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Macumba, Axé! e opressão

Por Caio Nascimento (caiovn.usp@gmail.com) 14 de abril de 1978. Nascia Alex Oliveira. Com 10 dias de nascido, sua avó o pegou no colo e disse à mãe que aquela criança, a quem ela havia dado a luz, era médium. Os pais de Alex não acreditavam e muito menos aceitavam a consideração. Havia um dogma muito …

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Por Caio Nascimento (caiovn.usp@gmail.com)

14 de abril de 1978. Nascia Alex Oliveira. Com 10 dias de nascido, sua avó o pegou no colo e disse à mãe que aquela criança, a quem ela havia dado a luz, era médium. Os pais de Alex não acreditavam e muito menos aceitavam a consideração. Havia um dogma muito grande por trás deles. Aos sete anos, Alex, olhando para parede, conversava com um espírito infantil de um garoto que só ele via. “Até os sete anos, as crianças podem cultivar uma percepção muito aflorada sobre espíritos e energias. Na umbanda, elas são seres encantados da natureza, regidos pelo Orixá Oxumarê, representado pelas cores do arco-íris. Meus pais diziam que o que eu via era coisa da minha cabeça, que eu queria aparecer. Mas fui crescendo com aquilo… e parei de contar porque me reprendiam. Se eu continuasse falando para eles sobre, eu iria tomar uns bofetões”, conta ele.

Alex veio de família católica e não tinha apoio para tratar de sua mediunidade, já que o preconceito falava mais alto. Ao completar 19 anos, buscou ajuda. Foi a uma benzedeira, depois procurou uma casa de esoterismo e lá começou a se cuidar. “Foi no esoterismo que me mostraram o caminho da espiritualidade. Sentia sempre arrepios, coisas estranhas, e um dia veio em mim a manifestação de um Caboclo”, relata Alex. “Depois desse episódio, os ‘irmãos’ que cuidavam de mim disseram: ‘Agora você é médium de incorporação e tem que encontrar um respaldo espiritual dentro da Umbanda’, mas eu tinha medo; tinha medo das oferendas que a Umbanda fazia e das incorporações, mas tive que aprender a lidar”, desabafa.

A partir daí, Alex adentrou nas matrizes africanas. Iniciou-se num terreiro no começo dos anos 2000 e passou a estudar a Umbanda. Mesmo assim, ele não teve o suporte das pessoas com quem convivia, e a intolerância se mostrou ainda mais forte diante de sua escolha. “Família de amigos, de namorada, mas, enfim… Eu ouvia primeiro da minha família”, enfatiza. “Muitos diziam: ‘Não entra nisso! Quem entra, não pode sair nunca mais’, ‘Está se envolvendo com coisa do demônio?’, ‘Agora virou macumbeiro?’. Essas são as primeiras visões que as pessoas têm, e eu ainda não estava preparado para explicar para elas o que é a Umbanda e a minha mediunidade. Hoje, infelizmente, ainda sofro com coisas assim, mas, daquela época para cá, sou umbandista assumido. Não tolero mais preconceito”, ele diz.

Hoje, Alex é dirigente – conhecido por muitos como Pai de Santo – no Templo da Luz Divina de Ogum, que ele mesmo fundou. Ademais, seus familiares passaram a aceitar melhor o fato de ele ser um sacerdote de uma religião afro-brasileira. Sua mãe, inclusive, hoje frequenta os cultos umbandistas.

 

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Alex em homenagem ao Orixá Ogum no Templo da Luz Divina de Ogum.
(Vídeo: Reprodução/Templo da Luz Divina de Ogum)

Apesar da aceitação familiar e do reconhecimento no meio umbandista, fora dele Alex ainda se depara com intolerâncias entre aqueles que se levam pelo senso comum. O dirigente do terreiro concilia as atividades religiosas com o cotidiano de trabalho: Alex é representante comercial. No emprego, já passou por situações diversas de opressão por conta de sua religiosidade. “No meu ambiente de trabalho, tenho meus adornos pendurados para me proteger, e as pessoas acabam perguntando de qual religião eu sou. Tem gente que já me pergunta se isso faz mal. Teve caso de reunião em que a pessoa tentou encerrá-la o mais rápido possível por saber qual era a minha crença. Isso é ignorância”, reforça. “Um caso bastante chato foi num antigo emprego: minha supervisora, que se não me engano era evangélica, um dia perguntou de qual religião eu era e, ao saber, indagou se eu não tinha outra coisa melhor para escolher. ‘Logo essa?’. Foi um episódio inesquecível para mim. Hoje, em algumas situações, já falo logo da religião que eu sou; já para não ter nenhum impasse”. Logo em seguida, Alex despiu seu colar de Ogum – em respeito ao Orixá, de quem é filho – para poder fumar cigarro. “Esse é o respeito que temos pelas entidades e Orixás. Sempre”, observa.

O terreiro que Alex ordena, além dos rituais, abriga doações – como brinquedos e cestas básicas – para os trabalhos de caridade do Projeto Social Força Divina, do qual os membros da casa participam. Por meio do projeto, são entregues marmitas a pessoas em condição de rua, às quartas-feiras pela noite, além de serem feitas idas a orfanatos e a espaços que cuidam de crianças especiais.

Ao invés de uma religião de negros, prostitutas e bandidos, como antigamente se dizia, a Umbanda é aberta a todos: “Aqui vêm pessoas de todo tipo e tratamos todos da mesma maneira, com o mesmo aperto de mão e abraço, nem mais forte e nem mais fraco. Nossa função é fazer o bem”, conta Alex. No entanto, desconstruir a intolerância é um obstáculo em uma sociedade que constrói degraus para venerar discursos de ódio, demonizar crenças e fazer jus à mancha escravocrata. Essa antiga realidade transcendeu para os dias atuais de outras maneiras, e a maioria dos brasileiros não reconhece o valor histórico que as religiões afro-brasileiras assumem na cultura do país, atribuindo-lhes uma subalternidade marcada pelo silenciamento – por agressões e boatos – de suas memórias.

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Médiuns incorporam seus guias espirituais em trabalhos no Templo da Luz Divina de Ogum (Imagem: Reprodução/Templo da Luz Divina de Ogum)

O Templo da Luz Divina de Ogum conta com todos os documentos que o identificam como um espaço religioso (protegido inclusive pela Lei nº 7.716, que criminaliza a intolerância religiosa). Porém, as agressões ao templo não são poucas: Alex conta que já chegaram a pichar as paredes, furtar cestas básicas e saquear fechaduras da porta de aço com palitos para não haver o culto. “Sem contar que tem pessoas que passam de frente ao templo e, ao escutar o batuque do Atabaque, tampam os ouvidos e falam que é coisa do Satanás, que é coisa amaldiçoada. Graças a Deus, hoje, já existe uma delegacia própria que atende aos crimes de intolerância religiosa, porque isso é todo dia e toda hora”, complementa.

A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), a qual menciona Alex, foi criada no estado de São Paulo em 2006, como parte do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil. Ali registram-se casos de intolerância contra negros, LGBTs, grupos étnicos, religiosos, entre outros.

Um patrimônio nacional do Candomblé na periferia paulistana

Na década de 1950, a industrialização se engatilhava sobre o solo paulistano e pulsava no coração do Altar Brasileiro. Muitos nordestinos enxergavam na Terra da Garoa o ponta pé para uma vida melhor. Não diferente, na cidade de Propriá, terra do semiárido sergipano, a mente de Julita Lima da Silva se compunha de ideias. Julita, também chamada de Manaundê, nasceu em 1891. Era analfabeta, filha de escravo e uma herdeira da crença do Candomblé, que sua mãe cultivara dentro e fora das senzalas.

Manaundê iniciou-se na casa de Candomblé de Mãe Nanã, em Propriá. Lá, compartilhava os rituais com os filhos do terreiro, seus irmãos, também filhos de Nanã. Dentre eles, estavam o senhor Manoel e a esposa, dona Lindaura, a qual pariu, em 1954, dentro do roncó, Pulqueria Albuquerque. Quatro anos depois, a pedido de seus pais, a menina, sob a guarda de Manaundê – sua então Mãe de Santo –, partiria para São Paulo em busca de melhor educação.

Em 1962, após quatro anos vivendo em São Paulo, Manaundê fundou, onde antes era uma olaria, a primeira casa de Candomblé da cidade: o Terreiro de Santa Bárbara, localizado na atual Vila Brasilândia, periferia da cidade. Mas viver em São Paulo não era fácil: além de ser Mãe de Santo, Manaundê trabalhava como lavadeira, parteira, doméstica e era discriminada por ser do Candomblé. Em meados da década de 1960 — início do regime militar —, vizinhos seus fizeram um abaixo-assinado para que saísse das redondezas, além de terem denunciado seu terreiro, invadido depois pela polícia. A alegação era de que ali havia cabeças enterradas e sacrifícios de crianças para trabalhos de “magia negra”. Tomado o terreiro, veio o pânico: policiais destruíram imagens, agrediram frequentadores da casa e levaram Mãe Manaundê presa. Em poucos dias, no entanto – ao terem visto que as acusações eram falsas –, ela foi liberada.

Foi aos 85, em 1976, que a sacerdotisa passou a dirigência do terreiro para Pulqueria, que então completava trinta e um. Desde a infância, Pulqueria incorporava seus guias espirituais. “A mediunidade sempre foi algo natural para mim. Meu Orixá, Iansã, de quem sou filha, incorporava em mim quando eu era menina. Aos seis anos incorporei um Caboclo, e hoje eu ainda incorporo meus guias, mas só quando eles querem descer em mim, como sempre foi. Só sei que quando vêm, eu simplesmente apago”, relata.

O tempo passou e o Terreiro de Santa Bárbara se transformou em um marco do Candomblé angolano, recebendo até mesmo celebridades como Perla, Maguila e Ney Matogrosso. Em 2015, consagrou-se como patrimônio religioso nacional protegido pela Lei 3924/61, que zela pelas ancestralidades culturais do País. Hoje, com a ajuda do vereador Toninho Vespoli (PSOL-SP), Pulqueria já negocia com a Prefeitura o aval para dar à rua onde fica o terreiro o nome de sua antecessora: Manaundê.

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No Candomblé, o cabelo representa soberania e poder. Raspá-lo é um ato de purificação, no qual a pessoa se recobre de humildade, sem qualquer traço vaidoso, e recebe sua divindade. (Imagem: Reprodução/Terreiro de Candomblé Santa Bárbara)

Para Pulqueria, ser sucessora de sua Mãe de Santo, com quem conviveu durante toda a vida, é um compromisso que lhe traz orgulho. Apesar disso, ela também se depara com a discriminação: “Tenho uma Filha de Santo que teve uma doença muito grave quando criança e não tinha muitas chances de vida. Por conta disso, prometi a Iansã que rasparia a cabeça da pequena se ela curasse. A menina curou e raspei a cabeça dela. Aí foi quando me denunciaram por acharem que eu estivesse fazendo maus tratos infantis dentro do terreiro”. A polícia a intimidou para depor na delegacia, mas o delegado conhecia Pulqueria e a liberou. “Ele sabia do significado da raspagem de cabeça no Candomblé. Sem contar que foi cuidado por Mãe Manaundê quando precisou”, recorda.

Outro ritual bastante mal visto é o sacrifício de animais. “A gente aqui no terreiro dá banho no bicho, faz carinho, lava os pezinhos, enfim… deixamos ele calmo”, explica. “Não judiamos do animal como acontece na indústria, até porque a natureza é a base da nossa religião. Existe um sentido espiritual por trás. Mas as pessoas preferem dizer que é coisa do demônio sem sequer entender o significado”.

Também são recorrentes em muitos terreiros as oferendas em vias públicas e encruzilhadas. Ela se coloca contra essas práticas: “As pessoas depredam, dão chutes… sem contar que jogar as oferendas nas ruas é agredir a natureza. Candomblé é a natureza e os elementos que a compõem: ar, água, fogo e terra. Não queremos sujá-los. Por isso, depois do culto, a gente pega a comida das nossas oferendas e levamos para os moradores de rua… Até porque fazemos tudo do bom e do melhor. Por que não dar para quem necessita?”.

Em um desses atos de caridade, um morador de rua cuspiu a comida no rosto de um dos seus Filhos de Santo. “Nós vamos com nossos trajes religiosos e muitos têm receio de comer comida vinda da macumba”, conta Pulqueria. “Acham que estamos ali para fazer o mal”.

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Da esquerda para direita: Marcos Tatamoyode, Bryan, Ricardo, Rubens Yoromim Candecy, Pulqueria, Lucia Matamba, Isabel Oya Boaqueci e Mauro. Todos candomblecistas e frequentadores do Terreiro de Santa Bárbara. (Foto: Caio Nascimento/Jornalismo Júnior)

No Terreiro de Santa Bárbara, a atmosfera preza pela familiaridade: crianças correm de lá para cá, alguns fiéis preparam as oferendas, conversam entre si, cantam aos Orixás e outros organizam as folhas sagradas sobre o chão. A fraternidade cerceia as relações e assim a casa se faz aberta aos que precisam de ajuda.

Preservando a cultura, a crença e a ancestralidade

Em iniciativa do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos – recém-extinto pelo governo Temer -, foi criado, em abril deste ano, um Comitê Executivo de Políticas para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiros. A comissão conta com a presença de lideranças de movimentos sociais e representantes de sete ministérios, além da Secretaria de Governo da Presidência da República.

Por meio da criação de câmaras temáticas – que abordavam assuntos como territorialidade, cultura, inclusão, desenvolvimento social, racismo e violência –,  o Comitê teria doze meses para apresentar propostas de combate à intolerância, com o objetivo de garantir os direitos fundamentais para grupos de matrizes africanas. O plano de governo do PMDB, no entanto, não aborda projetos para o segmento, e o presidente em exercício ainda não se pronunciou sobre a continuação dessa agenda.

As estatísticas não mentem

Os órgãos de enfrentamento aos ataques contra a fé representam um avanço histórico na defesa da integridade religiosa dos cidadãos. O atendimento aos casos, no entanto, ainda é retrógrado e subdesenvolvido no Brasil.

Em análise do Disque 100, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, os dados indicam 697 casos de intolerância religiosa entre 2011 e dezembro de 2015, com a maioria registrada nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Além disso, a preconização dos casos de violência contra as religiões de matriz africana pela justiça é deplorável: em um estudo de campo da PUC-Rio, foram ouvidos 847 líderes de terreiros da Umbanda e do Candomblé, e contatou-se que, dentre 430 relatos de intolerância, apenas 160 foram notificados na polícia e somente 58 carregaram alguma ação judicial.

No relatório da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, divulgado no começo deste ano, foi apontado que, nos últimos quatro anos, 71% desses crimes foram contra religiões afro-brasileiras, cujos seguidores, desde os tempos coloniais, vêm sendo por outros chamados de “bruxos” e “macumbeiros”. Na opinião de Pulqueria, no entanto, nenhum ataque abala sua fé: “Falam besteira, nos xingam, mas o Axé… O Axé sempre vai ser a energia que me liga com os Orixás e a espiritualidade”, afirma.

2 comentários em “Macumba, Axé! e opressão”

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