Na antiguidade clássica, o apreço e a busca pela perfeição aconteciam de maneira inequívoca — as obras que não atendiam aos requisitos de proporção, simetria, harmonia e equilíbrio eram desqualificadas. Mas, com o tempo, as produções artísticas consideradas ideais se desgastam, apresentam falhas e comprovam que nada é perfeito — ou, pelo menos, não por muito tempo.
A artista autodidata Gabriela Garcia faz pinturas, esculturas e outros itens que não só denunciam a farsa da arte perfeita, mas também questionam a realidade que nos cerca. Em Nós não somos assim tão fortes, uma das esculturas da coleção Esse Sonho Pode Nunca Acontecer (2021), além do aprisionamento de uma figura humana, constata-se a mistura de elementos renascentistas, como a busca pela representação da pessoa como ela é, com abstratos, como a disposição dos materiais e o próprio uso de pedras sem lapidação. Não é o resultado de uma idealização padronizada pela sociedade, é autêntico e único.
Desde que conheci o trabalho de Garcia, não consigo parar de pensar na frase “seja sua melhor versão”. Ser produtivo no trabalho, ter foco pleno nos estudos, conquistar o corpo perfeito, ler 100 livros por ano, cultivar relações interpessoais felizes e acordar 5 horas da manhã são partes do pacote de atividades incentivadas pela ortorexia psicológica — a busca incessante pelo auto-aperfeiçoamento em todas as áreas da vida.
A insatisfação com o que somos, em muitos casos, dá margem para o excesso de comparações superficiais — se o inferno são os outros, pode apostar que o paraíso também. Assim, nos perdemos de quem somos para tentar ir de encontro ao que ninguém consegue ser: perfeito.
“Para de divagar, eu vim aqui para saber mais sobre Gabriela Garcia”. Não espere perfeição de um texto que questiona justamente esse conceito. Mas voltando ao que interessa, espero que você me conte seus erros, mostre suas falhas e fale quem você é, não quem você quer ser. As vezes vale a pena deixar de culpar o mercúrio retrógrado e, assim como Garcia, ter coragem de não corresponder às expectativas de perfeição impostas pelo mundo em que vivemos.
A brasileira é o retrato de uma juventude talentosa e capaz de criar novas maneiras de enxergar a realidade. Entre o clássico e o abstrato, o novo e o velho, a crítica e a beleza, Garcia se mantém conectada no propósito de questionar o mundo fazendo sua arte.
*Foto de capa: Instagram @gabriellagarcia