Para bolsistas, o vestibular é só o primeiro dos desafios: conheça a luta por permanência de estudantes de faculdades particulares de São Paulo.
Por Beatriz Gomes (beatrizgomesf9@gmail.com) e Camila Mazzotto (camila.mazzotto@usp.br)
Uma série de desafios é, também, prenúncio do que costuma suceder o vestibular. Permanecer na universidade é um deles. Para tanto, a disponibilização de recursos e mecanismos direcionados à permanência dos alunos no Ensino Superior mostra-se tão importante quanto o direito de ingresso.
Procurando entender demandas, aspectos sociais, econômicos e individuais de estudantes da educação superior privada na cidade de São Paulo, a J.Press conversou com alunos bolsistas da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Os desafios que protagonizam o cotidiano dos alunos prounistas
Dentre as modalidades de bolsas para ingresso nos cursos de graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, estão a Bolsa Mérito, que visa conceder bolsas integrais aos alunos classificados em primeiro e segundo lugar no Vestibular de Verão, no Campus Higienópolis da Universidade Presbiteriana Mackenzie; o ProUni, o Programa Universidade para Todos, do governo federal, que concede bolsas em instituições privadas para alunos de baixa renda, e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) – também do governo federal, financia a graduação de estudantes que não possuem condições de arcar com os custos de sua formação.
Referente à permanência dos estudantes na Universidade, há o Setor de Permanência Mackenzie (SPM), departamento que “acolhe, ouve, aconselha e direciona as necessidades dos alunos” da instituição. Encontra-se a informação, no Portal Mackenzie, de que o setor também trabalha com o objetivo de “oferecer outros serviços para melhor assistência seja de cunho administrativo ou emocional [dos alunos]”. Entretanto, na tentativa de obter auxílio financeiro quando se encontrava desempregada em um semestre da faculdade, Francielle Soares, graduanda do 7º semestre do curso de Engenharia Civil da Universidade, recorreu ao departamento e obteve a seguinte resposta: “não temos política de permanência”.
“Não me chamaram para conversar, nem houve suporte emocional. Ninguém quis marcar comigo para dizer “olha, não temos mesmo como te oferecer permanência, mas tem essas opções para sua carreira, repense, veja se não dá para você fazer meio semestre agora, meio no próximo semestre e conseguir ficar menos tempo fora de casa e, consequentemente, não ter de desembolsar dinheiro com comida”. Não falaram nada”, revela a estudante.
Francielle, bolsista ProUni, explica que, como aluna de um curso de período integral, tem aulas de manhã e à tarde durante os três primeiros anos da graduação, o que dificulta, também, o engajamento em um programa de estágio nesse intervalo de tempo, por exemplo. “Não existe nenhum programa de permanência no Mackenzie voltado aos prounistas”, reitera.
Em 2016, o Ministério da Educação (MEC) suspendeu novas inscrições para o Programa de Bolsa Permanência (PBP), instituído em 2013 com a finalidade de viabilizar a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade econômica em cursos de graduação presencial. Atualmente, novas inscrições para estudantes indígenas e quilombolas continuam a ser realizadas e ainda não há previsão para a manutenção das inscrições dos estudantes de baixa renda. A Bolsa Permanência destina-se a estudantes com bolsa integral em utilização do Prouni, matriculados em cursos presenciais com no mínimo 6 semestres de duração e cuja carga horária média seja igual ou superior a 6 horas diárias de aula, no valor mensal de R$ 400,00.
Segundo Francielle, alguns livros da autoria de professores da Universidade são usados como material obrigatório, sem o qual o aluno não pode participar das respectivas disciplinas. Os livros devem ser comprados, entretanto, em uma única livraria, a preços muito elevados. “No meu primeiro semestre gastei mais de quinhentos reais com material e em momento algum houve uma preocupação do Setor de Bolsas em relação às condições socioeconômicas de um bolsista para comprar aqueles materiais”, revela. Ela defende que os bolsistas da instituição dos cursos que demandam materiais, como Engenharias – desenho técnico e apostilas de editoras – e Arquitetura, deveriam tê-los disponibilizados a preço de custo ou gratuitamente.
A estudante também observa que, frequentemente, muitos alunos bolsistas deixam de ir às aulas por falhas nos seus cartões de passagem que são solucionadas cerca de uma semana depois da solicitação ao setor de bilhete único da Universidade. “Um aluno que mora no município de Guarulhos, por exemplo, pode chegar a gastar cem reais por semana de aula em uma situação como essa”, completa. Além disso, Francielle destaca que a recepção de ingressantes é feita de acordo com o calendário do vestibular tradicional, desalinhado com o calendário do ProUni, o que prejudica a introdução dos ingressantes via ProUni na Universidade – estes ingressam, inicialmente, sem nenhuma referência por parte dos alunos veteranos acerca do funcionamento da instituição.
Rede de comunicação entre os prounistas
Na tentativa de estabelecer um diálogo entre a Universidade e as demandas dos alunos bolsistas, Francielle e alguns colegas fundaram um coletivo de alunos prounistas da instituição. As reuniões presenciais, entretanto, perduraram por poucos meses e, atualmente, os membros se comunicam por meio de um grupo do Facebook.
“Dois fatores foram muito importantes para a desarticulação do grupo e são, na minha opinião, exatamente os pontos que trazem à organização de prounistas um caráter mais fiel à realidade do brasileiro do que de outras organizações de estudantes de universidades públicas: o primeiro é que todos nós trabalhamos, seja estágio, CLT, freela, bico, negócio próprio”, conta. Ela ainda ressalta a importância do rendimento acadêmico, pois, em etapas de alguns cursos, uma matéria reprovada é suficiente para ter de explicar ao Setor de Bolsas o porquê do baixo rendimento e correr o risco de perdê-la.
A graduanda defende a noção de que a Universidade poderia oferecer aos alunos de período integral uma bolsa de valor simbólico, a ser suspendida quando estes conseguissem estágio. “O controle seria fácil, já que todos nossos contratos de estágio têm que passar pelo Mackenzie”, acredita. Ela considera que, como a instituição não apresenta restaurante universitário, o valor dessa bolsa poderia ajudar na permanência dos alunos na faculdade, uma vez que “os Centros Acadêmicos da Universidade não são representativos e, quando muito, têm dois microondas para cursos de quatro mil alunos”.
Para Francielle, a Universidade Presbiteriana Mackenzie só adere ao ProUni para “dizer ter responsabilidade social”. “Há muito tempo nós, alunos, viramos clientes”, completa.
Tentativas de articulação social na PUC-SP
Para o ingresso nos cursos de graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), existem 5 modalidades de bolsas , sendo via ProUni (Programa Universidade para Todos) – as vagas são determinadas pelo MEC, por curso e turno, com base em 1 bolsa para cada 09 estudantes pagantes –, via Fundasp (Fundação São Paulo) – bolsas de estudos integrais ou parciais concedidas aos graduandos de baixa renda da PUC-SP – , via bolsa mérito acadêmico – uma bolsa de estudos integral (100%) ao 1º classificado no Vestibular Unificado de Verão em cada um dos seis campi da universidade no estado e uma bolsa de estudo parcial (50%) ao melhor classificado em cada curso, egresso de escola pública –, via Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e via crédito universitário Bradesco.
Quanto às políticas de permanência aos estudantes da Universidade, destaca-se o papel do PAC – Setor de Atendimento Comunitário, pertencente à Pró-reitoria de Cultura e Relações Comunitárias – PROCRC, dos coletivos estudantis e dos Centros Acadêmicos, que atuam em conjunto promovendo oficinas de português, atendimento psicopedagógico, curso de inglês para bolsistas e atendimento sociocomunitário.
Letícia Múrias, 19 anos, e Michel Noberto, 20 anos, ingressaram no curso de Direito da PUC-SP no 1º semestre de 2017 via ProUni. “Acho importante que o estudante bolsista usufrua de todos os direitos e garantias propostos dentro da Universidade”, considera Michel. Ambos os estudantes são membros do coletivo ProUni-SE! (Projeto Universitário de Suporte ao Estudante de Baixa Renda), grupo organizado em 2011 pelos estudantes da instituição que tem como objetivo ampliar as políticas assistencialistas na universidade e adequá-las às necessidades de cada curso, como as aulas de inglês gratuitas dirigidas aos alunos bolsistas, por exemplo.
Para concorrer às vagas disponibilizadas para o Curso de Inglês para Bolsistas (CIB), projeto realizado em parceria entre o coletivo estudantil ProUni-SE!, o departamento de inglês e o Setor de Atendimento Comunitário (PAC), o estudante deve ser aluno bolsista Prouni (100%) ou Fundasp (100%), e estar regularmente matriculado nos cursos de graduação da PUC-SP, além de comprovar renda per capita de até um salário mínimo e meio e ter disponibilidade para frequentar as aulas nos dias e horários pré-estabelecidos pelo edital.
O estudante Michel participa das aulas do CIB e o vê como uma ótima oportunidade para o aperfeiçoamento do idioma, mas pontua algumas problemáticas referentes ao curso. “Creio que é essencial uma flexibilidade em relação ao horário das aulas ministradas, como também a ampliação das turmas e do acesso à modalidade “avançada” da língua”, considera. Para o 1º semestre de 2017, foram ofertadas 45 vagas do curso, sendo 15 para cada modalidade – básico, intermediário e pós-intermediário.
Procurando entender as demandas dos estudantes de baixa renda da universidade quanto ao Curso de Inglês para Bolsistas (CIB), o coletivo ProUni-se! investiu, no início do mês de setembro de 2017, em uma coleta de dados concretos a partir de um formulário virtual. Dentre os pontos levantados por este, estão sugestões de melhorias em relação ao curso, bem como sobre medidas dirigidas ao aumento de sua acessibilidade, como demanda em relação à oferta, horário, local, data, docência, didática e material ofertado ou a falta deste. A pesquisa propõe a abertura de um diálogo com a Reitoria da PUC-SP quanto às necessidades e dificuldades dos alunos bolsistas.
Auxílio-Alimentação e Bolsa-Xerox
O Subsídio-Alimentação, benefício que concede a realização de 1 refeição diária, almoço ou jantar, aos alunos de graduação bolsistas ProUni ou FUNDASP 100% da PUC-SP, é ofertado pelo PAC e determina que a refeição pode ser consumida de segunda à sábado, sendo servido apenas o almoço aos sábados, nos campi. Filipe Gomes, 23 anos, aluno do 5º ano do curso de Direito da PUC-SP, acredita que, apesar de ajudá-lo, o programa bolsa-alimentação deveria ser revisto, prevendo a possibilidade do aluno realizar mais de uma refeição diária, pelo menos para aqueles que fazem o curso no período integral.
O estudante faz parte do Bandejão Organizado – Frente Independente de Bolsistas da PUC-SP, coletivo destinado à luta por melhores condições dos estudantes bolsistas ProUni da instituição. No dia 15 de agosto de 2017, o Coletivo promoveu a organização da mesa “Classe, Raça e Gênero: ser bolsista na PUC-SP“, com o objetivo de debater a condição dos bolsistas na Universidade.
Para Letícia Múrias, o benefício da Bolsa-Alimentação exerce grande influência sobre a permanência dela nas atividades de extensão da Universidade. “Ele garante a minha presença em cursos de extensão, no estágio voluntário na Assistência Jurídica, na execução das atividades do Coletivo ProUni-SE! e nos outros espaços físicos da Universidade, como, por exemplo, a biblioteca”, completa. Michel Noberto, por sua vez, reitera a importância do programa para os estudantes que moram longe da instituição. “Eu, por exemplo, moro muito distante da PUC-SP, levo cerca de 2 horas apenas para ir e o mesmo para voltar. Com esse auxílio, consigo me manter por mais tempo nela”, comenta.
O Coletivo ProUni-SE! considera que é preciso atentar-se para as especificidades de cada curso quanto à ampliação do número de refeições concedido pelo programa, defendendo que, no caso dos estudantes de cursos integrais, por exemplo, uma refeição diária é insuficiente. O grupo propõe que, ao invés dos alunos receberem uma refeição diária de segunda a sábado, a quantia fosse convertida em cotas. Ou seja, em um mês com 28 dias, sem feriados ou recessos e descontados os domingos, seriam concedidas 24 cotas para o gasto preferencial do estudante. A ideia é que o aluno consiga usar a cota do sábado e dos dias sem uso para a realização de duas refeições em outros dias, conforme sua programação específica. Letícia e Michel reiteram que, antes da adoção da medida, é necessário realizar um informativo-explicativo sobre o funcionamento e a melhor forma para que o estudante se organize.
A bolsa-xerox, benefício que viabiliza a gratuidade de um determinado número de cópias mensais aos alunos bolsistas, integra as pautas da gestão de alguns centros acadêmicos da PUC-SP. O Centro Acadêmico 22 de Agosto, entidade que representa os estudantes da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), por exemplo, fornece 200 cópias mensais para os estudantes de graduação bolsistas do curso de Direito da instituição. Letícia e Michel são beneficiados pela bolsa-xerox e, para este último, o programa atende satisfatoriamente às demandas de atividades desenvolvidas em sala de aula, além de contribuir para a economia de gastos e permitir que o estudante invista em outras carências, como a compra de livros, por exemplo. Filipe Gomes destaca, entretanto, que o benefício ainda é insuficiente para suprir as necessidades dos alunos bolsistas e que o mesmo deveria ser responsabilidade da Universidade, de forma que os alunos de todos os cursos da instituição fossem beneficiados.
Apesar de analisarem os programas de assistência aos estudantes de baixa renda na PUC-SP como reveladores do avanço das políticas de permanência no campus da Universidade, Letícia, Michel e Filipe acreditam que a oferta destes não é suficiente. “São necessárias outras formas de subvenção além do oferecimento de bolsa-alimentação, como auxílio-moradia, auxílio financeiro e bolsas-xerox para todos os alunos bolsistas da instituição”, pontua Filipe.
Os estudantes acreditam que a articulação do aluno bolsista em coletivos que se destinam a promover a sua permanência na universidade é fundamental, pois viabiliza a construção de pautas a serem destinadas ao diálogo com a Reitoria e outros responsáveis pela instituição. De acordo com Letícia, a Reitoria da PUC-SP tem organizado reuniões periódicas com os estudantes prounistas para entender as demandas destes na Universidade e criar e/ou ampliar projetos na instituição.
“Para mim, a existência e funcionamento dos coletivos é de fundamental importância, uma vez que faltam políticas de permanência estudantil para os bolsistas não somente na PUC-SP, mas também em outras universidades, o que revela que o mero ingresso na universidade não é suficiente”, considera Filipe.