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‘O Homem Cordial’: Injustiça e violência se entrelaçam na noite de São Paulo

Longa de Iberê Carvalho mescla questões modernas e problemas persistentes na sociedade para construir retrato do Brasil contemporâneo

É fácil viver em uma das maiores metrópoles do mundo para a grande parte da sociedade que escolhe permanecer de olhos fechados. Preconceito, violência e intolerância são coisas que as pessoas não veem — ou fingem não ver — e, por isso, não falam. Felizmente, a trama de O Homem Cordial (2018) representa vozes que escolheram falar e, após assistir o filme, ignorar as mazelas profundamente intrincadas no cotidiano torna-se uma tarefa difícil.

O longa apresenta a volta aos palcos da banda Instinto Radical, ícone fictício do rock nacional nos anos 1980, quando o vocalista Aurélio Sá (Paulo Miklos) recebe ataques da plateia causados pelo seu envolvimento em um incidente. Na ocasião, o músico defende um menino negro acusado de roubo que, ao ver oportunidade, foge do cenário opressor e um policial acaba morto enquanto tenta capturá-lo. O linchamento da plateia é o começo de algo muito maior, afinal, a discussão de Aurélio com o oficial foi gravada e viralizou, o que resultou em uma onda de hostilidade que começa a ter efeito na vida do cantor.

Paralelamente ao drama do cancelamento virtual, a jornalista Helena (Dandara de Morais) busca entender o que realmente aconteceu e ajudar a família de Mateus (Felipe Kenji), o menino acusado, que está desaparecido. Na tentativa de obter respostas, ela procura o músico, mas, inicialmente, Aurélio só deseja que o assunto seja esquecido. Depois de saber que o paradeiro do garoto é desconhecido, ele decide ajudar, o que resulta em uma viagem frenética na noite da grande São Paulo em busca da verdade sobre o caso.

O título do filme não foi escolhido pelo diretor e roteirista Iberê Carvalho por acaso. A obra referencia um conceito criado pelo historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda. Em um dos capítulos de seu livro Raízes do Brasil (1936), o pesquisador cita pela primeira vez o conceito de “homem cordial” ao defender que esse é o sujeito brasileiro: um ser que prioriza a cordialidade.

No entanto, a cordialidade pensada por Sérgio Buarque de Holanda não tem relação com bondade ou amizade. Ela se refere ao significado original da palavra cordial, que vem do latim e da mesma raiz da palavra coração. Portanto, o homem cordial seria aquele que age com o coração, e que não é guiado pela razão. Muitas vezes, então, cordialidade significaria agir de maneira violenta, como ser dirigido por ódio e raiva extremamente profundos. Nesse emaranhado de sentimentos, o filme conecta-se à ideia que lhe dá título por meio do entendimento da agressividade constante no cotidiano.

Violência fomentada pela internet é tema em O Homem Cordial
Violência fomentada pela internet é tema em O Homem Cordial [Imagem:  Divulgação/O2 Play]

Apesar da história envolver o telespectador, o roteiro não propicia o tempo necessário para o desenvolvimento dos muitos personagens que estão em cena. Além de Aurélio e Helena, são apresentados Béstia (Thaíde) – ex-integrante do grupo Instinto Radical –,  Rudah (Thalles Cabral) – jornalista amigo de Helena – e Marina (Tamirys O’Hanna) – irmã mais velha de Mateus. Todos têm participação ativa na procura do menino durante a madrugada, mas, pelo curto tempo de tela, é difícil aproximar-se verdadeiramente da maior parte desse grupo. Além disso, alguns personagens tomam decisões que não possuem motivação clara, o que atrapalha o desenrolar da trama. Entretanto, O Homem Cordial se sustenta muito bem com a história que deseja contar e com as vozes que deseja ampliar, por isso, os pontos negativos citados anteriormente se tornam detalhes quase imperceptíveis.

Paulo Miklos em O Homem Cordial
Paulo Miklos em O Homem Cordial [Imagem:  Divulgação/O2 Play]

A experiência do ator Paulo Miklos como vocalista da banda de rock Titãs ao longo de sua trajetória traz naturalidade para a interpretação de Aurélio, que passa a sensação de coibição adequada à história. O rapper Thaíde faz um ótimo papel, construindo um personagem carismático com pouco tempo de tela. Thalles Cabral, também com pouco espaço, concebe uma boa atuação. Dandara de Morais não consegue dar todo o brilho que sua personagem merecia, mas entrega uma interpretação convincente. As maiores cargas dramáticas ficaram para Tamirys O’Hanna e Felipe Kenji, que fizeram um excelente papel nas cenas de maior entrega profissional. Mateus é a peça central da sequência mais emotiva do filme, e isso não foi problema para o jovem Felipe, que garantiu uma atuação sensível e realista.

Felipe Kenji representa Mateus em O Homem Cordial
Felipe Kenji representa Mateus [Imagem: Reprodução/YouTube/Fãs de Cinema]

Na balança final, O Homem Cordial é uma trama que vale o tempo do telespectador. O longa não é um conteúdo qualquer para entretenimento e é difícil de digerir, mas traz questionamentos necessários ao cenário do Brasil moderno.

O Homem Cordial já está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/O2 Play 

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