Por Giovanna Castro (giovannacastrop@usp.br)
A grife Collina Strada, surgida em 2008, se denomina como uma plataforma para a “consciência climática” e determina a “sustentabilidade como jornada”. Sua diretora criativa, Hillary Taymour, deixou a seguinte mensagem: “Tudo é uma merda. Estamos condenados. O mundo está em chamas, mas estamos fazendo um desfile porque é isso que sabemos fazer “. Esses e outros pontos, como as modelos desfilando com sorrisos assustadores e punhos fechados, foram levados para a passarela da New York Fashion Week no dia 8 de setembro de 2023. A cidade, que foi palco de cenas como a fumaça apocalíptica ocasionada pelos incêndios no Canadá e o recorde de inverno sem neve, foi forçada a encarar o que por vezes deixou de lado: o papel da moda na mudança climática.
Passarelas como atos políticos
Collina Strada trouxe de forma voluntária a crise climática para as passarelas, mas essa situação nem sempre foi a mesma para todos os desfiles. Em 2002, durante o desfile para a Victoria´s Secrets, ativistas da PeTA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais, em português) invadiram a passarela no momento em que a modelo Gisele Bündchen desfilava. Nos cartazes, os dizeres “Gisele: escória de peles”.
O ato veio em resposta ao contrato assinado entre a modelo e a marca Blackglama, marca estadunidense conhecida pelos seus casacos de pelo. Gisele posou para a grife utilizando casacos de pele “mink”, animal semelhante a uma lontra e que há anos é protegido por organizações que lutam pelos direitos dos animais, fazendo com que marcas deixassem de usar seu pelo em seus casacos.
16 anos após o ocorrido, Gisele, em entrevista à Vogue, afirmou: “Eles [PeTA] me enviaram todos aqueles vídeos. Eu não estava ciente do que estava acontecendo, e eu estava devastada. Então eu disse, ‘Escute, eu não farei campanhas com pelo.’”. Atualmente, Gisele é Embaixadora da Boa Vontade do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e utiliza de suas plataformas digitais para promover ações contra o desmatamento na Amazônia.
Em 2020 e 2021, os desfiles de Louis Vuitton e Dior também receberam intervenções por ativistas da PeTA. Recentemente, o desfile da Coach na New York Fashion Week em setembro de 2023 também foi marcado por intervenções da organização.
O protesto ocorreu com duas mulheres andando na passarela. A primeira, pintada de forma a imitar os músculos e tendões humanos, e a segunda carregavam os dizeres “Coach: o couro mata” de formas diferentes, uma no corpo e outra em uma placa.
A Coach New York, ou apenas Coach, é uma marca especializada em bolsas, malas e acessórios de couro. Apesar de já ter utilizado tiras de couro descartadas anteriormente nos acessórios da linha Upwoven, a casa de luxo não aponta para outras alternativas de uso do material.
Lilyan Berlim, autora do livro Moda e Sustentabilidade: uma reflexão necessária (Estação das Letras e Cores, 2012), aborda a justificativa utilizada pelas grifes para o uso do couro. Para essas marcas, a justificativa é de que é dado um outro propósito ao material, que seria apenas descartado pela indústria pecuária.
A crise climática nas capas de moda
A capa da Vogue Taiwan de janeiro de 2022, cujo nome Heat wave (onda de calor) dá o tom para a edição, apresenta um cenário quase apocalíptico. A modelo Peng Chang com os cabelos e corpo molhados segura um picolé feito de lixo próximo à boca. Nas páginas do editorial, ela está em uma das fotos com uma cauda de peixe molhada por óleo em meio a rochas e garrafas de plástico. Em outro clique ela também possui uma cauda, mas está largada na praia com uma sacola de plástico cobrindo sua cabeça e tronco.
12 anos antes, na edição de agosto da Vogue Itália, Kristen McMenamy aparecia coberta por óleo entre rochas em Water & Oil (água e óleo). Em algumas fotos ela apresenta uma cauda, em outras, penas imitando as de um pássaro, por vezes uma rede prende ela às rochas, como se tivesse sido capturada e trazida do mar para a terra. Esse ensaio dividiu opiniões quando foi lançado, pois trazia como contexto o derramamento de petróleo no Golfo do México, e a opinião pública acusou a Vogue de glamourizar essa situação.
São essas “mulheres-bicho”, por vezes peixes, por vezes aves, que estampam a face da mudança climática na moda e provam que ambos os assuntos caminham juntos.
O futuro colado ao corpo
O setor da moda é o segundo mais poluente do mundo, atrás apenas da indústria petrolífera. Lilyan explica que o ciclo de poluição na cadeia começa desde antes da produção das peças: “A moda vai gerando poluição em praticamente quase toda a cadeia da tecelagem, passando aos beneficiamentos, às tinturarias, às estamparias, à confecção da roupa que gera retalho”. Aliado a isso, o consumo das peças também é predatório: “As roupas têm sido produzidas de forma rápida, vendidas, usadas e descartadas com muita rapidez. Existe uma cultura de consumo em torno da moda que é muito feroz e muito predatória.”
Ela afirma que um dos motivos para escrever o livro Moda e Sustentabilidade: uma reflexão necessária foi o contato que teve com “Meninas muito jovens, de 12 anos, grávidas atrás de uma máquina de costura, geralmente em lugares muito insalubres” na periferia do Rio de Janeiro, onde por vezes buscava as produções para seu ateliê.
Esse cenário mostra a degradação ambiental concomitante à social. Não são poucos os casos de empresas de moda acusadas de utilizar mão de obra análoga à escravidão em suas produções, como Zara e Renner.
Essas acusações também surgem contra a Shein, gigante do que é chamado de fast-fashion, produções grandes e rápidas que não prezam pela qualidade dos materiais utilizados durante a fabricação das peças. O fast-fashion resulta em roupas com tinturas de baixa qualidade e produtos à base de metais pesados que, combinados, geram peças que são descartadas rapidamente por não durarem, mas que têm preços acessíveis e atrativos.
Aliado a isso, o consumo predatório também é outro fator importante. As modas da vez, que passam tão rápido quanto chegam, estimulam a compra de artigos que serão utilizados apenas até algo mais interessante chegar.
Aletusa Santos, dona do brechó Garimparia na Arara e estudante de moda, cita a opção de comprar em brechós: “As pessoas geralmente deixam peças que compraram no impulso, ou aquelas que usaram muito e depois enjoaram, ou que ganharam de presente e não gostaram. Isso é sustentável porque você vende essa peça ou doa e faz de alguma forma chegar em um brechó, vai colocar ela de volta à venda e alguém vai comprar de volta, deixando o processo circular por muito tempo”, abordando o conceito de moda circular.
Ela também cita a experiência de abordar a sustentabilidade no curso de moda: “A gente fala de forma mais técnica, desde a produção do algodão, dos tecidos, como é feito o descarte dos refugos, já que não tem o que fazer com eles a não ser incinerar ou levar para um local específico”.
Ainda que seja uma das opções mais sustentáveis para um consumo consciente da moda, os brechós não estão distantes da realidade predatória da moda. Os processos de distribuição das peças também emitem gases poluentes e a preços baixos pode-se comprar roupas sem questionar a necessidade delas. Também, as peças não atingem a todos. Aletusa afirma que uma das dificuldades é obter peças masculinas e plus size.
Berlim e Santos utilizam a mesma ideia quando discutem a necessidade de falar sobre a moda sustentável: é necessário porque a indústria da moda é diária para todas as pessoas. Todos usam roupas.