Felipe Maia
Após ver o filme pela segunda vez num dia só, por mero acaso, aliás, fiz uma breve enquete entre amigos. Aquela pergunta de sempre: o que achou do filme? Talvez tenha sido apenas entre as minhas amizades, mas a resposta geral não era favorável à nova fita de Claude Chabrol. O francês, que tem longa estrada no cinema como diretor e roteirista, parece não ter convencido a platéia em Uma Garota Dividida em Dois (La Fille Coupée en Deux). Contudo, assim ele fizera quando iniciou o chamado Nouvelle Vague: movimento do cinema que, em sua essência, transgredia, por meio de obras autorais, as regras até então impostas.
Os tempos são outros, e o filme também. Uma Garota Dividida em Dois tem como protagonista Gabrielle Aurore Deneige — um nome pertinente para uma garota do tempo e para o desenlace de toda a história. Interpretada pela belíssima Ludvine Sagnier, Gabrielle se apaixona pelo escritor mais velho Charles Saint-Denis (François Berléand). Casado, mas nem por isso morto, Charles topa a aventura como algo casual. Do outro lado, Gabrielle é cortejada por Paul Gaudens, um mimado que chupa dedo e consegue tudo o que quer.
É um enredo até certo ponto bem simples. Felizmente, é noutro ponto em que as coisas mudam de figura e o filme deixa de querer ser uma tragicomédia mexicana para ser algo mais consistente. Aí ganha força o personagem de Benoît Magimel, Paul, que centra sua atuação em mínimos detalhes do corpo e fala. Ludvine, que desponta como a xodó do cinema francês, faz valer seu papel como a menina que pensa ser gente grande, mas é enganada por todos como criança.
Aí se encontram o convecimento de Chabrol e a ludibriação, cerne de seu roteiro. E aí ocorre o desencontro do filme.Chabrol não convence o público com suas críticas à burguesia francesa e desnudando o comportamento dissimulado a là français. Ao mesmo tempo, Chabrol faz o espectador crer num triângulo amoroso, enquanto a história vai além do ménage a tróis e diz respeito a muitas outras personagens.
Indiscutivelmente, o que merece respeito é o trabalho de Chabrol com os planos-sequências. São muito interessantes as tomadas da cidade de Lisboa ou os jogos de espelho — postos nas horas certas. Nesse bonde vem junto a edição de Monique Fardoulis — que já trabalhara com Chabrol em A Comédia do Poder — : a montagem é precisa; os cortes secos foram muito bem aproveitados; sem dúvida foram detalhes que mais chamaram a atenção no filme.
Essa exatidão é constatada no andar da película, que pode até não agradar a todos, mas não torna a estada na sala de cinema algo insuportável. Nesse sentido, o filme consegue passar o que para ele fora pensado. Não foi o que ocorreu para Chabrol. Fica explícito que, por não incorrer num trabalho mais autoral, ou por preferir algo mais digerível, o diretor se confunde naquilo que intenta mostrar. A última cena é um exemplo claro disso: não é a cena final. Poderia estar em qualquer lugar do filme. Mas vá saber…