Jornalismo Júnior

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O retrato da Segunda Guerra Mundial por Hollywood

Indústria filmográfica estadunidense utiliza arquétipos de enredo que vendem uma narrativa histórica
Por Thaís Santana (thais2003sc@usp.br)

Desde a última metade do século 20, filmes sobre a Segunda Guerra têm conquistado o público e a crítica especializada em todo o mundo. Principalmente, as produções de Hollywood, tornando as perspectivas dos Estados Unidos sobre o acontecimento predominantes dentro da cultura pop.

Participação dos Estados Unidos na Segunda Guerra

Em dezembro de 1941, um ano depois do início da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América se juntaram aos Aliados (Inglaterra, Rússia e França) no combate. O ingresso no conflito ocorreu após a força aérea japonesa atacar a base de Pearl Harbor no Havaí e destruí-la por completo. 

O presidente dos EUA na época, Franklin Roosevelt, enviou tropas norte-americanas para o combate na Europa. Os estadunidenses mantiveram a política contrária ao nazifascismo, a qual já era diplomaticamente acordada por meio da Carta do Atlântico, assinada por Roosevelt e pelo Primeiro-Ministro inglês.

O drama romântico Pearl Harbor (2001) conta a história de um triângulo amoroso entre uma enfermeira e dois amigos, enquanto utiliza o ataque à ilha do Havaí  como contexto histórico [Imagem: Reprodução / The Movie Database]

Francisco Diemerson, professor adjunto do Colegiado de História da Universidade de Pernambuco, fez um estudo comparativo em sua tese de doutorado entre os filmes sobre a Segunda Guerra Mundial feitos pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos. “Um ponto em comum desses filmes é a transformação da derrota em um símbolo de vitória, como foi o caso de Pearl Harbor, que se tornou um marco para os americanos” , explica o professor. Ele ainda acrescenta que o cinema vai consagrar a ideia de que a entrada dos EUA na guerra deu-se por uma vingança pelo ataque, uma tentativa de combater o mal.

As principais vitórias estadunidenses foram durante a Batalha de Midway em 1942 contra a marinha japonesa, e na Batalha de El Alamein no Egito em 1943 contra o exército alemão. Além disso, o país teve importante atuação na retomada da cidade de Paris, capital francesa, que estava sob domínio de Hitler. Francisco esclarece que como não houveram batalhas no território dos Estados Unidos depois de Pearl Harbor, as produções exploram os conflitos navais e aéreos. 

Outro evento protagonizado pelos EUA, foi o primeiro uso da bomba atômica para o bombardeio das cidades Hiroshima e Nagasaki no Japão. Este não somente resultou na aniquilação natural e humana nos locais, mas também marcou o início da fase nuclear na geopolítica internacional. 

No entanto, esse acontecimento é dificilmente mostrado nas telas de Hollywood. Segundo o professor, “os Estados Unidos reproduzem uma imagem de paz, então é muito raro eles citarem nos filmes sobre as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Muito da negociação pós-guerra também não é mostrada, mas foi uma época em que os EUA estavam tentando expandir sua rede comercial.”

O mais recente sucesso que abrangeu a temática de Segunda Guerra foi o filme Oppenheimer (2023), que trouxe a história do processo de criação da bomba atômica. No entanto, como apontado pelo professor, o ataque em si e suas consequências para a humanidade perdem espaço na tela para os conflitos pessoais e políticos do físico Robert Oppenheimer.

Cillian Murphy interpreta o físico Oppenheimer em longa de Christopher Nolan [Imagem: Reprodução / YouTube / Universal Studios]

A propaganda estadunidense durante e no pós-guerra

O cinema era uma arte fácil de introduzir na vida dos cidadãos americanos durante a Segunda Guerra, o que permitiu aos Estados Unidos usá-lo como forma de propagar ideias. Quando produções com a temática de guerra passaram a estrear em maior quantidade no final da década de 30, havia um modelo de enredo comum dividido em três atos. 

Primeiro, o filme era localizado em um ambiente tranquilo com personagens vivendo suas vidas normalmente. Até que uma tropa estrangeira inimiga invadia o cenário e provocava imensa destruição, para que a parte final focasse nas tentativas heróicas dos personagens de lutar contra esse exército vilão. Essa fórmula funcionava para convencer o público de que havia um propósito glorioso em participar da guerra, no qual os países inimigos seriam antagonistas a serem derrotados.

E um dos nossos aviões não regressou (One of Our Aircraft Is Missing, 1942) apresenta membros das Força Aérea Britânica tendo que retornar para casa com ajuda de civis, após um bombardeio nazista no território holandês [Imagem: Reprodução /IMDb]

Ainda no final dos anos 30, outro artifício narrativo que refletia a posição ideológica do governo estadunidense foram os filmes voltados para outros países do continente americano. Antes de ingressarem na Segunda Guerra Mundial, o cinema dos EUA produziu histórias que alimentavam a “política da boa vizinhança”. 

As obras cinematográficas colocavam seus protagonistas viajando para outros países da América, apreciando suas figuras culturais e pontos turísticos, como forma de mostrar para o mundo o posicionamento pacífico que os Estados Unidos haviam escolhido. Foi o caso do filme Alô amigos (Saludos Amigos, 1942) de Walt Disney, em que os personagens visitam o Peru, o Chile, a Argentina e o Brasil.

O papagaio Zé Carioca aparece ao lado do personagem Pato Donald no filme e representa a impressão que Walt Disney teve sobre os brasileiros ao visitar o país [Imagem: Divulgação / Disney]

Os filmes norte-americanos da década de 40 que abordaram a Segunda Guerra, de modo geral, tinham o propósito de explicitar como estavam as relações políticas do país. Assim como na tentativa de promover uma ideia de cordialidade internacional, as produções difundiram uma ideia de que os Estados Unidos eram um potencial líder no cenário do conflito. O que por sua vez passou a fomentar outro tipo de propaganda:  a necessidade de participar da guerra.

Uma vez que a época da neutralidade acabou, o importante era convencer a população de que lutar pelo país era uma atitude grandiosa. Nessa fase, a coragem e bravura dos soldados passou a ser um ponto essencial nos filmes, o que incentivou o recrutamento dos cidadãos e ajudou a construir uma aparência americana de justiça e integridade, características de um verdadeiro líder.

Casablanca (1942) do diretor Michael Curtiz foi um sucesso de público na época e retrata os romantismos que a indústria cinematográfica fabricou para aquele contexto. De acordo com Francisco, “Durante a Segunda Guerra Mundial, o cinema tinha um objetivo informativo e educacional, inclusive com muito financiamento estatal. Também tinha o fim de manter a moral elevada e incentivar o dever de lutar na guerra.”

Casablanca comove o telespectador ao apresentar Rick Blaine tentando ajudar sua amada a fugir dos nazistas  [Imagem: Reprodução  / IMDb]

A partir da década de 60, no entanto, um novo padrão que duraria até o final dos anos 90 passou a ser estabelecido nas produções. A Segunda Guerra passou a ser colocada como plano de fundo para histórias épicas de ação. Sequências de lutas, explosões e tiros receberam grande investimento, além de enfatizar as mortes em combate e a violência brutal gerada pelos inimigos. Todos esses elementos apelavam para a emoção e a empatia humana do público.

“O pós-guerra vai reforçar a vitória do Ocidente, trazendo novos gêneros que realçam o benefício que ela teve para os Estados Unidos e para a Europa”, acrescenta o professor. Essa nova categoria contribuiu com a construção de uma memória de honra pelos soldados que lutaram na guerra.

A nova abordagem também serviu para destacar o poder militar dos Estados Unidos, que enfrentavam a União Soviética no contexto da Guerra Fria. Um grande marco dessa fase foi o sucesso do filme de Steven Spielberg O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998) que foi um exemplo de como o público e a crítica receberam bem esse novo formato de narrativa.

O longa de Steven Spielberg arrecadou a segunda maior bilheteria de 1998 e conquistou 94% de aprovação da crítica especializada, levando cinco Óscares no ano seguinte. [Imagem: Reprodução/ The Movie Database]

O longa Pearl Harbor (2001), dirigido por Michael Bay, consagrou um novo momento para filmes com a temática da Segunda Guerra Mundial. Da década de 2000 em diante, o principal objetivo para Hollywood tornou-se reafirmar o protagonismo dos Estados Unidos no conflito e engrandecê-lo como potência política, cultural, militar e histórica. 

As questões sociais também vão ser mais trabalhadas nas obras das últimas décadas, como a presença dos negros na Segunda Guerra. Sobre isso, o professor Francisco diz “durante a época da guerra, houveram várias baixas nas leis de segregação racial para que os negros pudessem ser recrutados e o número do exército aumentasse.”

Semelhanças no esqueleto das obras

O professor Francisco aponta em sua pesquisa que o elemento comum entre os diferentes filmes de guerra hollywoodianos é o gênero ao qual eles pertencem. O pesquisador apontou algumas dessas divisões e suas características:

Ação: o principal objetivo do filme é passar o frenesi da guerra, chocar com a violência e provocar adrenalina com intensas cenas de luta. Um filme desse tipo é Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009) de Quentin Tarantino que possui vários outros trabalhos nesse estilo.

Drama: o foco desse gênero é trazer reflexões sobre o horror da guerra, então retratam muito o sofrimento humano e os conflitos morais. Inclusive contar a história de soldados e pessoas atuantes na guerra, como é o caso de Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2016).

Thriller: o sentimento de tensão e incerteza do desenrolar da narrativa são os que mais se sobressaem nesse tipo de filme. Muitos longas mesclam acontecimentos reais com fictícios, colocando o telespectador em dúvida do que poderá acontecer, como no elogiado filme de Sam Mendes, 1917 (2019).

1917 conta com a destreza técnica de reproduzir o filme todo em apenas dois planos-sequência, contribuindo com o clima de suspense [Imagem: Reprodução/ Trailer Universal Pictures]

Ele ainda cita o arquétipo do herói patriota que se sacrifica pela nação e possui o objetivo de fortalecer o sentimento de admiração pelo nacionalismo. Também existe a presença do vilão tirano e autoritário que funciona como um contrastante com o forte ideal de democracia proposto pelos Estados Unidos.  

Os japoneses, por sua vez, tendem a ser retratados com estereótipos, e o professor esclarece: “Por muito tempo, os filmes norte-americanos colocavam a imagem do homem japonês violento, cruel e anti civilização. Foi um dos indícios do preconceito contra pessoas orientais. Atualmente, os filmes tentam amenizar isso, mas essa ideia ainda está lá.”

Há ainda uma fórmula de roteiro muito utilizada: a separação social dos personagens como consequência da guerra. Esse fator garante apresentar o conflito como um destruidor dos relacionamentos entre pais e filhos, casais e irmãos.

Efeitos do cinema temático da Segunda Guerra

As influências provocadas pela guerra vão desde mudanças nas histórias contadas por Hollywood, passam pelo enviesamento de debates históricos até a vida dos cidadãos americanos. O professor coloca que muitos filmes americanos de grande bilheteria e apelo trabalham com elementos que se referem à Segunda Guerra, direta ou indiretamente, o que evidencia que a narrativa contada na perspectiva dos Estados Unidos é quase onipresente.

Como exemplo, Francisco relembra que As Crônicas de Nárnia  O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa (The Chronicles of Narnia : The Lion, the Witch and the Wardrobe, 2005) é um filme que começa com as crianças sendo evacuadas após uma invasão durante a guerra. Mesmo sendo uma história fantasiosa, os personagens conhecem a Feiticeira Branca, que nada mais é do que uma líder fascista.”

Segundo o professor, o perigo da ideia de culto à pátria e de normalizar a guerra como um “mal necessário” afeta as escolhas de vida de toda uma juventude americana: “há relatos de jovens que por conta dessa mentalidade vão lutar em guerras como as do Afeganistão. Aqueles que não morrem, retornam para suas vidas sofrendo com níveis extremos de ansiedade e estresse pós-traumático.”

Além disso, Francisco chama atenção para o fato de que os grandes estúdios ainda mantêm a narrativa fixa de heroísmo nos filmes sobre a Segunda Guerra. “Isso não é um demérito, mas existe menos debate crítico sobre os acontecimentos”, e ele prossegue: “Existe toda uma geração de jovens que não vão se debruçar sobre os livros de história e que irão interpretar a guerra por meio do cinema.”

A conclusão sobre o debate traz o seguinte questionamento: de que forma a perspectiva americana quanto à Segunda Guerra Mundial afetou e permanece afetando um público consumidor das obras de Hollywood? “O cinema possui um poder pedagógico muito forte, mas o que é mostrado não deve ser entendido como a verdade total. É sobre quais escolhas estão sendo feitas e quais narrativas estão sendo contadas” finaliza Francisco Diemerson.

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