A patinação artística pode ser praticada de duas formas diferentes: com rodas e no gelo. Apesar da diferenciação das quadras e dos patins utilizados, os movimentos, a forma que o atleta se expressa e a coreografia junto da música parecem ser semelhantes. A impressão é que basta patinar de uma quadra à outra e executar os mesmos movimentos.
Isso porque as duas tratam da mesma forma de expressão artística. Sabe-se que a patinação no gelo é mais antiga — antes de utilizar lâminas de ferros eram usados materiais como ossos ou madeira.
Apenas nos anos de 1870, James Leonard Plimpton traria algo parecido aos patins com quatro rodas modernos. Após isso, durante o verão, muitos atletas de patinação no gelo passaram a optar pelas rodas, por falta de locais para treinar. Então, alguns movimentos acabaram sendo adaptados, por fatores que, além do tipo de quadra, influenciam algumas das diferenças nas duas modalidades.
Os patins, o preparo e diferenças de movimentos
O patins para gelo contém uma lâmina levemente curvada, com dentes afiados na parte da frente — conhecido tecnicamente como toepick — que são encontrados na patinação artística (nos patins para hóquei não há esses dentes, por exemplo) e ajudam o atleta a diminuir sua velocidade ou executar os movimentos.
Também na parte da frente, o patins com quatro rodas (patins quad) possui um tipo de “freio”, composto de borracha, o qual, assim como o toepick, auxilia a fazer as manobras. Gerson Farnocchi, profissional de Educação Física, que trabalha há 48 anos com a patinação artística e foi professor em cursos do Holiday on Ice (grande espetáculo internacional de patinação), completa que “o patins de roda tradicional também é composto de uma bota bem firme com uma base de alumínio ou aço […] e rodas específicas”.
Sabendo disso, a dúvida que se levanta é se há realmente diferença nos tipos de movimentos dessas modalidades e no julgamento. Sejam mundiais, jogos olímpicos de inverno ou os jogos pan-americanos, percebemos uma grande semelhança na movimentação dos patinadores (trabalho de pés, giros, saltos).
Em entrevista para o Arquibancada, Júlia Balthazar, medalhista de bronze no Campeonato Mundial de 2012, Campeã Brasileira e Sul Americana em patinação artística sobre rodas, explica que, em virtude do tipo de equipamento e pista, os patinadores no gelo não têm atrito contra o chão e adquirem mais velocidade. Então, os atletas da modalidade também não precisam de tanta força para a execução de seus movimentos.
Ela reforça que, por causa da maior velocidade adquirida com a lâmina no gelo, há como executar o salto quádruplo e o desenho no gelo (figuras ou figures), o que não se vê com as rodas. “Os movimentos e a forma de julgamento nos campeonatos também são os mesmos”, confirma. No vídeo abaixo, é demonstrado como o salto quádruplo, quatro piruetas no ar, é executado.
O professor Farnocchi também destaca porque há maior facilidade com a lâmina em comparação com as rodas: “A lâmina facilita mais neste aspecto porque só a curva da lâmina que estará em atrito com o gelo, ao contrário das rodas que terão de ser posicionadas interna ou externamente para execução com uma certa dificuldade”, como o uso das rodas de trás.
Já em relação ao preparo, Júlia, que também fez parte da Comissão Técnica que esteve no Campeonato Mundial, ocorrido entre setembro e outubro deste ano em Assunção, Paraguai, afirma que tem todo um preparo físico antes da competição, com o patins, com aulas de expressão corporal.
Quando questionada sobre o que é necessário para a execução dos movimentos, ela disse que também destacou a importância da força. “Além de equilíbrio, os patinadores precisam de concentração e uma ótima coordenação motora física, pois precisam executar muitos movimentos diferentes ao mesmo tempo. Além de força. Patinadores sobre rodas, apesar da sua grande maioria ter uma estatura baixa, são muito fortes”, ressalta.
E um atleta olímpico poderia ser bom nas duas modalidades então?
Júlia acredita que um patinador no gelo também consegue patinar com rodas, mas é mais difícil do que o contrário, pois ele precisa de mais força para a execução dos movimentos — o que entra na questão do baixo atrito do gelo, o que requer menos força. Além disso, Farnocchi diz que “o patinador do gelo sente alguma dificuldade por causa do movimento dos amortecedores que movem as rodas para os lados”.
E realmente existem atletas bons nas duas modalidades, dedicando tempo separadamente a cada uma delas. Dentre eles, temos uma representante mirim, que foi medalha de prata no mundial de patinação sobre rodas no Paraguai, Maria Joaquina e tem como objetivo participar do Jogos de Inverno em 2026. De acordo com Farnocchi, há também o Eduardo Marques que se mudou para o gelo ganhando destaque internacional como astro do Holiday on Ice.
No entanto, o professor alerta que qualquer atleta enfrentará dificuldades em se adaptar a um novo cenário esportivo. O que se pode concluir é que o patinador pode trocar as quadras pelo gelo, porém, terá tempo apenas para uma modalidade — o que o deixará “enferrujado” em uma delas. Isso torna impossível praticá-las a nível competitivo simultaneamente, já que, apesar das semelhanças, tanto em julgamento, como em expressão artística, são duas competições separadas.
Ranking Mundial
Talvez essa seja a maior diferença entre as duas modalidades. Na patinação no gelo, há a predominância de países com clima temperado. Os atletas em destaque nos últimos campeonatos mundiais são do Japão, EUA, Rússia, os quais têm inverno mais rigoroso, propiciam a prática do esporte.
Já a patinação sobre rodas, que ainda briga para ser um esporte olímpico, diferentemente de sua “prima” do gelo, tem um quadro de países com climas mais variados. De acordo com os resultados do último campeonato mundial, ocorrido no Paraguai, há o predomínio da Itália nesse esporte, mas também a presença de países como Argentina e o próprio Brasil, com representantes entre os melhores da competição.