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Especial: Greve Geral

Por Giovana Oshiro (goshiros@gmail.com) Em 27 de maio de 2014, professores, funcionários e estudantes da Universidade de São Paulo declararam greve geral. Na Unicamp e em parte da UNESP, as três categorias já haviam decidido por paralisar as suas atividades na semana anterior. Uma greve que abrangesse professores e funcionários não acontecia na USP e …

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Por Giovana Oshiro (goshiros@gmail.com)

Em 27 de maio de 2014, professores, funcionários e estudantes da Universidade de São Paulo declararam greve geral. Na Unicamp e em parte da UNESP, as três categorias já haviam decidido por paralisar as suas atividades na semana anterior. Uma greve que abrangesse professores e funcionários não acontecia na USP e na Unicamp desde 2009.

Universidades estão em greve há mais de um mês. Imagem: divulgação

As três universidades protestam em oposição à proposta do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo (Cruesp) de congelamento de salários de docentes e servidores neste ano. Segundo o Cruesp, conselho que reúne os dirigentes das três escolas, o reajuste zero foi decidido pelo alto comprometimento das receitas com salários diante do atual cenário de crise financeira no qual se encontram as instituições, principalmente a USP. A greve, que hoje atinge cerca de 80% dos trabalhadores, se prolonga há mais de um mês e não há previsão de negociações até setembro, de acordo com o Cruesp.

A Crise

A crise financeira foi oficialmente colocada a público no final de abril deste ano, quando o recém-empossado reitor da USP, Marco Antônio Zago, em comunicado em tom de alarde direcionado à comunidade acadêmica, divulgou números do orçamento e anunciou o corte de gastos. “A primeira condição para superar essa difícil conjuntura é compartilhar as informações e não esconder a gravidade da situação”, afirmou Zago em carta.

A conjuntura de crise, contudo, não foi novidade para a comunidade uspiana. Desde o início do ano letivo, em fevereiro de 2014, os estudantes têm sido afetados com o corte de bolsas de extensão, pesquisa e intercâmbio, materializando o espectro que rondava a cidade universitária.

O comunicado de Zago expôs que, entre 2012 e o final de 2013, houve uma queda de cerca de 21% na reserva orçamentária da instituição. Em 2012, o orçamento equivalia a R$3,23 bilhões. Porém, no final de 2013, a reserva havia baixado para R$2,56 bilhões e a tendência é de que a diminuição continue em queda progressiva. A saída encontrada pela reitoria, escreve o reitor, foi recorrer a “duras medidas”: a suspensão, por tempo indeterminado, de contratações de pessoal e de construções dos novos prédios.

No documento, Zago sugere que a principal causa do contínuo rombo financeiro tange aos gastos com pessoal. Segundo ele, os funcionários técnicos administrativos e outros trabalhadores da universidade absorvem mais de 100% do orçamento.

Quanto a compra de terrenos em várias partes da cidade para a construção de obras faraônicas que não condizem com as reais demandas da comunidade universitária, Zago apenas afirma que “isso não está na raiz dos nossos problemas”. O alto montante gasto com a elevada quantidade de débitos deixados pela polêmica gestão de João Grandino Rodas, reitor da USP de 2010 a 2014, também não foi pontuado em sua carta.

O arrocho salarial

A suspensão de contratações não foi o único problema que sobrou para os trabalhadores. Em maio, no mês de negociação entre o Cruesp e o Fórum das Seis – a entidade que agrega as representações dos sindicatos de docentes e trabalhadores das três estaduais paulistas -, foi oferecido 0% de reajuste e anunciada a política de congelamento. A consequência disso foi o estado de arrocho salarial aos servidores e professores: com o a aumento da inflação e o reajuste de 0%, o valor real dos salários sofreu uma redução.

“O reajuste zero foi uma surpresa. Esperávamos que pelo menos cobrissem a inflação dos últimos doze meses”, afirmou o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), Magno de Carvalho, em entrevista ao Portal R7.

A medida foi rechaçada pelos trabalhadores que, descontentes diante do cenário, votaram pela greve – um direito válido e assegurado pela Constituição Federal no artigo 9º.

Em assembleia, funcionários da USP decidem por greve. Foto: Ana Luisa Tieghi/Jornal do Campus

Segundo o Fórum das Seis, a obscuridade do livro de contas das instituições não permite confiar nas palavras do reitor. Em sessão do Tribunal de Contas de São Paulo, a prestação da USP foi rejeitada devido a diversas irregularidades. O Fórum alega não saber até que ponto as informações fornecidas pela nota de Zago são verídicas. Eles questionam os números apresentados pelo Cruesp e acusam as reitorias de pagamento de supersalários a determinados cargos. Valério Paiva, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU), em entrevista ao Terra, afirma que os números do ICMS divulgados pelo Cruesp não são a única fonte de renda das universidades. “Apesar do discurso da reitoria de falta de dinheiro, há uma reserva financeira de R$ 2 bilhões”, complementa Magno.

Ainda assim, mesmo que as informações se comprovem verídicas, não são os trabalhadores ou mesmo os estudantes que devem pagar pela má gestão da reitoria, como está sendo feito. “Tudo isso”, declara Neli Wada, associada do Sintusp e diretora do sindicato até 2012, “nos levou a refletir que precisávamos lutar”.

O que pedem os docentes e servidores

O Fórum das Seis, em pauta unificada de reivindicações, pede um aumento de 9,78% e a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução de salário. Para além dessas questões, outros pontos são contemplados.

A permanência estudantil é um deles. A respeito disso, Neli Wada comenta que “eles acham que já estão fazendo muita coisa. Sendo que a UNESP praticamente não tem moradia. E aqui na USP a gente vê a necessidade que os estudantes tem; a bolsa-trabalho também foi cortada diante dessa crise financeira”. Eles exigem uma assistência estudantil eficiente e qualificada que ofereça moradia e restaurantes universitários em todos os campi, além da concessão de bolsas que garanta a permanência do estudante durante seu período de estudos.

Funcionários da USP em greve fazem ato em frente ao novo prédio da reitoria na Cidade Universitária. Foto: Folha de São Paulo

Outra pauta levantada pelos sindicatos abrange os hospitais universitários; o HU da USP aderiu à greve pela primeira vez em 19 anos. Segundo Wada, nos últimos anos, esses hospitais têm passado por um processo intenso de sucateamento e de autarquização, em que são devolvidos à secretaria de saúde do estado de São Paulo e passam a ser administrados pelas fundações, como já aconteceu com o HU da UNESP. Também é reivindicada a contratação imediata de trabalhadores: há falta de médicos e de outros profissionais. “Os hospitais viraram máquinas de moer carnes: pessoas fazem 3 turnos seguidos por falta de funcionários”, explicada Wada. Ela comenta que há um descaso enorme em relação aos hospitais: falta materiais básicos, equipamentos e leitos. “Nós tivemos um raio X que ficou 6 meses quebrado; aparelho de ultrasonografia, mais de 2 anos sem”.

E o que os estudantes têm a ver com isso?

A crise orçamentária da USP não atingiu apenas os servidores e docentes. Os estudantes também estão sentindo na pele as consequências do corte de gastos. Segundo informações do Sintusp, todas as faculdades da USP sofrerão um corte de 30% em seu orçamento. Os projetos de extensão e entidades estudantis têm sofrido com isso desde o início do ano. A pró-reitoria cessou a concessão de verbas para a realização de eventos promovidos por agências juniores e para a sustentação de projetos de extensão, que não possuem qualquer forma de lucrar.

Apesar de a reitoria afirmar que não houve cortes em relação às bolsas-permanência, os alunos de baixa renda acabaram sofrendo de uma forma ou de outra o impacto da redução dos gastos. Neste ano não houve oferecimento de bolsas tutoria e aquelas destinadas ao “Aprender com Cultura e Extensão”, concedidas pela Superintendência de Assistência Social da USP (SAS), foram limitadíssimas. Os quatrocentos reais que esses programas oferecem fizeram falta aos alunos mais necessitados que não conseguem se sustentar apenas com a bolsa moradia.

Por que estamos de greve? Imagem: WES NUNES/reprodução cegeusp.milharal.org

O que pedem os estudantes

Diante desse cenário, os estudantes das três estaduais, em assembleias gerais, também deliberaram por greve. Eles manifestam apoio total às reivindicações dos professores e trabalhadores e apresentam pautas próprias e unificadas, desligadas daquelas propostas pelo Fórum das Seis.

O eixo prioritário escolhido pelos estudantes é o programa de cotas raciais e socias. Atualmente, a única universidade, dentre as três, que aderiu ao sistema de cotas foi a UNESP. Ela, diferentemente das outras duas, adota em seu vestibular a reserva de vagas para alunos de escolas públicas, negros e indígenas. A USP e a Unicamp ainda resistem; elas oferecem bônus na pontuação de candidatos por meio de programas sociais. Até o vestibular de 2013, o sistema de acréscimo de pontuação era restrito a vestibulandos de escolas públicas. Para a edição do processo seletivo de 2014, a Universidade de São Paulo aprovou o bônus para aqueles que se declaram pretos, pardos ou indígenas e que tenham cursado toda a sua vida escolar em rede pública.

Cotas raciais e sociais são temas frequentes nas reivindicações. Foto: Agência Brasil

Os estudantes também exigem a solução imediata da crise na Escola de Artes Ciências e Humanidades da USP (EACH), segundo o lema “0% só de contaminação”. O campus da EACH, localizado na zona leste da cidade de São Paulo, vem sofrendo nas mãos da reitoria por um progressivo sucateamento: ainda no ano passado foi descoberta uma contaminação do solo da universidade e o campus foi interditado pela Justiça por insalubridade. Os alunos ficaram sem aulas até o começo de abril, mais de um mês depois do início do ano letivo no campus do Butantã e nas outras unidades da USP, quando foram distribuídos em pontos diversos da cidade, como a Faculdade de Tecnologia (Fatec) e a Univerdade Cidade de São Paulo (Unicid).

Os outros eixos unificadores da greve dos estudantes da USP, UNESP e Unicamp de 2014 referem-se à permanência estudantil, ao fim de todos os processos contra estudantes e trabalhadores e à defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade.

“Nós não vamos pagar nada”

Frente à crise financeira, os meios de comunicação sugeriram como solução do problema a cobrança da mensalidade.

“No primeiro dia da greve, o reitor, o professor Zago, serve um jantar para A Folha de São Paulo e começa a articular para que essa crise financeira vá para a mídia. E aí a Folha chega inclusive a anunciar ‘universidade paga’. Então você anuncia a crise e diz o seguinte: a solução é universidade paga, demissão de funcionários”, comenta Neli Wada.

Ela se refere ao editorial publicado pela Folha de São Paulo em sê expõe um pedido ao novo reitor da USP para colocar em debate a cobrança de mensalidades na universidade, sugerindo cobrá-las de todos e “criar programas de bolsas e empréstimos para os alunos que não tenham condições de pagar”. O jornal alega, para que o seu pedido seja aceito, que 6 a cada 10 estudantes da USP poderiam pagar mensalidades.

Os alunos, docentes e trabalhadores, articulados em torno da greve, porém, responderam, em alto tom, “Folha! Nós não vamos pagar nada!”.

Como salienta o Diretório Central dos Estudantes da USP (DCE), é absurda a ideia de que os alunos paguem pela má gestão da universidade. A cobrança de mensalidades, além de insinuar por entrelinhas uma possível privatização, invalida todo o esforço por democratização do acesso ao ensino superior – já extremamente restrito.

A Universidade de São Paulo, pontuada como uma das melhores da América Latina, é um sonho distante para um enorme contingente da população e uma ideia abstrata e até inimaginável e desconhecida para mais pessoas ainda. A USP possui cursos extremamente concorridos, as maiores notas de corte no vestibular e uma prova de seleção conhecida por ser difícil e absurdamente desproporcional à qualidade do ensino básico que é oferecido no país. A maioria esmagadora dos aprovados frequentaram escolas particulares e bons cursos pré-vestibular. A universidade encontra-se, hoje, assim, imersa na elitização. São poucos os pretos e pobres que conseguem ter acesso a ela.

Há anos, contudo, tem havido esforços para que essa situação se altere de alguma forma. A lei de cotas, o sistema de pontuação acrescida, a permanência estudantil e os restaurantes universitários são vitórias conquistadas após anos de intensas lutas e muita pressão. A cobrança de mensalidades se mostra como um retrocesso e um fator que desvalidaria tudo o que já foi feito até aqui. “Isso não passa de uma proposta de elitização de uma universidade já elitizada! Assim, os muros da USP aumentam e, cada vez mais, ela se fecha a um seleto grupo de pessoas, perdendo gradativamente seu caráter público”, declarou o DCE da USP a respeito da proposta do jornal.

Esses últimos acontecimentos mudaram sutilmente os rumos da greve. Ao lado da pauta principal ‘contra o arrocho salarial’ que deu início à toda a mobilização, a defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade colocou-se também como um eixo prioritário que unifica as três categorias das três universidades paulistas. “Se não lutar, a gente vai ficar com uma universidade paga”, finaliza e suplica Wada.

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