Por Gabriel Lellis e Júlia Pellizon
g.lellis.ac@gmail.com e juliapellizon@gmail.com
Polêmico, intenso e controverso. Esses são os adjetivos que melhor descrevem o diretor dinamarquês Lars von Trier, criador de obras marcantes no mundo do cinema capazes de despertar sentimentos ambíguos tanto no espectador comum quanto na crítica especializada.
Não apenas sua estética refinada ou suas peculiaridades de roteiro e direção despertam interesse no mundo cinéfilo, mas também sua conturbada vida pessoal acaba ofuscando os holofotes de sua arte.
Em 2011 Lars foi banido do festival de Cannes após uma duvidosa declaração sobre o Holocausto: “Eu entendo Hitler, embora saiba que fez coisas erradas. Sei disso. Só estou dizendo que entendo o homem, não é o que chamaríamos de um bom homem, mas simpatizo um pouco com ele”. Dois anos depois, mesmo ainda carregando a herança de persona non grata, voltou a ser aceito no festival.
Sua carreira começou em 1977 com a produção de curtas. Dez anos após sua estreia, produziu, em parceria com um canal de TV, uma elogiada versão da tragédia grega Medéia (http://youtu.be/9jm_mmfxpNI).
Mas foi em 2003 que a Lars ganhou a devida projeção internacional com o clássico Dogville (idem). Estrelado por Nicole Kidman, o filme conta a história de Grace: uma garota caçada por gângster que se refugia na cidade de Dogville. Os moradores começam a exigir favores em troca de proteção, tornando a vida da protagonista insuportável.
O filme inova usando referências do teatro de Bertold Brecht e ao gênero de Teatro do Absurdo. Considerado uma antítese do bom selvagem de Rousseau, foi duramente criticado nos EUA por ser considerado “antiamericano”.
Foi com Dogville que Lars colocou em prática as teses do Dogma 95: um manifesto produzido em parceria com um amigo, publicado em 1995, opondo-se a um cinema mais comercial em busca do realismo. As características mais marcantes neste dogma, seguindo uma série de regras criadas, são principalmente instituídas aos diretores. Não alterar a cena – seja criando um cenário, usando filtros ou iluminação – e filmar com a câmera na mão são pontos principais desse movimento. Hoje existem quase dez filme reconhecidos com o selo do Dogma, como por exemplo Os Idiotas (Idioterne, 1998), o primeiro de Lars seguindo este padrão. Apesar de ter raízes europeias, o estilo se expandiu para outros cantos do mundo, inclusive no Brasil, sendo o “Velório em família” (idem, ano de lançamento), de Rosario Boyer, um dos angariados.
A trilogia da depressão
Um dos mais polêmicos filmes de Lars von Trier, Anticristo (Antichrist, 2009) chocou pessoas no mundo inteiro principalmente por suas cenas de violência, sexo explícito e mutilação de órgãos genitais. Apesar do roteiro simples, a problemática em questão vem em como Lars decide contar uma história metafórica autobiográfica de um momento obscuro de sua própria vida, no qual o diretor padeceu de depressão.
Anticristo é a primeira parte da chamada “Trilogia da depressão”, iniciada após a dita doença do diretor. Ela é composta também pelos filmes Melancolia e o recém lançado Ninfomaníaca
Protagonizado por apenas um casal sem nome (Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe), o filme segue o estilo de Lars ao ser dividido em capítulos, como em um livro. O Prólogo é construído por uma cena lenta em preto e branca, com uma bela música clássica de fundo. Nesta historieta preliminar, o casal principal faz um sexo despreocupado enquanto Nic, o filho pequeno, anda curiosamente pelos cômodos até achar uma janela aberta e cair do apartamento. Essa morte simboliza o problema que irá assombrar o casal a longo dos 112 minutos da trama. Os próximos capítulos (Sofrimento, O Caos Reina, Desespero e os Três Mendigos) mostram como a mãe tenta encarar o fato de seu filho estar morto enquanto seu marido, um psicólogo, acredita que ela só conseguirá se curar enfrentando o seu maior medo: o Éden, a floresta que abriga uma casa da família usada para a mulher estudar e desenvolver a sua tese.
A sucessão de mistérios cria um clima tenso na narrativa. Conforme o tempo passa, os fatos são cada vez menos verossímeis e mais surreais. Anticristo dividiu a crítica, foi para o Festival de Cannes e conseguiu arrancar vaias e risadas do público. Inclusive o diretor foi acusado de misoginia – desprezo ao gênero feminino – pelo modo como ele trata a figura da mulher na tela, abordando feminicídio de maneira superficial e pela mutilação do clitóris da personagem principal.
Genial ou não, o que se pode tirar dessa imensa quantidade de metáforas? O título Anticristo cabe perfeitamente nas mensagens trazidas, e consegue perturbar individualmente quem assiste e num golpe diz: será que nós mesmos não somos um anticristo em situações extremas?
Já Melancolia (Melancholia, 2011), obra com pequenos toques à moda de Steven Spielberg e Stanley Kubrick, traz uma realidade ficcional e, novamente, os sentimentos humanos colocados em foco. Essencialmente ocorrido em família (o filme é dividido em duas partes), conta a história de Justine e Claire, duas irmãs que passam juntas por uma festa de casamento fracassada e a ameaça da colisão de um planeta com a Terra.
Um dos destaques vai para o elenco repleto de nomes famosos, como Kirsten Dunst, Kiefer Sutherland – ou o Jack Bauer da série 24 horas -, o pai e filho Stellan e Alexander Skasgard, além da queridinha Charlotte Gainsbourg. A trilha sonora, ou melhor, a única música que toca nos momentos mais importantes do filme, faz parte do drama musical “Tristão e Isolda”, de Richard Wagner. Para quem não conhece, o compositor dessa tragédia romântica era um admirador de Hitler. Bem estranho isso se pensarmos nas declarações anti-semitas de Lars.
A primeira parte, protagonizada pela personagem de Kirsten, retrata uma noiva perturbada em seu dia de casamento, o qual foi organizado por sua irmã, Claire. Ela foge constantemente da festa, chega a entrar na banheira com o véu na cabeça, transa no jardim com o estagiário de seu chefe e discute com sua mãe. Já a segunda, foca em Claire: uma mulher forte mas emocionalmente atingida pelo fato de um planeta, o Melancolia, estar se aproximando da Terra. Ela teme por sua vida, pela vida do seu filho e também pelo futuro da humanidade. Uma trama que começa em um ritual clássico como um casamento e termina na união de irmãs, que apesar de enfrentarem o fim de formas diferentes, conseguem de modo efetivo entender o significado da palavra melancolia.
Fechando a trilogia da depressão temos o recente “Ninfomaniaca”. Dividido em dois filmes, conta a saga de Joe (Charlotte Gainsbourg) uma garota viciada em sexo. O segundo filme tem previsão de lançamento ainda para esse ano, e Lars ainda promete causar muitas polêmicas e gerar grande repercussão na mídia.