Por Victória Guedes (victoria.guedes12@usp.br)
Com a reta final da Copa do Brasil se aproximando e a recente divulgação da premiação pela CBF, surge uma questão importante: por que existe tanta disparidade entre os valores destinados às equipes de futebol masculinas e femininas de um mesmo campeonato?

A premiação para clubes que chegam às quartas de final da competição masculina é mais de quatro vezes maior que a quantia destinada às campeãs da [Imagem: Reprodução/Instagram: @ge.globo]
No feminino e masculino, a competição já definiu as datas de suas semifinais, que acontecerão em novembro e dezembro respectivamente. Porém, a disparidade de valores nas premiações das duas modalidades na mesma fase chama atenção.
Entenda a divisão da premiação
A Copa do Brasil têm a maior premiação entre as competições nacionais e paga ao vencedor o dobro do que paga o Campeonato Brasileiro, estabelecendo uma recompensa que acontece por fases e é dividida entre grupos no masculino. O grupo 1 engloba todos os clubes de série A do Campeonato Brasileiro participantes da competição, o segundo grupo os clubes que disputam a série B e o grupo 3, os de série C, D e os demais participantes. Para 2025, a CBF estabeleceu um reajuste nas premiações devido à inflação sobre o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), imposto aplicado sobre as quantias distribuídas no torneio. Dessa forma, o aumento foi de 5% para o grupo 1, 4,9% para o grupo 2 e 5,39% para o terceiro grupo.
Já a Copa do Brasil Feminina têm 64 clubes participantes – divididos entre seis da Série A1, 16 da Série A2 e 32 da Série A3 do Campeonato Brasileiro – e, diferente da masculina, não usa a divisão entre grupos. A competição é dividida em sete fases, todas em mata-mata e jogo único, com vaga decidida nas penalidades máximas em caso de empate no tempo regulamentar.
O surpreendente é que a menor cota de premiação da competição para os times masculinos, destinada aos times classificados na primeira fase, se estabelece em R$830 mil , enquanto o finalista da competição entre times femininos arrecada apenas R$500 mil. A disparidade torna-se ainda mais evidente quando se entende que times sem divisão ganham mais na primeira fase da competição do que times femininos integrantes da série A lucram na fase final. Portanto, o campeão da Copa do Brasil masculina arrecada aproximadamente 73 vezes mais que o vencedor feminino, contabilizando a premiação pelo título, final e demais fases da competição.
Retorno com baixo investimento
A Copa do Brasil feminina de 2025 é a primeira em nove anos; antes disso, a última edição havia ocorrido em 2016, quando ainda havia a parceria entre os times do Audax e Corinthians feminino, que se sagraram campeões na ocasião. O fim da competição em 2016 teve grande impacto nas equipes femininas, já que houve uma redução na maior premiação em competições. Enquanto a CBF retirava uma grande verba do futebol feminino, a premiação masculina cresceu a cada ano e aumentou em aproximadamente R$50 milhões de 2016 até agora, número irrisório se comparado aos R$6,5 milhões destinados à competição feminina deste ano.
Confira a divisão da premiação da copa do brasil feminina de 2025:
- 1ª fase (cota de participação): R$ 25 mil (32 clubes);
- 2ª fase: R$ 35 mil (32 clubes);
- 3ª fase: R$ 40 mil (32 clubes);
- Oitavas de final: 50 mil (16 clubes);
- Quartas de final: R$ 60 mil (8 clubes);
- Semifinais: 70 mil (4 clubes);
- Final: 100 mil para campeão e vice (2 clubes);
- Vice-campeão: R$ 500 mil;
- Campeão: R$1 milhão.
A mesma discrepância de valores acontece também nos demais campeonatos. O Brasileirão, por exemplo, paga R$2 milhões para o campeão feminino e R$48 milhões para o masculino, uma diferença de R$46 milhões. Em entrevista ao Arquibancada, Bianca Anacleto — repórter do perfil e portal de notícias sobre futebol feminino Fut das Minas — destaca que diversos fatores influenciam diretamente na questão da premiação no futebol feminino, entre eles: a visibilidade na televisão, os direitos de transmissão e a escassez de patrocínios. Segundo Anacleto, a televisão é um dos principais entraves para a movimentação de dinheiro na modalidade, e a ausência de transmissões contribui para a disparidade milionária nas premiações. Para ela, “a CBF deveria aprender com a Federação Paulista”, que investe na busca por patrocinadores e garante a transmissão dos jogos, permitindo uma estrutura mais sólida e uma premiação menos desigual para as atletas e os clubes envolvidos.
Além disso, a volta da competição é uma grande vitória para o futebol feminino, já que a Copa do Brasil ajuda na competitividade do futebol brasileiro e na visibilidade das atletas de times menos conhecidos, atuando como uma vitrine que possibilita transferências para clubes maiores – outro ponto de lucro no futebol feminino. Como exemplo, recentemente o Palmeiras concretizou a venda da jogadora Amanda Gutierrez por R$5,87 milhões para o Boston Legacy nos Estados Unidos, estabelecendo a terceira maior venda do mundo e a maior do Brasil – entre times femininos.
Desafio em consumir o futebol feminino
“Acompanhar o futebol feminino no Brasil é um grande desafio. Porque não tem transmissão, não tem interesse, não tem patrocínio, não tem dinheiro, o que é uma grande bobagem. A CBF deveria enxergar o produto com mais carinho, porque o futebol feminino não é um favor.”
Bianca Anacleto
O consumo de futebol feminino ainda é baixo entre a população brasileira. Além da falta de interesse cultural historicamente enraizada, há também a dificuldade prática de acompanhar as competições: a maioria dos jogos não é transmitida na TV aberta, e a divulgação é mínima. Isso afasta potenciais espectadores que, muitas vezes, sequer sabem quando ou onde as partidas acontecem.
Mesmo diante dos desafios, o futebol feminino continua em expansão no Brasil. Segundo dados da Kantar Ibope Media, divulgados pela Agência Gov, a final do Campeonato Brasileiro de 2025 – que consagrou o Corinthians como campeão – alcançou mais de 200 mil telespectadores, quase o dobro do registrado no ano anterior. Outro dado positivo foi o aumento no número de transmissões: 11 emissoras transmitiram jogos da competição, em comparação às nove de 2024. Considerando apenas a Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP), o torneio registrou um crescimento de 41% no alcance, chegando a mais de 3,6 milhões de indivíduos — contra 2,7 milhões no ano passado. Esses números mostram que o futebol feminino vem conquistando cada vez mais espaço e audiência em todo o país.
Corinthians: um case de sucesso
Há ainda um longo caminho a ser percorrido até que exista uma premiação igualitária entre homens e mulheres no esporte. No entanto, já há exemplos claros de que o futebol feminino pode gerar resultados tão expressivos quanto — ou até mais — que o masculino. Um dos maiores exemplos disso são as Brabas, o time feminino do Corinthians, que domina as competições nacionais e internacionais. No Campeonato Brasileiro, elas conquistaram sete títulos, sendo seis consecutivos, e são as maiores campeãs da Libertadores Feminina, com cinco troféus entre os 13 conquistados por clubes brasileiros. Para Anacleto, o segredo do sucesso das Brabas está no projeto sólido desenvolvido desde o início. “O Corinthians é um case de sucesso”, afirma. Diferente de outros clubes, a equipe acreditou no futebol feminino desde o começo e foi impulsionada por figuras fundamentais, como Cris Gambaré -diretora do clube à época e atual diretora da Seleção Brasileira Feminina -e Arthur Elias, técnico que deixou o comando do time em 2024 para assumir a Seleção. Juntos, eles lideraram o Corinthians na conquista de 16 títulos.

Cris Gambare ajudou a estruturar e profissionalizar o futebol feminino do Corinthians desde o começo, criando uma base sólida para o sucesso do time [Imagem: Reprodução/Facebook: SC Corinthians Paulista]
O projeto do time feminino no clube, individualmente, começou oficialmente em 2018, em um momento em que muitos clubes sequer cogitavam criar um time feminino — algo que só se tornaria obrigatório em 2019 por determinação da Conmebol. Além do desempenho esportivo, o Corinthians se destacou pelo investimento em marketing digital, criando perfis específicos para as jogadoras e, em 2020, lançando a marca “Brabas do Timão”, que reforçou a identidade e deu visibilidade ao time. Esse investimento gerou credibilidade, fator essencial para atrair patrocinadores e consolidar o projeto. Outro diferencial do clube é a força da torcida. “O torcedor corinthiano torce pelo Corinthians em qualquer modalidade, em qualquer coisa”, ressalta Bianca Anacleto — e isso se reflete no apoio constante que as jogadoras recebem. Exemplo disso foi a renda adquirida na final do Campeonato Brasileiro deste ano, a maior no futebol feminino no país, que gerou R$1 milhão para os cofres do clube.
Ainda assim, apesar da clara hegemonia e empilhamento de títulos, a diferença nas premiações, não só externas mas também internas, seguem gritantes. Enquanto as jogadoras receberam cerca de R$120 mil cada uma, pela conquista da Libertadores Feminina, o jogador Memphis Depay, um dos principais nomes do elenco masculino, ganhou R$4,7 milhões pelo título do Paulista Masculino.
Caminhos para uma premiação igualitária no futebol
Os caminhos para atingir um futebol mais igualitário são muitos. Desde um maior investimento na base, visando um aumento de nível técnico, até um comprometimento das federações e clubes em políticas focadas em uma equiparação gradual, ações que ocorrem em outros países, como os Estados Unidos.
É importante que, além da premiação, haja uma estrutura igualitária entre homens e mulheres no esporte. Um exemplo disso são as competições da Conmebol disputadas no ano passado: duas semanas de jogos a cada dois dias em apenas dois estádios, fatos que contribuem para um péssimo gramado e consequentemente, graves lesões. Apesar da melhora para 2025, a organização segue recebendo críticas pela estrutura. Em coletiva após a estreia na Libertadores Feminina, Léo Mendes, treinador da Ferroviária, opinou sobre a estrutura oferecida pela Conmebol: “O campo de jogo poderia ser um pouco melhor: o gramado com partes cheias de areia, isso deixou o campo pesado, a bola quicando bastante. O outro estádio parece ser melhor. O vestiário achei pequeno, pela quantidade de atletas e comissão, ficamos espremidos.” Apesar disso, ele afirmou que a competição deu passos importantes e está em uma melhora crescente.
Outro desafio ainda enfrentado pelo futebol feminino é o da audiência. Persiste no imaginário popular a ideia de que a modalidade é menos interessante e menos rentável, reflexo direto da falta de atenção e investimento que o esporte recebeu ao longo dos anos. Essa percepção, porém, vem sendo desmentida por exemplos ao redor do mundo. Um dos mais recentes aconteceu na final da Champions League Feminina de 2025, entre Arsenal e Barcelona, realizada em Lisboa. Mesmo sem clubes portugueses em campo, o jogo atraiu mais de 30 mil torcedores ao estádio, movimentando o turismo e a economia local. O sucesso da partida mostra que o futebol feminino gera, sim, renda — e que o argumento de que “não dá lucro” já não se sustenta.

Além da temporada de 2024/25, o time feminino do Arsenal também levantou a taça da Champions League em 2007 [Imagem: Reprodução/Instagram: @arsenalwfc]
Copa do Mundo Feminina em 2027
Há um entusiasmo crescente no cenário brasileiro com o anúncio da Copa do Mundo Feminina de 2027, que será realizada no Brasil. A expectativa é de que o torneio sirva como um marco de transformação para a modalidade, ampliando o público e consolidando o futebol feminino no país. O exemplo mais próximo vem da Austrália, sede da Copa de 2023, que alcançou números históricos de audiência — o duelo entre Austrália e França foi o evento esportivo mais assistido do país desde as Olimpíadas de Sydney, em 2000. Até hoje, o país colhe os frutos daquele sucesso, com aumento de investimento, público e visibilidade para as jogadoras. “Torço para que isso também aconteça no Brasil, que esse seja o nosso legado de Copa do Mundo”, afirma Anacleto, esperançosa de que o torneio impulsione uma nova era para o futebol feminino brasileiro.

A copa de 2027 será a primeira Copa do Mundo feminina sediada na América do Sul [Imagem: Reprodução/Gov.br]
O torneio representa uma oportunidade histórica de ampliar a visibilidade da modalidade e de consolidar o espaço das mulheres dentro do esporte mais popular do mundo. A expectativa é que o evento movimente investimentos, atraia novos patrocinadores e desperte o interesse de um público cada vez maior. Mais do que isso, a Copa pode inspirar uma nova geração de torcedores e torcedoras, que crescerá com maior acesso, identificação e valorização do futebol feminino — não apenas como um jogo, mas como parte fundamental da cultura esportiva brasileira.
“Acho que essa nova geração que está se formando no consumo de esportes, tende a ser uma geração que comemore mais a vitória das mulheres em campo”, finalizou Bianca Anacleto.
