro Laranja Mecânica (Aleph, 2012) é considerado uma das grandes distopias da literatura e foi incluso na lista dos 100 melhores livros da literatura inglesa escritos desde 1923, feita pela Modern Library, com seu título original A Clockwork Orange.
Escrito por Anthony Burgess em 1962, a história ocorre em uma Londres caótica e destruída. Narrado em primeira pessoa pelo protagonista Alex, líder de uma gangue de marginais cuja principal função social é a prática da violência gratuita, o livro aborda uma narrativa intensa e remete a reflexões nada convencionais.
O autor brinca com a nossa noção de justiça e procura explorar o discernimento entre o bem e o mal. Ao mesmo tempo, ironiza a legitimidade do Estado em alterar o modo de agir dos indivíduos para torná-los parte comum na sociedade e coloca as instituições e grupos sociais – família, escola, polícia, governo – como repressores do livre arbítrio dos cidadãos. Essas questões permeiam em todas as linhas da narrativa. A violência, a realidade estraçalhada, a personalidade corrompida e o determinismo como fator destrutivo formam um emaranhado de críticas a uma sociedade que evolui pela desenvolução e, não obstante, insiste na correção de suas próprias criações.
Em um consenso geral é possível entender que a distopia tão temida pelo autor se transformou em realidade quando observamos, nos dias de hoje, um contexto de impunidade e violência no qual o controle está nas mãos das mesmas instituições que surgiram para reestruturar, organizar e proporcionar liberdade à população.
Alex, o anti-herói, após ser traído pelo seu grupo, é preso e submetido a um tratamento experimental. Esse tratamento, realizado pelo Estado e chamado de The Ludovico Technique, consiste em submeter o adolescente transgressor a cenas de violência a partir de ferramentas drásticas de sofrimento e de submissão. Ao sair da prisão, supostamente curado, Alex passa por um período de extrema rejeição mecânica à violência e desmotivação social intensa. Nesse sentido, entende-se que o personagem foi forçado a alterar seu comportamento sem que, de fato, sofresse uma mudança essencial na sua personalidade. “Será que um homem que escolhe o mal é talvez melhor do que um homem que teve o bem imposto a si?” diz um dos personagens do livro. Essa dualidade preenche os traços restantes de Alex nos quais não se sabe se houve uma real mudança ou, senão, uma padronização que remete a todo um sistema de valores culturais e repressão implícita que permeavam na Inglaterra na década de 60.
Além da história, o livro traz uma experiência linguística. Isto é, o autor cria uma nova linguagem que mistura o russo ao inglês e, na narrativa, é utilizada em forma de gíria entre os adolescentes transgressores. A linguagem é entendida no contexto, mas, mesmo assim, as editoras insistiram em um glossário ao final do livro (contra as expectativas do escritor).
O termo laranja mecânica foi usado pelo escritor a partir da expressão “Tão bizarro quanto uma laranja mecânica” e foi, posteriormente, utilizado por Stanley Kubrick em sua produção cinematográfica polêmica sobre o livro, e que pode ser conferida neste texto do Cinéfilos. Mantendo um repertório cinematográfico que optou por ultrapassar os modelos delineados por protótipos estilistas e culturais comuns à sua época, Stanley Kubrick foi mais do que um dos maiores cineastas de todos os tempos, foi um artista. Foi ele que, segundo o próprio autor do livro, tornou o Laranja Mercânica mundialmente conhecido. Dialogando constantemente com o livro, o diretor conseguiu captar a essência crítica e resgatar traços imagéticos que deram vida aos personagens falhos produzidos por Anthony Burgess.
Como um modo de homenageá-lo foi criada uma coleção icônica que reúne objetos de cena e figurinos referentes aos seus filmes. Organizada pela viúva do cineasta, pelo Museu Alemão do Cinema e pelo Arquivo Stanley Kubrick, a exposição recorda diferentes cenários que trazem o espectador para dentro das narrativas produzidas por ele. No que diz respeito ao filme Laranja Mecânica, temos um cenário contextualizado com figurinos e bonecos que expressam o ambiente sarcástico e macabro que ambos, o escritor e o diretor, exploraram nessa fascinante distopia.
O Museu da Imagem e do Som (MIS) fará a inauguração da “Stanley Kubrick” no dia 9 de outubro em São Paulo. A exposição já passou pela Alemanha, Itália, Suíça, Bélgica, Austrália e, hoje, acontece em Los Angeles. Quem é fã do livro ou do filme não pode perder essa oportunidade!
Por Felipe Spengler
fshsilva@gmail.com
Muuuito bom!
Pingback: Entre as distopias – Se nada der certo… há sempre um mundo novo!