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Oscar 2019: o avanço da representatividade e a premiação do racismo cordial

O texto abaixo faz parte de um novo projeto experimental da Jornalismo Júnior. Desde a sua primeira edição, em 1929, o Oscar já trazia muito luxo e glamour para reconhecer os grandes destaques do cinema. A premiação, organizada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, entrega uma pequena estatueta aos vencedores, que ainda se mantém …

Oscar 2019: o avanço da representatividade e a premiação do racismo cordial Leia mais »

O texto abaixo faz parte de um novo projeto experimental da Jornalismo Júnior.

Desde a sua primeira edição, em 1929, o Oscar já trazia muito luxo e glamour para reconhecer os grandes destaques do cinema. A premiação, organizada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, entrega uma pequena estatueta aos vencedores, que ainda se mantém praticamente igual.

Com o surgimento da televisão, a popularidade do evento só aumentou. A primeira edição a ser transmitida ao vivo foi em 1953, apenas para os Estados Unidos e o Canadá. 17 anos depois, os brasileiros puderam assistir ao Oscar pela primeira vez, cortesia da histórica TV Tupi. Atualmente, a cerimônia é exibida para mais de 200 países e estima-se que mais de um bilhão de pessoas assistem a premiação ao vivo ou gravada, equiparando-se com grandes eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.

Independentemente de seu alcance e popularidade, o Oscar vem se envolvendo em polêmicas nos últimos anos, principalmente devido à falta de representatividade de negros na premiação. Diversos atores e diretores foram deixados de lado, superados por trabalhos questionáveis de autores brancos, levantando várias interrogações sobre a Academia.

Histórico, #OscarSoWhite e o avanço da representatividade

Direção e produção de Green Book, majoritariamente branca, subiu ao palco acompanhada do elenco para receber estatueta de melhor filme (Kevin Winter/Getty Images)

Desde a criação da premiação, a grande maioria dos premiados foram atores e diretores brancos, sendo que a primeira indicação para um negro ocorreu 11 anos após a primeira edição. Na ocasião, Hattie McDaniel levou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel em E o Vento levou (Gone With the Wind, 1939), única estatueta para alguém negro nas primeiras 34 cerimônias.

Em 1964, Sidney Poitier foi o primeiro afro-americano a levar a estatueta de Melhor Ator, por Uma Voz nas Sombras (Lilies of the Field, 1963). Ele já havia sido indicado para o mesmo prêmio cinco anos antes, por Acorrentados (The Defiant Ones, 1958). Poitier ainda viria a se tornar um grande símbolo do Movimento Negro nos EUA, e seria agraciado, em 2002, com uma estatueta honorária “por suas extraordinárias performances e presença única nas telas e por representar a indústria com dignidade, estilo e inteligência”.

Em seus primeiros 50 anos, foram apenas vinte e duas indicações e três estatuetas para atores e profissionais negros. De lá para cá, foram mais de 100 indicações e mais de 30 estatuetas para negros. Uma cerimônia extremamente representativa foi a de 2002, quando  os Oscars de Melhor Ator e Atriz foram respectivamente para Denzel Washington e Halle Berry, única vez em que ambos estes prêmios foram para atores negros.

Ainda assim, foram 59 premiações sem qualquer indicação para atores negros, e quando isso aconteceu por dois anos seguidos, em 2015 e 2016, houve uma grande onda de protestos carregada pela hashtag #OscarSoWhite. A controvérsia cresceu ao ponto em que alguns atores, como Will Smith e Mark Ruffalo, decidiram boicotar a edição do evento e reabrir a discussão sobre mudanças na estrutura das indicações e dos votos.

Os indicados ao Oscar eram escolhidos por mais de seis mil membros da Academia, um grupo que era formado predominantemente por homens brancos acima dos 50 anos. A polêmica fez com que a Academia prometesse dobrar o número de mulheres e membros que representam a diversidade até 2020 e retirar os votos daqueles que não haviam sido ativos na última década.

Nos anos seguintes, houve uma grande melhora nas indicações e premiações, mas este ano uma nova polêmica surgiu com a vitória de Green Book como Melhor Filme, deixando para trás filmes mais representativos para o movimento negro, como Infiltrado na Klan e Pantera Negra.

Oscar 2019

Vencedores da categoria de melhor ator e atriz: Rami Malek, Olivia Colman, Regina King e Mahershala Ali (Foto: Reuters)

A edição deste ano do Oscar possuiu diversos aspectos que a tornaram única. O filme Roma (2018) fez história por ter sido lançado na plataforma online Netflix e ter levado três estatuetas, dentre elas, a segunda de melhor diretor para Alfonso Cuarón e o primeiro Oscar de Melhor Filme Estrangeiro para o México. A Netflix ainda levou também o prêmio de Melhor Documentário em Curta-metragem por Absorvendo o Tabu (Period. End of Sentence., 2018).

Outros destaques da noite foram a vitória de Lady Gaga no quesito Melhor Canção por “Shallow”, única estatueta de Nasce Uma Estrela (A Star is Born, 2018), e as vitórias de Rami Malek e Olivia Colman nas categorias de Melhor Ator e Melhor Atriz. Além disso, Pantera Negra (Black Panther, 2018) também fez história ao ganhar três categorias: trilha sonora, figurino (o 1º para profissional negro) e direção de arte (1º para uma mulher negra), grande evolução no processo de aumento de representatividade, marcado também pela vitória de Mahershala Ali como ator coadjuvante.

Por fim, deve-se destacar a vitória de Spike Lee no prêmio de Melhor Roteiro Original de Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, 2018). Ainda que tenha finalmente conseguido seu primeiro Oscar “oficial” (Lee ganhou uma estatueta honorária em 2006), o diretor se revoltou ao perder a estatueta de Melhor Filme para Green Book: o guia (2018), virando de costas durante o discurso dos produtores.

Green Book x Infiltrado na Klan, a cordialidade e a acidez incômoda

Spike Lee e Mahershala Ali posam com estatuetas de melhor roteiro adaptado (Infiltrado na Klan) e ator coadjuvante (Green Book) (Frederic J. Brown/AFP)

A categoria mais importante da noite não ficou livre de polêmicas. Reproduzindo o velho clichê hollywoodiano do “negro mágico” e do “branco salvador”, Green Book levou a estatueta ao narrar a história real de Don Shirley, um músico negro bem sucedido que sai em turnê pelo sul dos EUA na década de 60 acompanhado de seu motorista Tony Vallelonga, um ítalo-americano racista.

O conceito do magical negro, no original em inglês, ficou conhecido em 2001 quando Spike Lee passou a utilizar-se do termo para designar personagens negros coadjuvantes rodeados por uma sabedoria mística e criados para redimir o protagonista branco de seus comportamentos racistas. A fórmula é antiga e está presente em clássicos como À Espera de um Milagre (The Green Mile, 1999) e Lendas da Vida (The Legend of Bagger Vance, 2000), citados por Lee como exemplificação do modelo.

Dirigido e produzido exclusivamente por brancos, o filme de Peter Farrelly era o único dentre os 3 indicados que trazia a temática do racismo a não ser dirigido por um negro. Produzido sob uma ótica branca, o filme recebeu críticas por representar a luta negra com um tom apaziguador, onde Shirley é responsável por desconstruir os preconceitos de Vallelonga enquanto este o salva das mais diversas situações, ganhando papel de destaque.

A família do músico apenas foi consultada quando a obra já estava pronta e segundo Maurice Shirley, único irmão vivo do pianista, o personagem criado é uma “sinfonia de mentiras” e a relação de Don e Tony era apenas profissional. Maurice disse ainda que o irmão, ao contrário do que mostra o filme, tinha um contato próximo com a família e a cultura africana, sendo inclusive ativo na luta negra. Carol Shirley, sobrinha, descreveu o filme como sendo “apenas mais uma representação da versão de um homem branco sobre a vida de um homem negro” e destacou que tirar o protagonismo do tio e dá-lo aos feitos “heroicos” de um homem branco é, no mínimo, ofensivo.

Mas o que chamou mais atenção foi a reação de Spike Lee durante o anúncio do vencedor. O diretor, vencedor da categoria de melhor roteiro adaptado e indicado a melhor filme por Infiltrado na Klan, tentou deixar a premiação, mas foi impedido e protestou silenciosamente colocando-se de costas para o palco. Perguntado sobre sua reação, respondeu: “Toda vez que alguém está dirigindo outra pessoa eu perco. Mas em 1989 eu nem cheguei a ser indicado”, referindo-se ao ano em que Conduzindo Miss Daisy (Driving Miss Daisy, 1989), que reproduz os mesmos estereótipos de Green Book ao contar a história de uma senhora judia que reluta em contratar um motorista negro, e posteriormente, desenvolve com ele uma amizade, levou a estatueta de melhor filme. Na ocasião, Lee dirigira o longa Faça a Coisa Certa (Do the Right Thing, 1989), que retratava a tensão racial no Brooklyn, um bairro predominante negro na Nova Iorque de 1980, e não chegou a ser indicado para a categoria de Melhor Filme.

Spike Lee dando as costas ao palco em forma de protesto enquanto os vencedores sobem para receber a estatueta (Reprodução Twitter)

O contraste do vencedor com a sátira ácida de Lee em Infiltrado na Klan é evidente e diz muito sobre como a luta contra o racismo é vista pela academia. Enquanto o primeiro coloca o negro como responsável por desconstruir os preconceitos da sociedade de forma paciente e cordial ‒ muitas vezes aceitando a posição de inferioridade em que é colocado ‒ o segundo retrata uma luta ativa por direitos e alfineta a política atual com referências a Donald Trump, brutalidade policial e às passeatas neonazistas que aconteceram nos EUA em 2017, responsabilizando a população branca pela situação dos afro-americanos, seja ativamente ou por omissão.

Ao premiar Green Book em detrimento de Infiltrado na Klan, o Oscar deixa claro a sua posição: a academia é contra o racismo, desde que a luta seja travada sob os seus termos e não ameace os seus privilégios. A mensagem que fica é de uma premiação que tenta limpar sua imagem investindo em uma representatividade que reforça ideias conservadoras e fortalece a visão da etnia dominante, jogando sobre a população negra a responsabilidade de compreender e conscientizar o seu opressor. O modelo, mais uma vez premiado e legitimado pelo Oscar, mostra que enquanto o clichê do branco salvador e do negro mágico for exaltado, a luta contra o racismo como movimento político organizado seguirá marginalizada, digna apenas de prêmios secundários, onde não ameaça o status quo.

por Amanda Capuano e André Netto
amandacapuano@hotmail.com
andrenetto82005@gmail.com

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