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“O Esporte foi minha segunda mãe” – o relato de uma campeã na vida e nos tatames

Débora Menezes, campeã mundial e medalhista paralímpica de parataekwondo, conta sua trajetória como pessoa com deficiência e os desafios enfrentados até se consolidar no esporte paralímpico

Ainda é comum que pessoas com deficiência sejam vistas, pela sociedade, como inferiores, incapazes e inválidas. A história de Débora Menezes, porém, vai na contramão dessa ideia e serve de exemplo para quem estiver disposto a escutá-la.

A infância: lidando com olhares e o apoio familiar

Nascida na cidade de São Paulo , em maio de 1991, Débora Bezerra de Menezes tem uma deficiência congênita no braço direito, que faz com que ela não tenha uma das mãos. Hoje habituada a compartilhar mensagens motivacionais animadas em suas redes sociais, ela diz em entrevista ao Arquibancada que nem sempre pensou e agiu assim, e afirma que, embora o fato de nascer com essa questão tenha facilitado no dia a dia, os abalos na pré-infância foram inevitáveis. “Foi congênito, então foi uma coisa mais natural para eu aprender a lidar com as coisas que uma criança tem que fazer: brincar, se divertir, se arrumar. Então, quando eu entrei na escola, já tive o primeiro impacto, ive uma certa resistência, porque as crianças veem e apontam o diferente. Criança não é igual ao adulto, que vê mas não aponta tanto. Então isso foi me incomodando quando eu tava no prezinho”, relata.

Débora (centro, lado esquerdo) com seus irmãos na década de 90. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

Em meio a essas dificuldades de convivência quando criança, Débora quis desistir da escola, mas a presença da sua família foi crucial para ela resistir e enfrentar a situação. “Chegou até uma época em que minha mãe ia o ano inteiro para a escola comigo porque eu não queria ir mais para a escolinha. Então, apesar de meus pais não saberem lidar com a deficiência, eles nunca me trataram diferente dos meus outros irmãos. Eles diziam ‘não, você vai continuar estudando, é o caminho para conseguir o que você quiser’. Então esse pontapé inicial, principalmente da minha mãe, fez toda a diferença para que eu pudesse enfrentar vários obstáculos que iam surgir no decorrer da caminhada”, afirma

O Esporte como uma mãe

Mas não foi apenas sua mãe essencial para que vencesse o preconceito e conseguisse se postar na escola. Hoje lutadora, expressa com alegria o papel que a educação física escolar, na introdução do esporte, teve em sua vida: “Eu me deparei com o esporte quando estava com 7 anos. Comecei a ter mais aquele contato, aquela vivência, e a partir dali eu encontrei uma ferramenta e falei ‘opa, pode ser minha segunda mãe!’, que é como eu chamo até hoje”. 

Segundo Débora, essa mudança de paradigma em sua vida se deu quando os colegas, ao vê-la praticando esportes na educação física,foram mudando sua visão sobre ela.  A lutadora entendeu que não é porque não tinha metade de um braço que era limitada. “Não, muito pelo contrário, eu era super ativa! A gente tem que ter esse olhar de que todos nós somos capazes, independente se tem uma deficiência, uma limitação”.

Débora tem o hábito de postar mensagens motivacionais em suas redes sociais. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

Hoje,  na internet ou em entrevistas, é impossível não notar o orgulho com que Débora fala de sua trajetória. Questionada sobre essa “virada de chave” em sua vida, a atleta corrobora: “ eu tenho muito orgulho da minha história e da minha infância. Para mim foi essencial, uma transformação social, pessoal, profissional. Hoje minha formação é em educação física. Sou atleta de alto rendimento devido a toda a bagagem que eu tive desde a infância, da educação física escolar, até hoje. Ela transformou minha vida e continua transformando. Então, todas as vezes em que eu tenho a oportunidade de falar sobre o esporte eu falo que sim, é uma ferramenta poderosíssima de transformação em vários âmbitos”. 

Sobre as palavras de motivação, ela diz que tem uma razão: “Eu falo porque obviamente nem todos os dias nós estamos motivados, mas nós temos que buscar o nosso melhor e quando estamos falando para outras pessoas precisamos mostrar o poder, principalmente o poder das palavras. Se eu conseguir ajudar uma pessoa por uma palavra positiva que eu falei eu já vou estar muito feliz!”.

Adolescência e vida adulta: capacitismo, preconceito e ganho de maturidade

Deixando de lado a vida na escola e abordando os desafios da vida adulta, Débora afirma que os desafios do dia a dia foram os elementos que mais impactaram seu amadurecimento enquanto pessoa:“o processo da vida te ensina algumas lições que a escola nem sempre vai te ensinar. Então sair para trabalhar, lidar com muitas pessoas ao mesmo tempo, principalmente em transporte público, foi uma escola de muito aprendizado até hoje. Porque ali eu vi pessoas que de certo modo me humilharam, tentaram me desmerecer, me botar pra baixo…só que eu falei ‘cara, eu não sou igual a essas pessoas. Eu vou mostrar para elas que eu não sou igual a elas! Não é porque eu tenho uma deficiência que eu sou inferior a elas’”. Além disso, ela conta que precisa ter senso de reflexão, como o fato de que apesar de ser preferencial, ela é nova e saudável, então quando chega uma pessoa de idade ou que não consegue andar, ela dá a preferência “

Débora também comentou sobre o capacitismo na vida e no esporte. Para ela, houve uma mudança no olhar social ao longo do tempo: “Na infância, eu via que as pessoas ainda não tinham cabeça aberta para olhar uma pessoa com deficiência. ‘Ah, uma pessoa com deficiência é uma pessoa inválida’. Não! Então no começo me impactou muito esse olhar de incapacidade, de invalidez. Entrando na adolescência, no Ensino Médio, eu já vi outra mudança, as pessoas começando a abrir mais a mente em relação a esse tema”. A brasileira relata a importância de seu contato com o movimento paralímpico para que os estigmas deixassem de ser um problema. “Eu entrei na faculdade em 2009 e eu não sabia que existia o movimento paralímpico. Eu sempre participei de modalidades em que os atletas não tinham nenhuma deficiência, então eu me sentia deslocada de algum modo e na hora que eu conheci o movimento paralímpico, perto do término da faculdade, em 2012, eu me encontrei! Eu me encontrei porque, às vezes, quando você faz um esporte e tem uma deficiência e as outras pessoas não têm, meio que tem, indiretamente, as pessoas achando que você se acha melhor que elas. E não tem essa”.

Débora passou por várias etapas de aceitação até se tornar a pessoa que é hoje. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

Para conseguir amadurecer e enfrentar esses desafios, Débora conta sobre seu processo de autoaceitação. “Hoje eu tenho 31 anos. Hoje eu me aceito. Antes eu não conseguia olhar no espelho. Então o primeiro passo não é as pessoas te aceitarem, é você se aceitar”. A campeã mundial de parataekwondo aborda a questão do capacitismo como uma escolha de caminhos. “Eu tive que quebrar essa barreira dentro de mim para falar ‘eu me aceito do jeito que eu sou e quem gostar de mim vai ter que gostar da Débora do jeito que ela é! Motivada, alto astral, que vai em busca dos seus objetivos’. Não aquele olhar ‘pô, aquela menina é uma coitada’. São dois caminhos: ou você pode ir por esse caminho de se vitimizar, ou ter outra postura, outras atitudes paras as pessoas e mostrar que elas não são diferentes. Elas são iguais à sua maneira! Hoje eu já nem me importo tanto, então as pessoas falam, quer falar, fala! Ou então quer vir me perguntar e conversar, eu estou aberta! São barreiras em vários âmbitos”.

Medalhista de prata nas Paralimpíadas de Tóquio 2020, ela também abordou a questão da sua sexualidade. Débora,  é lésbica, e comenta sobre o amor como algo muito além de predefinições, e diz que hoje é muito mais madura em relação a isso do que antes. “A partir do momento em que se assume uma posição em que se quer defender uma bandeira e você tem uma deficiência, são várias coisas que as pessoas vão falar. ‘Além de deficiente, inválida, gosta de mulher!’. Mas o que tem a ver uma coisa com a outra? A gente está falando de amor, afeto e carinho. Nós não vemos o sexo, mas sim o amor. Então hoje eu consigo lidar melhor e eu sou muito feliz com tudo o que conquistei, o que eu já passei. Acho que isso me fez crescer muito e me fez ter essa maturidade que eu tenho hoje”.

Débora tem em Mayara, sua esposa, uma grande rede de apoio e, acima de tudo, um grande amor. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

O caminho até o parataekwondo

O que nem todos sabem é que Débora não começou sua carreira como esportista no parataekwondo, ou mesmo no esporte paralímpico. Ela conta que tinha aptidão para o futebol de salão, e jogou por 12 anos, aspirando à seleção brasileira, mas desistindo do sonho ao completar 18 anos para focar na faculdade. 

Débora já teve o futebol como seu principal esporte. Foram 12 anos jogando e muitas conquistas. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

Uma vez universitária, foi conhecendo o esporte paralímpico. Ela primeiro experimentou o vôlei sentado, mas não gostou porque usava muito o braço, e na época ela trabalhava com administração para pagar a faculdade e precisava digitar bastante. Depois ela conheceu o atletismo, e o que ela mais gostou foram as provas de campo: arremesso de peso, lançamento de dardo. E em seis meses ela conseguiu quebrar dois recordes brasileiros.

A então atleta de lançamento de dardo conta que, estando já no fim de sua graduação, conseguiu um emprego no Senac, onde trabalhou por quatro anos e por isso não conseguiu voltar para o atletismo, embora quisesse muito. Nesse entretempo, conheceu as artes marciais: começou pelo boxe e chegou de maneira aleatória ao taekwondo. “O pessoal tinha que fazer uma atividade abordando como se tivesse um aluno com deficiência física, me chamaram e dentro desse grupo tinha um professor que já tinha trabalhado com taekwondo e com parataekwondo” Ela complementa dizendo que, de início, o parataekwondo era apenas um passatempo em sua vida: “ele me chamou para conhecer, e depois da faculdade eu fui fazer duas vezes, três vezes, por hobby quando eu tinha tempo! Eu falei ‘vou dar o direito de me desenvolver dentro de uma modalidade que eu nunca fiz’. Artes marciais eu nunca tinha feito nada”.

Esporte: um “anjo da guarda” na vida de Débora. Mais uma vez. 

Paralelamente a isso, a atleta seguia com o sonho de chegar à seleção brasileira, mas agora com o lançamento de dardo, e por pouco esse sonho não se realizou em 2016, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. “Voltei a treinar, participei de alguns eventos aqui no Brasil e tive uma convocação em 2016 que valeria vaga pro Rio. Eu tive uma chance muito real, só que a competição ia ser aqui, então não tiveram atletas estrangeiros e se não tem atletas estrangeiros não abrem vagas pros jogos ”, conta Débora, que tem esse momento como uma das maiores frustrações de sua vida. “Eu trabalhava até então e precisava me ausentar do meu trabalho, movi céus e terras para estar nessa competição e eu só recebi uma ligação dizendo que não ia ter mais. Eu falei ‘está tudo bem, não vai ter, mas eu preciso que me mandem algum documento por escrito porque eu levei a minha solicitação para a empresa, eu tenho um emprego a zelar!’”.

A decepção foi tanta que Débora pensou em desistir. “Em toda a minha carreira, em toda a minha vida, eu nunca quis desistir de nada em nenhuma situação. Mas essa foi tão forte que me deu um apagão. Eu não tinha vontade nem de ir para academia. Eu fiquei uns três, quatro meses de molho, deixando a maré passar e não fazendo absolutamente nada”, relata. 

Em meio a esse caos psicológico, a então lançadora de dardos contou com uma ajuda familiar em sua vida, digna de uma mãe: o esporte. “Eu coloquei as ideias no lugar e falei: ‘não posso desistir do esporte. O esporte me deu tanto, me proporcionou tanto. Eu posso desistir de uma, não de todas’. Logo na sequência, eu fui conhecer um projeto de taekwondo próximo do Senac e [o coordenador] era quem? O cara que estava desenvolvendo e tentando formar a seleção [de parataekwondo]. Então eu falei: ‘você caiu do céu!’”.

A convocação de Débora para a Seleção Brasileira de Parataewkondo, para disputar o Mundial, em 2017. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

O que Débora não esperava era ter uma receptividade tão grande. “Ele me fez o convite direto. Eu não tive nem reação! Eu fiz minha vida inteira para estar na seleção e de repente o convite vem assim, olho no olho.” Apesar de não ter muita experiência, Débora aceitou, pois não era nada que a impedisse de se dedicar, esforçar e melhorar sua técnica. E foi a partir daí que a profissional de educação física fez de um hobby, sua profissão. De uma frustração, a redenção e a realização de um sonho.

Parataekwondo no Brasil e nas Paralimpíadas

Sobre o parataekwondo, é interessante ressaltar que algumas regras divergem daquelas do taekwondo convencional. A versão paralímpica da arte marcial sul-coreana entrou para o quadro dos Jogos Olímpicos na edição de Tóquio 2020. As diferenças entre a versão convencional e a inclusiva se dão principalmente no âmbito da pontuação e da contagem de faltas, isso porque, no parataekwondo kyorugui (luta), os socos não valem pontos, embora sejam permitidos. Além disso, o chute na cabeça, que vale pontos na versão convencional, passa a configurar penalidade e pode, inclusive, levar a punições severas para o lutador, dependendo da intensidade. 

Em ambos os casos os atletas utilizam coletes e meias com sensores eletrônicos que captam os contatos e contabilizam as pontuações, além de proteções na canela, no antebraço, e o dobok, que é a vestimenta que se utiliza nos combates, que ocorrem em uma posição de lado.

Débora usando o dobok em uma luta nos Jogos de Tóquio 2020[Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

Em se tratando de uma modalidade tão nova, cujo primeiro mundial ocorreu em 2009, e na qual o Brasil só começou a competir mundialmente em 2017, o crescimento e os resultados são impressionantes. O Brasil é hoje a maior potência de parataekwondo no mundo, tendo liderado o quadro de medalhas nas últimas paralimpíadas. 

Ranking de medalhas do parataekwondo em Tóquio 2020, com o Brasil em primeiro lugar. [Foto: Reprodução/Website paralympics.org]

Os três atletas qualificados ganharam medalhas: Nathan Torquato (ouro até 61 kg), Silvana Fernandes (bronze até 58 kg) e Débora Menezes (prata acima de 58 kg). Mas esse desempenho histórico em 2021 só foi possível graças à preparação e à montagem da seleção, a qual Débora passou a fazer parte em 2016, participando do Mundial de 2017, em Londres, e conquistando o 5º lugar. “Isso mostra o quanto os atletas e a comissão queriam, o Comitê Paralímpico [Brasileiro] investindo, a Confederação [Brasileira] de Taekwondo e o Governo Federal ajudando com essa questão de bolsa, a Caixa Econômica, foi o trabalho de toda uma equipe para nós termos esse resultado tão expressivo. Em 2017, eramos um dos últimos no ranking. Três atletas, três medalhas e terminar no geral como a potência mundial do parataekwondo. Isso diz muito sobre trabalho, seriedade, responsabilidade, dedicação, amor”, exalta Débora, que depois de 2017 conquistou medalhas em todos os mundiais e jogos pan-americanos que ocorreram.

Nathan, Débora e Silvana (da esquerda para a direita) trouxeram o ouro, a prata e o bronze para o Brasil, respectivamente. [Foto: Reprodução/Instagram @cbtkd.oficial]

A bolsa no esporte paralímpico

Débora é beneficiária do programa Bolsa Atleta, do Governo Federal, e na entrevista ao Arquibancada, explicou um pouco sobre como funciona o sistema de seleção dos bolsistas. Os requisitos variam de acordo com o tipo de bolsa. “O Bolsa Atleta, se você está entre os dez do ranking mundial, pode pleitear uma bolsa do Governo Federal. Aí a confederação, junto ao Comitê Paralímpico [Brasileiro], indica o atleta ao Ministério do Esporte e manda um perfil de análise e de currículo de competições e uma perspectiva de colocação. Depois de analisado, abre o processo de seleção de bolsas e você faz a inscrição”. 

         Ela completa, e conta que o processo é renovado anualmente. Se der certo, o atleta fecha um contrato de 12 meses com o Ministério. Ele recebe, também, um manual com todas as regras do que se pode ou não fazer. Além das bolsas do Governo Federal, existem aquelas fornecidas por patrocinadores, que não necessariamente exigem um rankeamento tão alto. O processo para bolsas da Caixa Econômica Federal, por exemplo, se dá por indicação direta do Comitê Paralímpico Brasileiro e pela coordenação da modalidade. O que a parataekwondista deixa claro é que a demonstração de desempenho é o ponto crucial para isso: “a gente trabalha diretamente com o resultado e a evolução deve ser demonstrada em pódio, seja qual for a colocação, principalmente para quem busca bolsa”.

Seleção Brasileira de Parataekwondo que foi a Tóquio em 2021. Ao centro, de amarelo, o treinador Rodrigo Ferla. À esquerda, também de amarelo, Débora Menezes. [Foto/Reprodução: Instagram @ferlatkd]

Questionada sobre as diferenças entre os requerimentos de bolsa para atletas olímpicos e paralímpicos, Débora afirma que o processo é semelhante, pois tudo é esporte de alto rendimento, mas que o esporte olímpico tem, em geral, mais concorrência, dependendo da modalidade, por isso, é mais difícil o trâmite para conseguir a bolsa. Isso não quer dizer que  o paralímpico seja fácil. O atletismo, por exemplo, é uma modalidade muito concorrida, então, o atleta tem que estar no topo, porque é muito concorrido. 

Para Débora, essa diferença de concorrência se dá devido à longevidade do atleta paralímpico, que em geral é maior, pois o paralímpico não tem um limite de idade, enquanto o atleta tiver condição e estiver bem, ele pode competir.

Ela compara a carreira dos atletas a uma linha: “O paralímpico tem uma linha reta, porque dependendo da modalidade você não tem muita concorrência e consegue se desenvolver. Já no convencional, o trabalho não é tão reto, porque tem muita concorrência. Ele tem que fazer um círculo para chegar na outra ponta”. Ela ressalta, porém, que o resultado é a chave em todos os casos.

Débora Menezes se sagrou campeã mundial em seu segundo torneio dessa proporção, em 2019, e levou o bronze em 2021, ambas as vezes na Turquia. Já nos Jogos Parapanamericanos, foi prata em 2019, no Peru. Nos Estados Unidos, em 2019, e no Rio de Janeiro, em 2022, conquistou um ouro e uma prata, respectivamente, nos pan-americanos de parataekwondo. Foi também eleita a melhor atleta de parataekwondo brasileiro por três anos consecutivos, de 2017 a 2019. 

Na imagem, Débora [esquerda] comemora o título mundial com a bandeira do Brasil ao lado de seu treinador, Rodrigo Ferla [direita]. [Foto/Reprodução: Instagram @paralympicsapc]

Ela compete na classe K44, que ao lado da K43 é uma das classes de luta (Kyorugui) do parataekwondo incluídas nas paralimpíadas. São quatro no total: K41, K42, K43 e K44, e a diferença se dá basicamente na extensão do braço, que aumenta da K41 para a K44. Configura-se atleta K44 aquele que possui deficiência congênita ou adquirida em um dos lados ou paralisia parcial/total dos membros superiores. Existem também as classes Poomsae, que abrangem, por exemplo, deficientes auditivos e visuais, mas essas não estão no programa paralímpico.

Na foto, a premiação de 2018. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

A busca pelo ouro

Desde que foi campeã mundial, em 2019, Débora Menezes fez questão de frisar em suas entrevistas o quanto desejava o ouro paralímpico e o quanto estava trabalhando para isso. Em entrevista a Tatiana Lopes, no Instagram do Comitê Paralímpico Brasileiro, em maio de 2020, Débora chegou a afirmar que pretendia encerrar sua carreira após as Paralimpíadas de Paris 2024, tendo ganhado dois ouros, um em 2020 e outro em 2024. Embora tenha ficado com a medalha de prata nas Paralimpíadas de Tóquio 2020, ela diz que não se sente frustrada e nem desmotivada a seguir perseguindo sua meta. “O ouro sempre me motivou. É um legado, não só a medalha. Por trás da medalha, está aquela foto de milhões!”, explica. 

Questionada pelo Arquibancada, a atleta conta que teve uma lesão muito grave antes das paralimpíadas: “2019 foi o melhor ano para mim em termos de resultado. Eu conquistei minha vaga direto pelo ranking, fui campeã mundial, vice-campeã dos jogos parapanamericanos, tive várias medalhas de ouro no circuito. Mas depois do parapan foi um perigo, porque eu tive uma lesão muito séria. Tive um overtraining do quadril para baixo. Fiquei muito mal em todos os aspectos: físicos, mentais”. 

Débora relatou, também, que o adiamento dos Jogos devido à pandemia teve um lado positivo para ela, pois foi possível tratar melhor sua lesão. “Não ia tratar [as lesões] em dois , três meses. Não deixei de treinar, mas fui fazendo coisas bem reduzidas. Precisei ficar quase um ano e meio afastada e não deu para me recuperar como eu gostaria porque tava tudo fechado. Quando veio a confirmação [do adiamento], isso me deu um alívio, porque eu estava quase surtando do coração! Então, eu vi isso como uma segunda chance.”, diz.

A pandemia não impediu Débora de seguir treinando, mas havia limitações. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

A lutadora se mudou para Curitiba em 2021, onde vive até hoje. Foi uma forma de tentar retomar os treinamentos da melhor forma e de garantir que não enviariam outra atleta em seu lugar. Ela conta o quanto era frustrante ter uma rotina de treinos inconstante: “tinha dia em que eu não conseguia treinar. Eu ia lá para olhar o tatame, para ver o pessoal treinar. Aí um dia eu não conseguia treinar, no outro dia eu fazia defesa,em algum momento aquilo tinha que fazer sentido”. 

Frente a essa situação, Débora chegou à conclusão de que o ouro não era a única forma de se superar naquele momento: “eu ir para Tóquio já vai ser uma realização e tanto. Diante das condições em que eu estou, eu quero a medalha de ouro, mas eu também não posso ser hipócrita. Eu estou passando por um processo muito difícil”. 

O adiamento dos Jogos Paralímpicos propiciou que Débora tratasse sua lesão a tempo de disputá-los. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

E foi com esse espírito que Débora Menezes viajou ao Japão em agosto de 2021.”Na última semana de treinamento, as dores das lesões deram uma diminuída, eu fiquei tão animada! Deus não falha, Ele cuidou de cada detalhe por algum motivo. Ele vai ressignificar muita coisa, já ressignificou. Quando eu pisei na Vila [Olímpica], eu falei para mim mesma: ‘Deus, obrigada, mas eu quero entrar no tatame e dar o meu melhor. Se for uma medalha de ouro, ótimo. Se não for nenhuma medalha, ótimo também.’ Dentro do que eu vivi nesses dois anos, eu estou realizando meu sonho. Não é um sonho de um ano, é um sonho de vinte anos que eu estou batalhando. É uma vida que eu estou batalhando para estar aqui para simplesmente nos 45 do segundo tempo não ir por conta de lesões”.

A final e a gratidão pela medalha de prata

A brasileira falou sobre a relação com Naimova e do sentimento após a final e a medalha de prata. “Em 2019 eu fui campeã em cima da menina do Uzbequistão e [em 2021] a gente foi para uma final olímpica. Mas é aquilo, a gente é amiga, mas dentro do tatame, o bicho pega! Todo mundo quer ganhar. E foi uma final bem dura: três rounds de dois minutos e foi 8×4 a luta. Na hora em que terminou eu comemorei com ela, não vou ser ingrata. É uma medalha olímpica, de prata, queria muito a de ouro, mas eu sei qual foi a minha trajetória. Foi muito difícil! Não vou menosprezar essa medalha, estou levando essa medalha pro Brasil, para casa”. Ela ainda agradeceu a Deus por ter conseguido lutar: “Ele me fez enxergar que tudo na vida valia a pena, independente do que você esteja passando. E eu faria tudo de novo!”.

Débora e Naimova celebraram juntas após a final épica que rendeu a medalha de prata paralímpica à atleta brasileira. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

Apesar do orgulho com a conquista, Débora não abandonou o sonho de conquistar dois ouros olímpicos, e diz que não vai se aposentar depois de 2024 e talvez nem em 2028. “A ideia é fechar em Los Angeles [Paralimpíadas de 2028], mas quero estar bem para tentar ir depois de Los Angeles e fechar antes dos 40 [anos]”. Ela complementa e diz que tem como inspiração a dinamarquesa Lisa Gjessing (43 anos), que lutava o taekwondo convencional e teve um braço amputado em virtude de um câncer. “Ela veio pro parataekwondo e foi uma atleta invicta por uns oito anos. A Silvana [Fernandes, líder do ranking mundial até 58 kg e bronze em Tóquio] era da categoria dela, e o parataekwondo ela só perdeu para Silvana, e se ajustou para ganhar da Silvana na semifinal [de Tóquio 2020]”. Depois disso, Lisa foi campeã paralímpica.

Débora Menezes foi prata, enquanto Guljonoy Naimova, do Uzbequistão, levou o ouro. Janine Watson, da Austrália, e Amy Truesdale, da Grã-Bretanha, ficaram com o bronze em Tóquio 2020. A ordem é da esquerda para a direita. [Foto/Reprodução: Instagram @deboraparatkdoficial]

Um recado a todos os jovens: “Desistir não é uma opção!”

A atleta deixa um recado aos jovens com ou sem deficiência que sonham em praticar um esporte: “Desistir não é uma opção, não é! Se seu sonho está dentro do seu coração e da sua mente, verdadeiramente, siga em frente, vá em busca daquilo que te faz sorrir e te motivar todos os dias. Vai para cima, não desiste, porque obstáculo vai ter, não vão ser poucos. A vida vai te testar, você vai passar por muitas provações, mas isso só vai te fortalecer na caminhada!” Ela complementa, falando sobre a importância de acreditar: “Siga em frente e acredite nos seus sonhos! Parece uma frase clichê, mas não é. Quando se acredita de verdade nos seus sonhos, se você está passando por um momento de dificuldade, às vezes uma palavra vale mais do que qualquer coisa. Isso vai fazer muito sentido”.

Débora quer ser um exemplo para os jovens enquanto ser humano e atleta. [Foto/Reprodução: Instagram @sescavpaulista]

Débora já está qualificada via ranking mundial para as Paralimpíadas de Paris, e junto dela estão mais cinco atletas do Brasil. Ou seja, vêm mais medalhas em 2024!

1 comentário em ““O Esporte foi minha segunda mãe” – o relato de uma campeã na vida e nos tatames”

  1. Marli de Souza Santos

    Rá está eu conheço de perto sempre foi guerreira e sempre vc vai está na minhas orações 🙏🙏🙏🙏 como mãe da Maiara agradeço a Deus por tudo e cuidar bem da minha filhota

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