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Para todos os romances que não me representam

Queridos filmes de comédia romântica adolescente, Esta carta é para todos pois vocês são parecidos. Em vários aspectos. Mas hoje eu vim falar só de um, porque não quero que esta carta fique tão longa que vocês fiquem com preguiça de ler. Porque, ah meu Deus, como vocês são preguiçosos. Parece que lhes é muito …

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Queridos filmes de comédia romântica adolescente,

Esta carta é para todos pois vocês são parecidos. Em vários aspectos. Mas hoje eu vim falar só de um, porque não quero que esta carta fique tão longa que vocês fiquem com preguiça de ler.

Porque, ah meu Deus, como vocês são preguiçosos. Parece que lhes é muito custoso criar personagens fora de uma caixinha estabelecida há anos. Qualquer pessoa que não seja branca, heterossexual e rica dá muito trabalho para ser desenvolvida, não é mesmo?

Mas, recentemente, um de vocês me surpreendeu. Para todos os garotos que já amei (To all the boys I’ve loved before, 2018) trouxe um frescor de representatividade digno do seu ano de lançamento, e gostaria que vocês se inspirassem nele.

É claro que não é um filme perfeito, e vou falar sobre isso também. Mas antes vou explicar do que se trata: uma jovem asiática-americana do ensino médio tem o costume de escrever cartas para os garotos pelos quais se apaixona, e guardá-las em uma caixa. Até que, um belo dia, suas correspondências secretas de amor são enviadas misteriosamente e os problemas começam.

Vamos falar da protagonista. Lara Jean Song Covey (Lana Condor) é uma garota gentil, tímida e sensível, que se diverte decorando álbuns de fotografia e ama sua família. Sua ascendência coreana não é motivo de chacota ou estranhamento em nenhum momento da história, e fica claro que, apesar de não se envergonhar de ser asiática, não é somente isso que a define. À primeira vista pode parecer que Lara Jean segue o estereótipo de garota asiática fofa, mas toda a sua personalidade é explicada pela sua história e suas relações familiares.

O filme coloca alguns elementos da cultura coreana de forma sutil, porém marcada. Em uma festa, Lara descobre que seu amigo Peter (Noah Centineo) toma kombucha, uma bebida muito comum no leste asiático. Em outro momento, o garoto se mostra interessado em Yakult, iogurte produzido no Japão. São pequenos momentos que poderiam ser de chacota, mas que são tratados de forma banal no filme. Porque de fato são coisas banais, são apenas bebidas.

Colocar uma garota asiática como protagonista de um filme desse gênero é necessário, porque pessoas com a aparência de Lana Condor sempre são relegadas a papéis secundários ou estritamente relacionados a aspectos étnicos. Brenda Song, por exemplo, se tornou queridinha da Disney ao intepretar London Tipton em Zack & Cody: Gêmeos em Ação (The suite life of Zack and Cody, 2005 – 2008); nesse período, protagonizou Wendy Wu, a Garota Kung-Fu (Wendy Wu: Homecoming warrior, 2006) ─ porque, claro, como uma personagem asiática não falaria sobre artes marciais, não é mesmo?

A ideia não é que a personagem negue totalmente suas origens, mas que elas façam parte da sua construção sem serem reduzidas a esse aspecto. É isso que acontece com Lara Jean: sua ascendência coreana faz parte de quem ela é, mas ela é muito mais do que apenas isso.

Como bom clichê, Para todos os garotos que já amei tem seus problemas. A começar pela escolha de atrizes para Margot e Lara Jean: Lana Condor é vietnamita, Janel Parrish (Margot, a mais velha) é havaiana. As duas são claramente de etnias diferentes, mas isso não foi levado em consideração na escolha do elenco.

Além disso, há um ponto importante em relação aos sobrenomes das irmãs. No livro, as três se auto intitulam Irmãs Song, em homenagem à mãe, descendente de coreanos. Já no filme, em uma das cenas finais, elas se referem a si mesmas como Irmãs Covey. O sobrenome Song quase não é mencionado no filme.

Algumas pessoas questionaram a ausência de homens asiáticos na trama. O portal Bitch Media produziu um artigo ótimo sobre esse ponto ─ basicamente, há diversos filmes com personagens masculinos asiáticos e nenhuma mulher amarela ou marrom, e nenhum deles foi criticado por isso.

O enredo é fofo, mas os personagens secundários são pouco explorados. Josh (Israel Broussard), o ex-namorado de Margot, quase não aparece e, portanto, não tem tempo de cativar os espectadores; há poucas cenas de Lara Jean com a irmã mais velha, de forma que a intensidade do laço que as une não fica devidamente explicitada. Kitty (Anna Cathcart), a caçula, porém, rouba a cena em vários momentos com seu carisma e sua irreverência.

No fim das contas, é um filme sobre uma adolescente que precisa aprender a lidar com seus sentimentos e com os das outras pessoas. Com vários momentos engraçados, várias problemáticas e vários trunfos. Com uma protagonista gentil, que se respeita e que, sobretudo, é uma garota com a qual você pode facilmente se identificar, o filme se encaixa no gênero, mas quebra um de seus principais elementos: uma mulher caucasiana como o centro das atenções.

Comédias românticas adolescentes, por favor, aprendam um pouco com Para todos os garotos que já amei. Para as meninas que não se encaixam no que vocês perpetuam como “padrão”, é muito importante se verem representadas nesses filmes. Porque todas nós queremos os nossos clichês.

Com amor,

Uma garota leste-asiática esperançosa

por Júlia Mayumi
juliamayumi@usp.br

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