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O remorso de um inocente em Uma História de Solidão

Foi no século V que o cristianismo chegou aos territórios irlandeses. Em sua vertente católica, a crença se expandiu sobretudo verticalmente (a conversão de um rei acarretava na consequente conversão dos seus servos) e no final do século XVII, cerca de 85% da população irlandesa era católica. Também nessa época, o domínio inglês na região, …

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Foi no século V que o cristianismo chegou aos territórios irlandeses. Em sua vertente católica, a crença se expandiu sobretudo verticalmente (a conversão de um rei acarretava na consequente conversão dos seus servos) e no final do século XVII, cerca de 85% da população irlandesa era católica. Também nessa época, o domínio inglês na região, iniciado por volta 1169, já estava bastante consolidado, o que se refletia na concentração do poder local nas mãos de uma minoria anglicana. Inevitáveis e reforçados por essa diferença religiosa, os conflitos se estenderam por anos, culminando, em 1921, na divisão do território em duas partes: Irlanda do Norte, ligada ao Reino Unido, mas com uma resistente minoria católica, e a República da Irlanda, onde o catolicismo imperava.

É nesta segunda Irlanda que se ambienta “Uma história de solidão”, de John Boyne, o célebre autor de “O menino do pijama listrado”. Em seu romance de 2016, Boyne nos apresenta à história de Odran Yates, um padre de meia-idade que, enquanto acompanha a evolução da doença degenerativa que acomete sua irmã, tem que lidar também com o peso das próprias memórias.

A vida de Odran se conecta ao catolicismo ainda na infância, quando, após uma tragédia familiar, sua mãe – até então uma mulher pouco religiosa – começa a buscar na fé em Deus forças para enfrentar a dor. Inclusive, é justamente a influência materna o que leva Odran ao seminário na adolescência, ainda que mais tarde ele passe a acreditar que aquele era realmente seu destino. E é através de suas recordações que vislumbramos um pouco da extensão do poder da Igreja Católica na Irlanda.

A história é contada de forma não linear, com saltos e regressões no tempo que contribuem para despertar a curiosidade de quem lê: quem é Miles Donlan? O que ele fez? E o que aconteceu em Roma?

Apesar de não entregar o ouro todo de uma vez, Boyne também não nos deixa amargando a curiosidade por muito tempo e, pouco a pouco, por meio de pistas ocasionais, vamos descobrindo os lados mais obscuros da instituição que, por muito tempo, fez da Irlanda algo semelhante a uma teocracia.

Assim ficamos a par da forte influência do catolicismo na vida das pessoas, ditando comportamentos, determinando o que podia ou não ser aceito socialmente, exigindo dos outros um moralismo que seus próprios líderes, por vezes tão misóginos e homofóbicos, não possuíam. Conhecemos também os privilégios da Igreja e a amplidão de sua autoridade, que derruba qualquer obstáculo quando se trata de manter encoberto um de seus segredos mais podres: os abusos sexuais contra crianças cometidos por integrantes do clero.

Com a maestria e sensibilidade já conhecidas de “O menino do pijama listrado”, John Boyne mais uma vez acerta ao criar, a partir da cruel realidade, uma ficção emocionante, de fácil leitura, ainda que com um tema difícil de digerir. Ao nos contar a história de Odran, Boyne nos mostra como os atos criminosos de alguns contribuíram para a perda de prestígio da Igreja e como mesmo os que não eram culpados também não podiam ser vistos como inocentes. Por fim, deixa a reflexão: o quanto de conivência pode existir na ignorância?

“No meu trabalho, ele respondeu, você precisa pensar em todas as pessoas que confiam em você, que deixam as próprias vidas nas suas mãos. Imagine se algum deles se machucasse por causa de um descuido seu. Ou meu. Você gostaria de ter isso na consciência? Saber que foi responsável por tanta dor?”

Por Gabriela Teixeira
gabstaraujo@gmail.com

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