Jornalismo Júnior

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“Mais que amor, dinheiro e fama, dê-me a verdade”: a história que inspirou Na Natureza Selvagem

No dia 27 de outubro deste ano, o filme Na Natureza Selvagem (Into The Wild, 2007) completa uma década de lançamento no Brasil. Baseado no livro-reportagem homônimo de não-ficção do jornalista e escritor Jon Krakauer, o longa conta a história de Christopher McCandless, um jovem de convicções sólidas que, aos 22 anos, decide abandonar identidade, …

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No dia 27 de outubro deste ano, o filme Na Natureza Selvagem (Into The Wild, 2007) completa uma década de lançamento no Brasil. Baseado no livro-reportagem homônimo de não-ficção do jornalista e escritor Jon Krakauer, o longa conta a história de Christopher McCandless, um jovem de convicções sólidas que, aos 22 anos, decide abandonar identidade, família e dinheiro em busca da verdade de sua existência, emancipando-se progressivamente da segurança e do excesso material que o circundavam. O diretor-roteirista da obra, Sean Penn, esperou dez anos para começar a gravá-la, a fim de obter a garantia de aprovação da família McCandless.

O longa de Penn, bem como o livro-reportagem de Krakauer, não é linear, promovendo a revelação gradativa dos acontecimentos da trajetória de McCandless. Em maio de 1990, depois de graduar-se na Universidade Emory, em Atlanta, o jovem doou um cheque de 24 mil dólares restantes de seu fundo escolar para a OxFam America, organização que tem como um de seus objetivos o combate à fome. Ao dar início à série de aventuras transcontinentais que o conduziram até a ‘grande odisséia alasquiana’, com pouca bagagem e nenhum dinheiro nas costas, McCandless, interpretado por Emile Hirsch, adotou o pseudônimo Alexander Supertramp.

Emile Hirsch e Christopher McCandless, da esquerda para a direita.

O jovem norte-americano passou por Califórnia, Colorado – onde atravessou o Rio Colorado sem permissão do governo –, Nevada, Arizona, Oregon, Dakota do Sul, México e, por fim, Alasca. Ele registrou sua jornada por meio de um diário-álbum de fotografias, trechos sublinhados de livros, cartas e cartões postais endereçados aos amigos que fez e conviveu temporariamente no meio do caminho. Tais evidências revelam Tolstoi, Jack London e Thoreau como três de suas principais inspirações, bem como o contentamento com as paisagens e companhias intermitentes. Em letras maiúsculas amarelas brilhantes, o longa apresenta fragmentos de parte das cartas endereçadas por McCandless.

Apesar de revelar extremo desprezo pelos adereços burgueses da sociedade norte-americana, o jovem cresceu no confortável ambiente de alta classe média de Annandale, Virgínia. Seu pai, Walt (William Hurt), é engenheiro aeroespacial e Billie (Marcia Harden), sua mãe, é sócia do marido em um empreendimento corporativo. Os pensamentos de Chris em relação aos pais são revelados, no longa, pela narração de sua irmã Carine (Jena Malone), seu membro da família mais próximo. Na obra de Krakauer, ademais, encontra-se a informação de que, pouco antes de desaparecer, o jovem queixou-se à irmã a respeito da “irracionalidade e opressão” do comportamento dos pais e revelou que pretendia “divorciar-se” deles “de uma vez por todas”.

Chris e Carine eram filhos ilegítimos, já que Walt manteve duas famílias às escondidas durante anos. McCandless concebe os pais como tiranos exacerbados, condenando a hipocrisia que sustentavam e a violência doméstica perpetrada por Walt. O tema integra, inclusive, a proposta do livro lançado por Carine McCandless em novembro de 2014, intitulado “The Wild Truth”. “As pessoas pensam que elas entendem a nossa história porque sabem como ela terminou”, ela escreve, “mas elas não sabem como tudo começou”. Em entrevista à publicação Outside Online, ela assinala a tentativa de “empoderar outras pessoas que enfrentam circunstâncias difíceis, como a violência doméstica”, ressaltando a ausência da intenção de depreciar os pais com a obra. “As pessoas não aprendem com os vilões, meu objetivo é humanizá-los, para que elas possam aprender com a situação”.

 

A consumação da ‘grande odisseia alasquiana’ e as canções de Vedder

Chris McCandless viveu 112 dias no selvagem do Alasca, abrigando-se no que apelidou em suas anotações de “ônibus mágico” – veículo deixado no meio do caminho da trilha de Stempede Trail por uma empresa de construção de Fairbanks, cujo objetivo era servir de abrigo aos caçadores de animais e peles. Suas anotações diárias revelam dificuldades para caçar e, a exemplo de todo caçador, viveu sob a ameaça de privação e morte por inanição. Depois de ter falhado em preservar a carne de um alce – considerando indefensável desperdiçar qualquer parte de um animal que fora morto para servir de alimento e caracterizando tal experiência como “uma das piores tragédias” de sua vida –, McCandless escreve sobre a “consciência da comida” e a atenção constante ao meio ambiente imediato e o que lhe diz respeito, quase como um emprego, uma tarefa ou um livro, inspirado na obra Walden, de Thoreau.

Emile Hirsch perdeu 18 quilos para ilustrar o estado físico no qual se encontrava McCandless no Alasca e, no longa, a perda de peso é assinalada por uma sucessão de furos adicionais no cinto da personagem. Hirsch, ademais, gravou todas as cenas do filme sem o amparo de dublês.

As cenas são majoritariamente longas e sem palavras, em diálogo com a fuga da eloquência humana e do materialismo ambicionada por McCandless. Produzida de modo singular por Eddie Vedder, vocalista da banda Pearl Jam, a trilha sonora da obra revela o tom sereno e simultaneamente inquietante do enredo, com letras que revelam características da personalidade  e das concepções do protagonista. Em 2008, Vedder foi premiado com o Globo de Ouro pela canção “Guaranteed”.

No dia 30 de julho de 1992, há uma anotação fatídica no diário de Chris: “EXTREMAMENTE FRACO. CULPA DA SEMENTE DE BATATA. MUITA DIFICULDADE ATÉ PARA FICAR DE PÉ. MORRENDO DE FOME. GRANDE PERIGO”. A partir de um apurado levantamento de indícios e uma extensa pesquisa na literatura médica e botânica, Krakauer concluiu que a ingestão de sementes de batata-silvestre, conjugada à ausência das reservas de glicose necessárias para a excreção de toxinas no organismo do jovem norte-americano, provocou a sua morte – o jovem faleceu provavelmente no dia 18 de agosto do mesmo ano, dezenove dias antes de seu corpo ser encontrado por alasquianos. Chris carregava consigo um livro sobre fauna e flora locais, contudo, o escritor-jornalista esclarece que nenhum texto publicado evidenciava a presença de veneno em qualquer parte da batata silvestre – estas podem ser, entretanto, repositório de swainsonina ou algum composto tóxico similar.

Um dos últimos atos de McCandless foi capturar uma foto de si mesmo, de pé próximo ao ‘ônibus mágico’, segurando com uma das mãos seu bilhete final e erguendo a outra numa despedida corajosa. “TIVE UMA VIDA FELIZ E AGRADEÇO A DEUS. ADEUS E QUE DEUS ABENÇOE A TODOS!”, anunciou no pedaço de papel.

 

“Felicidade só é real quando compartilhada: integrantes da trajetória de Supertramp

Durante sua fuga, McCandless ou ‘Supertramp’ deixou impressões indeléveis na vida de várias pessoas, ainda que tenham passado uma semana ou duas em sua companhia. Das quais, destacam-se Jan Burres, Rainey, Tracy Tatro, Wayne Westerberg e, de forma singular, Ron Franz.

 

Jan e Rainey

Perto da cidade de Orick (Califórnia), McCandless pegou carona com Jan e Rainey, um casal de nômades que estava viajando pelo Oeste em uma van velha, vendendo bugigangas em feiras e mercados de troca. O rapaz acampou com eles em Orick Beach por uma semana e, próximo a Niland, ajudou-os com a venda de livros usados em uma enorme feira livre.

No livro de Krakauer, Jan afirma que pensou que “Alex” havia perdido a cabeça quando contou sobre sua ‘grande odisséia alasquiana’, mas supôs que ele sairia inteiro daquilo. “Achava que ele acabaria bem. Era esperto. Descobrira como descer de canoa até o México, como pegar carona escondido em trens de carga, como descolar uma cama nas cidades. Descobrira tudo isso por si mesmo e eu tinha certeza de que ia encontrar a solução para o Alasca também”, relata.

Tracy Tatro

Enquanto ajudava Jan e Rainey na feira livre das Lajes de Niland, McCandless conheceu Tracy, caracterizada por Jan no livro de Krakauer como “irremediavelmente apaixonada por Alex”. Cantora independente interpretada por Kristen Stewart – a atriz, ademais, co-escreveu algumas das canções entoadas no longa –, ela rodeia Chris com olhares unilaterais e entusiasmados em quase todas as cenas que integra. Apesar de rejeitar as intenções de Tracy, Jan esclarece em entrevista a Krakauer que o rapaz não era recluso, conversava e era simpático com todas as pessoas que chegavam ao mercado de trocas. “De vez em quando, precisava da sua solidão, mas não era um eremita (…). Às vezes penso que era como se estivesse armazenando companhia para os momentos em que sabia que não haveria ninguém por perto”, considera.

 

Wayne Westerberg

Em outubro de 1990, Chris passou por um bar solitário em Cartago, Dakota do Sul, onde conheceu Wayne Westerberg. Dono de um elevador de cereais, ele deu um emprego à McCandless e alugou-lhe um quarto barato em uma das duas casas que possuía. “Tenho dado emprego a um monte de caroneiros ao longo dos anos. (…) Alex foi o trabalhador mais tenaz que conheci. (…) E nunca largava as coisas pela metade. Se começava um serviço, ia até o fim. Era quase uma coisa moral para ele. Ele era o que você chamaria de ‘extremamente ético’ e se impunha padrões bastante elevados”, relatou Westerberg a Krakauer.

No final de novembro, longe de Cartago, McCandless declarou em um postal direcionado a Westerberg que havia decidido “levar esta vida por algum tempo. A liberdade e a beleza simples dela são boas demais para deixar passar”.

 

Ron Franz:

Em janeiro de 1992, próximo ao deserto de Anza-Borrego, McCandless conheceu Ron Franz, um senhor amigável que passou a maior parte de sua vida adulta no exército e, na véspera do ano de 1957, perdeu a esposa e o filho em um acidente de automóvel provocado por um motorista bêbado. De acordo com os dados compilados no livro-reportagem de Krakauer, para suavizar a solidão nos anos posteriores ao acidente, Franz começou a “adotar” não oficialmente meninos e meninas indigentes de Okinawa, pagando, inclusive, para que o mais velho frequentasse a escola de medicina em Filadélfia e para que outro estudasse o mesmo curso no Japão – seu filho se formaria em medicina no mês posterior ao acidente.

Artesão de couro, Franz ensinou os segredos da arte para Chris e o rapaz produziu como primeiro projeto um cinto de ouro gravado a ferro quente com imagens que ilustravam sua trajetória. Ao longo do artefato, vê-se representações de Dakota do Sul, passando pelo Rio Colorado, pelo Grand Canyon, o Golfo do México, a Montanha da Salvação, Slab City até “N” (Norte).

O best-seller de Krakauer revela que Ron Franz (nome-pseudônimo), depois de despedir-se de McCandless, guardou sua mobília e a maioria de seus pertences num armazém, comprou uma Duravan GMC e a equipou de beliches e apetrechos de camping, como sugerido pelo rapaz. Ele permaneceu no acampamento por mais de oito meses, esperando pacientemente pela volta de Alex.

 

por Camila Mazzotto
camila.mazzotto@usp.br

 

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