Jornalismo Júnior

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‘Manual do Mundo’: é possível fazer ciência de qualidade na internet

Premiado no Guinness World Records como o maior canal no YouTube de ciência e tecnologia em Língua Portuguesa do mundo, 'Manual do Mundo' é fundamental para a ciência brasileira

“A gente queria criar um portal em que as pessoas procurassem alguma coisa no Google e encontrassem o Manual do Mundo como se fosse, literalmente, um manual do mundo.”

Iberê Thenório, um dos criadores do Manual do Mundo

O canal do YouTube Manual do Mundo, idealizado pelo casal Iberê Thenório e Mariana Fulfaro, reúne, atualmente, cerca de 16 milhões de inscritos. Ele foi criado em 2008 e, com tantos anos de experiência, tornou-se o maior canal no YouTube de ciência e tecnologia na Língua Portuguesa, com seu nome escrito no Guinness Book em 2018.

Nesta reportagem, o Laboratório conta a trajetória do canal e analisa sua importância para a ciência no decorrer da sua história e para as gerações futuras. 

Thumbnail do vídeo “Draw my Life” do Iberê Thenório. [Imagem: Reprodução/YouTube]

Do melhor entre os desclassificados…

O vídeo Draw my Life, ou seja, “Desenhando a minha vida” em português, feito por Iberê em comemoração ao 1 milhão de inscritos do canal, narra um pouco da trajetória de quem se tornou um dos influenciadores mais importantes do Brasil. Ele cresceu entre as ferramentas do avô e do pai e, desde muito jovem, já tinha um “quê” de desbravador do conhecimento.

Em entrevista ao Laboratório, Iberê relata que algumas coisas o marcaram em sua juventude: “Primeiro, o jeito que meu pai me ensinava e me ensina até hoje. Ele sempre foi muito atencioso, ficava em cima de mim querendo me ensinar antes da escola e isso fez muita diferença. Tudo ele queria mostrar como funcionava e não me colocava muitos limites, sabe? Se eu queria desmontar alguma coisa, ele ia lá e desmontava comigo. Quando chegava na escola, eu já sabia e isso me ajudou muito”. 

Segundo ele, a TV Cultura também influenciou essa fase de sua vida. “Eu fiz parte de uma geração que assistiu Beakman, X-Tudo, O Professor, Ratimbum, era uma época em que a TV Cultura tinha bastante investimento e estava fazendo produções premiadas internacionalmente. Crescemos vendo esses programas e agora, nessa idade, a gente vê que não existe mais. Então, já que não existe, vamos fazer nós mesmos. Tanto que muita gente compara o Manual do Mundo com o Beakman, o que nos deixa bastante felizes. Se estamos cumprindo o papel de Beakman da geração atual, então acho que está dando certo.” 

A escolha da futura profissão — jornalismo —, também se deu por motivos relacionados à amplitude da área e o contato com assuntos e experiências diferentes e novas. Mas não foi fácil passar pela Fuvest, o vestibular próprio da Universidade de São Paulo. No vídeo, Iberê explica que, na sua época de vestibulando, quando tentou pela segunda vez entrar no curso de jornalismo, acabou em 53º de 52 vagas, “o primeiro dos desclassificados”. Ele ficou mal, mas continuou estudando e, no ano seguinte, conseguiu a tão sonhada vaga. 

Foi na faculdade que ele conheceu a Mariana e, juntos, tiveram a ideia de gravar vídeos e compartilhar o conhecimento deles com as outras pessoas. Iberê relembra como foi o começo desse projeto: “Eu e a Mari trabalhávamos há muito tempo lançando sites na internet. Trabalhei no lançamento do Globo Amazônia e da Revista Náutica, criamos um blog de terapia ocupacional para a Mari, já que ela é formada nessa área. Então, nós gostávamos muito de fazer isso, de entender como isso funciona, a gente tinha feito esses sites darem certo.

“O Manual do Mundo era mais um projeto nesse sentido. Numa época em que nem existia a busca por vídeos ensinando alguma coisa, a gente percebeu que ensinar em vídeo era uma coisa interessante. Não existia nada do que tem hoje, não tinha nem o joinha, era estrelinha. Não tinha canal, você usava ele como um repositório de vídeos para colocar no site.”

O primeiro vídeo do canal não tem falas e não mostra o Iberê nem a Mari, os quais seriam figuras admiradas por diversas gerações de brasileiros. 

Casal Mari e Iberê. Ambos são brancos, Mari veste camiseta branca com o logo do canal e Iberê veste camisa xadrez
Iberê e Mari [Imagem: Reprodução/Instagram @amarifulfaro]

Ao melhor dos melhores!

Após anos de evolução tecnológica, o Manual do Mundo tomou forma no YouTube, mas sem abandonar o site inicial. Mesmo se adaptando a diferentes plataformas como Twitter, Instagram, Facebook e TikTok, o trabalho sempre foi feito com muita apuração e rigidez quanto a veracidade e qualidade das informações transmitidas. 

Iberê ressalta: “O trabalho que faço hoje é muito parecido com o que eu fazia quando eu era jornalista. Tudo exigia muita pesquisa, muitos assuntos eu não conhecia e tinha que lidar do zero. Você vai sendo muito rígido consigo mesmo até chegar num ponto em que aquilo está confiável e você tem segurança de que pode publicar. No Manual do Mundo, a gente trabalha assim. Então, essa coisa de ter de pesquisar e ter muita responsabilidade com a informação é algo que fez diferença desde o começo, porque lá eu não entendia o que entendo hoje de química, física e tudo mais”.

Diferentemente do início do projeto, quando o conhecimento mais aprofundado vinha do que Iberê tinha estudado para o vestibular, agora, o Manual do Mundo conta com uma equipe de cerca de 30 pessoas, entre elas dois físicos com os quais Iberê tem suas dúvidas sanadas para dar lugar a muitas outras questões importantes. O Manual do Mundo atrai o público, não somente pela informação compartilhada, como também pelas diversas pautas escolhidas para os vídeos: o assunto que está em alta é priorizado, mas nunca deixando de lado trabalhos que demandam uma maior capacidade de produção. 

A realização de grandes projetos marcou a trajetória do Manual, sendo estes indicados por Iberê: “Primeiro, as viagens que a gente faz para o exterior ou mesmo no Brasil: visitamos plataforma de petróleo, entramos nas turbinas da Hidrelétrica de Itaipu, na Usina Nuclear de Angra. Todos lugares que eu sempre sonhei em visitar que você não pode ir como turista, você tem de arrumar um acesso que até mesmo para jornalista é muito difícil de conseguir. Então, essas oportunidades são sensacionais. E acho que a coisa mais marcante que fizemos, que eu nem chegava a ter tanta ambição, foi o submarino. Eu sempre gostei muito de construir essas coisas, mas o submarino foi um projeto que fugiu completamente do que a gente achou que um dia conseguiria fazer”.

Iberê dentro do submarino do Manual do Mundo, boiando na água
Submarino do Manual do Mundo. [Imagem: Divulgação/ Manual do Mundo]

Todos temos dúvidas cruéis

Se até o Iberê já teve, quem somos nós para não termos as tão temidas dúvidas cruéis? Elas podem ser das mais simples, como “por que o céu é azul?”, até as mais complexas, a exemplo de “como funciona um submarino?”. O Manual do Mundo tenta, ao máximo, saná-las. 

Iberê analisa: “Não adianta ‘chover no molhado’, ficar falando para quem já sabe, até porque é fácil falar para quem já sabe, é um público garantido. Mas não é essa a ideia. Queremos que as pessoas que não se interessam pelo assunto passem a se interessar e isso é difícil de fazer. Acho que é aí que podemos ajudar a escola. Nunca tivemos a pretensão de ser escola, de concorrer com a escola, muito pelo contrário, queremos ajudar. E como que a gente pode ajudar? Fazendo com que as pessoas se interessem pelo que vai ser ensinado. Se despertamos o interesse, para mim está suficiente.” 

Livro "Dúvida Cruel" do Manual do Mundo, com capa amarela e figuras coloridas
Livro Dúvida Cruel do Manual do Mundo. [Imagem: Reprodução/Instagram @amarifulfaro]

Karine Menoncin, jornalista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cujo Trabalho de Conclusão de Curso tratou da importância do Manual do Mundo na popularização da ciência por meio do interdiscurso, disse, em entrevista, um complemento e reafirmação da fala de Iberê: “A ciência está em absolutamente tudo, o tempo todo. A democratização do acesso ao conhecimento é muito importante para tornar as pessoas mais conscientes e capacitadas para cuidarem das suas próprias vidas e dos seus relacionamentos consigo mesmas e com as outras pessoas. Eu acredito que isso é muito importante especialmente numa época em que vemos tanta gente acreditando em informações disfarçadas de conhecimento, como as fake news”. 

Essa necessidade de aprender combinada com os vídeos do Manual do Mundo solucionam várias dúvidas cruéis e abrem muitas outras que virarão temas de futuros vídeos, mas cruel mesmo é não buscar uma forma de respondê-las!

Gif do Iberê em um vídeo do Manual do Mundo falando "vale aquele joinha ou não vale?"
GIF do Iberê falando a frase clássica da maioria dos vídeos: “Vale aquele joinha ou não vale?” [Imagem: Reprodução/YouTube]

Será que o Manual do Mundo merece mesmo o seu “joinha”?

Em seu trabalho, Karine analisa os discursos presentes em dez vídeos do Manual do Mundo, entre eles dois com enfoque publicitário. A teoria utilizada baseia-se na Análise de Discurso (AD), fundada por Michel Pêcheux. Com a orientação da jornalista, professora e doutora da UFRGS Thais Furtado, Karine identifica cinco tipos de discursos, sendo os mais presentes: o didático, de entretenimento e o jornalístico, colocando o científico e o publicitário em menores quantidades. 

“O didático é predominante no canal Manual do Mundo porque ele tem esse interesse de transmitir o conhecimento, mas o segundo mais presente é o do entretenimento. Então, faz muito sentido a gente ter dentro do YouTube, que é um espaço mais recreativo, esse canal com uma interdiscursividade tão valiosa: que fala de ciência, mas que tem uma pegada pelo que é divertido e leve. Assim, juntamos esse viés recreativo do YouTube com uma potência educacional”, comenta Karine. Mas por que o discurso científico aparece em menor quantidade? 

Na monografia, a jornalista explica que parte do discurso científico foi transformado em discurso didático pela simplificação e acrescenta: “Eu concordo com o uso do termo simplificação, porque é tornar mais palatável, mais simples. O problema é que temos uma visão dúbia a respeito da palavra ‘simples’, como se fosse algo pejorativo. Simples não é simplório. Toda a explicação científica está ali. Algumas pessoas muito apegadas à ciência tal qual ela é diriam que nesse processo se perdem algumas coisas. De fato, certos detalhes precisam ser deixados de lado para tornar a didática mais simples, mais direta para que pessoas de diversos públicos possam acessá-la. Mas isso não desvalida o mérito desse processo, porque fazer o simples é difícil”. O discurso é didático porque tem um intuito de ensinar, mas há também a presença do teor científico. Já o científico propriamente dito fala diretamente com os cientistas, um público restrito, utilizando os próprios termos da área. 

A palavra “interdiscursividade” é utilizada para mostrar a fluidez com que Iberê e Mari explicam assuntos considerados complexos, como os que envolvem física, química ou ambas as áreas. Além dessa maleabilidade na comunicação, Karine acrescenta a importância da proximidade que eles têm com os espectadores: “[Iberê e Mari] Trazem uma pessoalidade que é muito importante para a comunicação. É como se, ao longo do tempo, fôssemos assistindo os vídeos e nos afeiçoando. Não é mais o Iberê e a Mari, são dois amigos com quem a gente está trocando ideias sobre experiências. Então, isso não coloca os apresentadores num pedestal, como alguém intocável, e essa é a grande questão em relação ao porquê da ciência ser tão apartada da vida das pessoas. Quando se fala dos cientistas, se imagina uma pessoa isolada trabalhando dentro de um laboratório, que não conversa com o mundo lá fora e não é isso. Tudo o que se faz em pesquisa impacta a sociedade, então, precisamos ter essa relação mais próxima com a ciência”. 

A proximidade, os conteúdos acessíveis e interessantes e a linguagem simples impactam a audiência, sobretudo a infantil. Thais estuda a comunicação com o público infanto-juvenil e afirma: “O Manual do Mundo é interessante porque instiga, provoca as crianças, faz com que a linguagem seja super compreensível, mas ao mesmo tempo estimula a curiosidade, o interesse e o conhecimento do público infanto-juvenil”.

Por trazerem um conteúdo científico acessível, de forma simples, mas de difícil execução, muito planejamento e estudo, a importância do Manual do Mundo para a ciência vem não somente dos ótimos conteúdos, mas também em forma de influência para as gerações futuras. 

“[O que nos mantém nesse caminho por tanto tempo é] O contato com o público. Então, se você entra nos comentários e, poxa, às vezes a gente tem um esforço sobre-humano para fazer um vídeo, racha a cabeça e falam ‘pela primeira vez, eu consegui entender esse assunto’. Missão cumprida, se isso ajudou alguém de fato. Saber que a gente mudou a vida da pessoa de verdade é uma realização para a gente, que não foi só um entretenimento.”

Realmente, um ‘manual do mundo’

O Manual do Mundo mostra o por dentro, o realmente por dentro, o cotidiano e até como sobreviver ao fim do mundo

Para Iberê, o vídeo é uma das frentes disponíveis para trabalhar com esse dinamismo e didaticidade do Manual do Mundo. Após se consolidarem no YouTube, expandir os horizontes para o mundo literário foi o caminho escolhido.

“Nós começamos a ver que tinha muita coisa mais legal de ser ensinada em livro. Aí, lançamos o primeiro livro que é o 50 experimentos para fazer em casa e, a partir daí, tivemos ideias diferentes e fomos lançando livros novos. Alguns foram feitos aqui no Manual, outros nós licenciamos, o que é um trabalho muito legal também. Vemos um livro fora, falamos ‘esse livro seria muito legal de ter no Brasil’, aí a nossa editora, a Sextante, vê se dá para trazer para cá e eles chegam com o selo Manual do Mundo. Os livros da coleção ‘O Grande Livro’, que são o de Ciência, de História e, agora, o de Matemática, fazem parte desse movimento. Além disso, têm muitos produtos que têm a ver com ciência e com aprendizado que achamos que vale a pena criar: temos o jogo, que é o Sci-Truco em parceria com a Copag, alguns quebra-cabeças, as sandálias com a Grendene, que vêm numa caixa que deixa você fazer um experimento com ela”. 

A professora da UFRGS analisa essa iniciativa literária: “A criança passou a ter muita importância social porque se tornou consumidora e, por isso, são criados cada vez mais produtos direcionados para elas. Muitos youtubers começam com vídeos para depois lançar livros, quase um caminho contrário do que foi a trajetória do jornalismo infantil. Eu acho esse percurso interessante para mostrar que ler é importante.” 

Iberê e Mari no estúdio do Manual do Mundo, segurando ferramentas
Iberê e Mari. [Imagem: Reprodução/Instagram @amarifulfaro]

Desbravando o conhecimento para ter um mundo para conhecer

O Manual do Mundo, além de nos ajudar a conhecer o nosso mundo, também se preocupa com o futuro dele. Por meio de parcerias como a da Grendene que produziu uma sandália 100% reciclável, ele busca conscientizar o seu público da importância de cuidar do planeta, não somente do meio ambiente, usando o conhecimento. 

Saber da ciência presente no dia a dia permite ter autonomia sobre quais decisões tomar com relação a assuntos desde os mais banais, como qual shampoo comprar, aos mais sérios, como no caso da pandemia citado por Karine na entrevista. Isso não vale apenas para os adultos. Os jovens, principalmente os adolescentes e as crianças, estão em peso no público do canal e eles serão os adultos do futuro. 

Thais alerta: “O jornalismo não ouvir crianças e adolescentes é um erro básico porque está deixando de lado aqueles que serão os futuros leitores adultos. Por isso que as crianças têm mais interesse no YouTube, por essa linguagem mais simples e recreativa e por incluir mais as crianças do que o jornalismo. É preciso abordar tanto a ciência que desperta o interesse delas quanto qualquer outra temática que vai fazer parte das suas vidas.” 

O Manual do Mundo transmite conhecimento, de teor científico, de uma forma simples e que engloba todas as faixas etárias. Sua importância na ciência brasileira é notável, não por trazer “descobertas” ou termos científicos complexos, mas por desbravar o conhecimento e permitir que ele seja desbravado por muitos outros.

“No Manual do Mundo é isso: a cada vídeo que você assiste, você tem de ter ficado com alguma coisa; terminou de assistir o vídeo, se fosse um jogo de RPG, você teria saído com uma medalhinha ou uma poção, mas nunca zerado”.

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