“No mesmo dia que aconteceu… no dia 14 de agosto de 2021, às 8 horas e 30 minutos da manhã, no horário do Haiti, eu estava falando com a minha família bem na hora. Na mesma hora eu falei ‘por que você parou de falar?’ e a pessoa respondeu: ‘aconteceu um terremoto agora aqui’”. Esse relato é de Dorismond Jonas, haitiano que vive no Brasil há cinco anos. Assim como ele, milhares de pessoas se assustaram com o dramático desastre natural que, mais uma vez, acometeu o país da América Central.
O terremoto de magnitude 7.2 ocorreu na manhã do último dia 14 e teve seu epicentro identificado a 125 km a oeste da capital do país, Porto Príncipe, conforme informou o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). A agência de proteção civil do Haiti estima que o tremor tenha deixado pelo menos 2.189 mortos e mais de 12.268 feridos.
As autoridades ainda informaram que 2.868 edificações foram destruídas, sendo as cidades de Les Cayes e Jérémie, no sudoeste da ilha, as mais afetadas. Outra consequência do terremoto foi a interrupção da incipiente campanha de vacinação no país, já que as equipes de saúde passaram a priorizar o tratamento dos milhares de sobreviventes feridos.
Equipes de diversos países organizaram operações de resgate nos dias seguintes ao tremor. O Ministro das Relações Exteriores do Brasil informou no dia 19 que o país auxiliará os esforços de ajuda humanitária por meio do envio de bombeiros e de insumos ao Haiti.
Uma ilha sob pressão
O Haiti é localizado em uma região de grande tectonismo — movimento das placas tectônicas na crosta terrestre —, o que o torna palco de uma grande quantidade de tremores de terra. O país concentra-se na placa Caribenha, mas é cercado pelas placas Norte-Americana, Cocos, Sul-Americana e de Nazca. A ilha encontra-se em meio a um grande sistema de falhas geológicas decorrentes do movimento das placas Caribenha e Norte-Americana. O deslizamento de uma dessas falhas, a de Enriquillo-Plantain Garden, causou o desastre mais recente.
A principal diferença entre o abalo sísmico de 2021 e o de 2010 — que matou 300.000 pessoas —, de acordo com o professor do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB), George Sand, foi o local no qual se deu o tremor. Em 2010, ele ocorreu na capital, Porto Príncipe. Por ser uma cidade mais populosa e com maior número de construções civis, os danos e os óbitos aconteceram em grande escala. No ano presente, o hipocentro (ponto no interior da crosta terrestre onde o terremoto se origina) se deu em uma região ao Sul da ilha, que, por ser isolada e menos densamente povoada, permitiu que o número de mortos fosse menor.
Sand explica que a escala Mercalli-Modificada analisa a intensidade dos abalos com base nos danos provocados por eles. Assim, um terremoto de magnitude sete na escala Richter — que mede o deslocamento do solo — no Japão teria uma intensidade entre três e quatro, pelo país ter boas condições financeiras e infraestruturais. No Haiti, o cenário é diferente, a miséria e as crises variadas tornam a intensidade desses desastres mais elevada.
Além dos problemas socioeconômicos enfrentados pela população haitiana, os tipos de construções civis no país aumentam os desabamentos e acidentes quando a terra treme. Muitas estruturas usam concreto, que é mais barato e resistente à tempestades. No entanto, o material não é o ideal para regiões com alta frequência sísmica. As casas e edifícios não apresentam mecanismos de amortecimento adequados. George aponta ainda que, tendo em vista as preparações para os próximos abalos, é necessário maior controle dessas construções e ampliação da educação para os habitantes saberem como agir nesses momentos. Todas essas iniciativas visam mitigar os efeitos destrutivos.
Depois da terra, o ar
Não há relação entre o abalo sísmico e o ciclone tropical — ocorridos respectivamente nos dias 14 e 16 de agosto deste ano —, a não ser o rastro de devastação que deixaram no Haiti. A tempestade Grace despejou chuvas torrenciais e ventos fortes na região da ilha de Hispaniola — onde estão localizados o Haiti e a República Dominicana. O sudoeste do país, parte mais atingida pelo terremoto, também foi a mais afetada pelo ciclone.
Muitas pessoas, desabrigadas pelo terremoto, estavam dormindo ao ar livre e foram ainda mais prejudicadas com as precipitações e inundações. Além disso, as buscas por sobreviventes do tremor de terra foram comprometidas, assim como as ações humanitárias.
O Haiti fica em uma área de instabilidade atmosférica. Uma das fontes dessa tendência são as ondas tropicais, as quais originam em média 85% dos ciclones tropicais intensos no Oceano Atlântico norte e na bacia do Pacífico nordeste.
Entendendo o Haiti
Segundo Fábio Albergaria de Queiroz, pós-doutor em Relações Internacionais pela UnB e professor adjunto da Escola Superior de Guerra (ESG), o Haiti é um caso emblemático na história do continente americano, uma vez que o país foi a primeira república governada por negros e o segundo país do continente a se tornar independente.
“No entanto, mesmo que o Haiti tenha começado sua história independente com ideais progressistas para a época e, igualmente, com feitos notáveis, o país passou por sucessivos quadros de instabilidade política, fragilização das instituições e do Estado de Direito e desastres naturais de grande magnitude que, sobrepostos, em um longo continuum histórico, agravaram cronicamente sua situação”, pontua o professor.
Desde suas primeiras décadas, o Haiti experimentou diversos governos autoritários que se alternavam com golpes. As rupturas constitucionais se sucederam na história do país. Entre presidentes autoritários e ditaduras militares, a população constantemente se revoltava e sofria com a repressão e o freio no desenvolvimento nacional. Destaca-se o governo sombrio do ditador François Duvalier, iniciado em 1957, no qual a opressão era massiva.
Em 1990, enfim ocorreram eleições livres e Jean-Bertrand Aristide foi eleito presidente. Pouco tempo depois, novamente os militares articularam um golpe e levaram o país de volta à ditadura. Temendo que o caos que se instalara no Haiti pudesse ameaçar a segurança regional, a Organização das Nações Unidas (ONU) organizou uma coalizão com o intuito de intervir no país.
Uma das mais famosas intervenções na ilha foi a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), que ocorreu entre 2004 e 2017, sob o comando do Brasil. O objetivo inicial da missão era levar ajuda humanitária, proteger os direitos humanos e restaurar a normalidade institucional no país, após um período de insurgência e a deposição do então presidente Jean-Bertrand Aristide.
Apesar de seu objetivo inicial, a missão recebeu críticas por causa de seus excessos ao longo dos anos. “As intervenções estrangeiras no Haiti têm infelizmente uma longa história e deixaram um passado de desorganização institucional e caos social. A intervenção da ONU iniciada em 2004 foi, de fato, a imposição de um poder estrangeiro pelas armas. As tropas da ONU deixaram um rastro de desorganização e estiveram envolvidas em denúncias de violações, execuções e maus-tratos contra a população”, afirma Everaldo de Oliveira Andrade, professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP).
Andrade ressalta ainda que o regime político haitiano assumiu “características cada vez mais violentas e perdeu a credibilidade política e social”. Dorismond Jonas atesta essa falta de credibilidade: “O plano político no Haiti não existe. Os políticos não ajudam as pessoas, eles pensam para o bolso deles, não ganham as eleições para defender o povo”, critica.
A crise política aprofundou-se principalmente depois das eleições que levaram Jovenel Moïse à presidência. Em 2020, Moïse dissolveu o parlamento após dificuldades políticas, passando a governar por decreto. Em junho deste ano, ele foi assassinado e um governo interino tomou o poder.
O quadro socioeconômico do Haiti é igualmente crítico: o país é o mais pobre da América e apresenta um dos menores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo. O índice tem como base indicadores de educação, saúde e renda. Segundo o ranking divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Haiti ocupa a 170º posição na lista de 189 nações, com um IDH de 0.510.
*Imagem de capa: [Reprodução/Reuters TV]
Lamentável o sofrimento do povo só resta pedir a Deus para dar força e nunca desistir de recomeçar é o momento que a esperança de dias melhores se façam presente com a ajuda de todos.