Jornalismo Júnior

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Política, entre o amor e o ódio

Sair de casa, hoje, é difícil. É difícil saber se a pior opção é tomar algum veículo ou ir a pé. As ruas estão cheias. Pelas calçadas, a quantidade de panfletos cheios de cores, nomes e números é avassaladora. Demorando bem mais que o normal, chega-se naquele lugar. Muitos costumam lembrar da infância agora. Porém, …

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Sair de casa, hoje, é difícil. É difícil saber se a pior opção é tomar algum veículo ou ir a pé. As ruas estão cheias. Pelas calçadas, a quantidade de panfletos cheios de cores, nomes e números é avassaladora. Demorando bem mais que o normal, chega-se naquele lugar. Muitos costumam lembrar da infância agora. Porém, o assunto de hoje é nada infantil. Ou não deveria ser, pelo menos.

O lado de dentro do prédio é amplo. Muita gente anda para lá e para cá. Eventualmente se reconhece algum rosto, os cumprimentos, mera formalidade. Ao chegar na sala é preciso cumprir com todos os protocolos. Nome. RG. Assinatura. O de sempre.

Enfim, chega a hora mais íntima do dia. Ninguém atrapalha esse relacionamento com aquela caixa branca tão importante. A urna chama atenção com seus botões grandes, alguns coloridos. Os dedos teclam. O peso dos dedos aí talvez seja maior do que o peso de qualquer outra parte do corpo. Confirma. O barulhinho de sempre toca. Agora, o futuro à votação pertence.

Mas, porque nós votamos em quem votamos? Cada vez mais, no Brasil, a política mostra-se com um papel preponderante na vida das pessoas. Cada vez mais pessoas se preocupam com ela, estudam-na e dão opiniões sempre que possível. Tem gente que defende políticos até como se fossem parte da família.

Então, entrevistei três especialistas que tentam explicar como funciona essa relação entre um indivíduo e uma figura política. De onde surge o ódio. De onde surge o amor. Assim por diante.

Primeiramente conversei com Antonio Euzébios Filho, estudioso na área de psicologia e política e psicologia social. Depois falei com André Oliveira, estudioso de psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento humano. Por último, ainda entrevistei Luciano Sewaybricker, também estudioso de psicologia social e organizacional. (As respostas seguem a fonte dos respectivos entrevistados)

Seguem, agora, as entrevistas:

1- Qual a principal diferença entre como nos relacionamos com as pessoas próximas e as pessoas políticas?

Sobre as perguntas um e dois há uma discussão muito intensa né? A primeira diferença perceptível é que com pessoas públicas, no geral, nós não as conhecemos de verdade. Nós só sabemos, em grande parte, o que elas permitem que a gente saiba. Então não dá para julgar ela com tanta precisão quanto alguém que eu vejo olho a olho.

Porém, muitas vezes, não há tanta diferença assim. Vamos pensar num cenário eleitoral. Você quer angariar votos a partir de uma identificação emocional, porque a identificação emocional é o que caracteriza uma relação na vida privada, por exemplo uma amizade.

Um fenômeno que ocorre muito na política atual é o da “pessoalização”. Ou seja, hoje em dia, preocupa-se muito mais com o político como pessoa do que com suas propostas. Então eles utilizam-se muito dos discurso e da propaganda para se mostrar com alguém ideal para aquele cargo, sem demonstrar muitas razões políticas para isso.

Aqui num cenário de fragmentação das pautas, do coletivo, é onde surge o salvacionismo, ou o populismo. Aí as questões pessoais e políticas tendem a não se distanciar. Você tem a relação de adoração ou fanatismo como se estivesse amando alguém ou apaixonado por alguém.

Então, para a sua pauta, acho que vale mais a pena estudar o Sérgio Buarque de Holanda do que precisamente um psicólogo. Por mais que a obra dele ainda seja debatida, ali tem uma sacada muito interessante sobre a esfera pública e a esfera privada. Segundo ele, quanto mais madura é uma democracia, mais clara é a distinção entre as duas esferas. 

Ou seja, aquilo que é meu e aquilo que é  de todos. Já em uma sociedade com pouca experiência democrática, a tendência é esses dois espaços se misturarem, e portanto, o indivíduo age no espaço público como se fosse no espaço privado. E fica bravo quando alguém reclama disso ou quando alguém age da mesma maneira sem que isso o beneficie, ou seja, o espaço público vira um espaço de disputa de usos particulares, ao invés de um espaço onde você constrói uma ideia de comunidade.

2- O relacionamento de alguém com uma pessoa pública do entretenimento (atriz, apresentador, músico) pode apresentar alguma diferença do relacionamento com uma figura política?

O principal fator diferencial é que as figuras políticas apresentam opiniões e características que são mais divisivas. Nós nos preocupamos mais com quem eles são. Já no caso de um cantor ou uma atriz, nós geralmente nos relacionamos com eles através da arte que eles produzem, que muitas vezes é neutra. Então eles não geram essa divisão emocional, a gente se preocupa menos com quem eles são e mais com o que eles fazem.

Agora, uma relação de adoração, ela tem características comuns em qualquer relacionamento, seja eu adorar meu amigo, meu namorado, uma adoração no sentido mais ou menos que o Freud trata, como hipnose, também em relação com um ator ou um político. Se a interação é baseada nisso, tem algumas características comuns aí, em torno dessa hipnose, do líder com o liderado, ou do sujeito que tem uma superioridade afetiva em relação ao outro numa relação de namoro.

3- Como os políticos tentam influenciar a opinião pública a seu favor?

Geralmente através dos meios que a gente explorou na pergunta um. Eles tentam se mostrar como uma boa pessoa, aquela que seria ideal para o cargo. Por isso as campanhas que mostram o candidato fazendo boas ações e efetivamente trabalhando são tão comuns. É uma questão do caráter dele, muitas vezes sendo mais importante do que mostrar aptidão para vaga.

Mas evidente que todo mundo sabe, o político profissional sabe disso, que o que está presente em todas as campanhas eleitorais, o elemento afetivo, é importante. A identificação, o convencimento é importante. 

Ele (William Reich, o pensador que André estuda) faz as mesma perguntas que você. Por que as pessoas escolheriam Hitler sendo que no fim das contas ele iria de encontro com o interesse dessas mesmas pessoas? Aí ele vai mostrar que o indivíduo que não foi preparado para o pensar político, ou seja, aquele que não teve acesso a uma boa educação, que não teve acesso a uma formação que o ajude a compreender o mundo, ele vai ficar sempre preso a pessoas que conseguem convencê-lo que são capazes de fazer isso por ele.

É importante que você eleja adversários. Dirija afetos negativos para seu adversário também, mas é necessário que você identifique adversários. Mesmo que seja uma crise abstrata. Corrupção, no abstrato, por exemplo. Se você dirige você cria um grupo que se desprende contra alguma coisa ou que quer construir alguma coisa.

4- Como elementos biológicos (etnia, gênero, idade, por exemplo) influenciam na percepção do político pelo público?

Na nossa sociedade atual, esses aspectos biológicos tornaram-se também questões sociais. Então, quando trata-se de política, as pessoas que pertencem a uma minoria geralmente querem formar sua base eleitoral dentro dessa minoria. Portanto seu discurso já é em grande parte alinhado com o que elas esperam. Da mesma maneira, quem já teria algum problema com certo aspecto biológico, já é predisposto a não gostar da pessoa como na vida política.

Mas vale lembrar que não existem raças humanas. Os fatores biológicos só são diferenciais na cabeça de alguns porque isso foi criado historicamente na sociedade. Para você ter uma noção, nós temos somente 3% de diferença genética para o chimpanzé. Então é necessário tomar cuidado com afirmações categóricas pois elas são muito perigosas intelectualmente.

Mas é óbvio que tem que fazer uma leitura. Que que ele [um político] quer? Juntar todo mundo?  Patrão e empregado, homem e mulher, eles propõem um pacto social? Então você tem que trabalhar em todas essas frentes. Ou não, você quer cativar sua base, que é uma base suficientemente representativa para te eleger, por exemplo. E contra outras pessoas. Então, políticas de gênero serão diferentes nesses dois casos. 

Você gerenciar crises humanas, digamos assim, nas questões de etnia, raça, transgênero, é fundamental no debate político. Por causa dos movimentos contestatórios, que colocaram isso em pauta, não porque há uma bondade de um grupo de políticos, ou coisa do gênero, em pautar isso.

5- Psicologicamente falando, porque há pessoas que se interessam tanto por políticos específicos? (Às vezes muito mais do que a política em si)

O Reich disse que a psicologia não explica a política. Ela tenta compreender como funciona a psique do indivíduo. Mas ela dá elementos interessantes para a sociologia ir mais a fundo no estudo de como os indivíduos interagem entre si. 

Eu vejo que essa relação, digamos obsessiva com a política, tem aumentado mas não é a maioria. Há, do ponto de vista estrutural, uma crise profunda de representatividade, um desmoronamento das identidades coletivas. Como alguém caindo de um barranco, por estar caindo, nessa situação de desalento, segura no que aparece. A raiz de uma árvore, se servir para ele se segurar, ele vai começar a puxar cada vez mais forte para se salvar, mas essa raiz pode estourar facilmente e ele pode continuar caindo, então ele teria que procurar outra coisa para se segurar.

6- O sistema político pode influenciar nessa relação entre público e político?

Claro que falar em maturidade democrática é muito perigoso. Porque isso pressupõe uma linha de evolução onde tem a pior e a melhor. E a vida não é tão simples assim. A vida é mais complexa. A questão a se perceber, eu acho, é que o sistema político não é único. Quando a gente fala em parlamentarismo, há vários modelos de parlamentarismo. Ainda que você tenha o mesmo modelo, dependendo de como ele foi implementado, há diferenças muito fortes. Fora os jogos culturais que já existiam antes da implementação do modelo democrático, por exemplo, que afetam profundamente como essa democracia vai ser lida. 

Eu não entendo tanto da diferença entre sistemas políticos, mas certamente o principal fator de diferenciação na relação cidadão-político é o quão pessoal ela pode ser. Se o sistema permite uma abertura maior para essa relação nominal, as relações tornam-se mais intensas.

7- Por que alguns políticos são tão odiados? No geral, o que eles costumam fazer para receber esse ódio? (Aqui vale citar a Margaret Thatcher, por exemplo)

Primeiro temos que lembrar do que eu já falei do fenômeno de “pessoalização” da política. Tendo isso em mente, dizer que gosta ou não do Lula diz muito sobre mim. É mais do que minha posição política. É quase um meio de saber com quem eu devo ou não socializar, é uma característica minha.

Hoje não se discute projetos, se discute pessoas, se busca o bom gestor, aquele cara de pulso firme, que sabe dialogar, e quando você entra nesse debate pessoa e não nesse debate projeto, você deixa de ver o Lula como uma indivíduo, e vê ele como uma figura histórica que se corrompeu, o que também vai muito além da personalidade dele.

No caso do Lula você se sente traído. A gente se sentiu traído. O ódio vem muito dessa ideia. Nossa, eu achei que ele não ia roubar, pelo menos. Claro que tem toda uma narrativa que ele roubou isso… tem toda uma narrativa que pega. Uma que penetrou no pensamento das massas. A grande mídia difunde isso, assim como difunde todo dia que tem que passar a reforma da previdência. Então você tem um sujeito que achei que não ia roubar, roubou, achei que ia fazer alguma coisa pelos pobres, não fez tanto assim, é um traidor. E aí você tem ódio do traidor.

8- Por que alguns políticos são tão amados? Como o populismo funciona psicologicamente falando? (Aqui vale citar, por exemplo, o amor que as pessoas sentiam pelo Vargas)

Nessa situação de pouca maturidade democrática o que acontece é que você acaba pensando política fora de discussões políticas, ou seja, fora de um jogo de como gerir o espaço público. Esse, portanto, acaba virando um espaço onde você vai jogar suas ideias pessoais mais do que discutir coletivamente o que você pensa. Por isso nessas democracias menos maduras essas figuras populistas têm um poder tão grande.

O que seriam essas figuras populistas? Seriam as figuras com as quais os indivíduos têm uma identificação imediata que não passa por um cuidado de pensar o espaço público como um lugar de relacionamento com o outro que é diferente de você.

Seguindo na lógica da [pergunta] anterior, um político é amado justamente por aquilo que ele representa para cada indivíduo. Amar o Bolsonaro e amar o Lula são duas coisas completamente diferentes. E ambas dizem muito sobre mim.

Então, eu tomo isso como bandeira, como algo que me define tanto quanto minhas roupas ou meus trejeitos. Então, os políticos tem que saber agitar esse tipo de sentimento de identificação para poder gerar afeto.

Vamos pegar como exemplo dois afetos elementares, clássicos da psicologia das massas: o medo e a esperança. Se você tem esperança que alguma coisa vai mudar efetivamente, em um momento histórico que materializa possibilidades, você pode se agarrar nisso. Evidentemente sobre outras bases éticas. Ou pelo medo. Você pensa “nossa, minha família está sendo ameaçada, estou caindo do barranco. Esse cara [o político], justamente, fala que ele defende a família. É esse o cara”.

9- Como alguém como Bolsonaro pode gerar uma polarização tão grande entre amor e ódio na sociedade?

O ódio e o amor na política são muito inconstantes porque eles não estão presos em discussões que dão profundidade a essa relação com a figura política Eles estão presos nos jogos de propaganda.

Quando saíram uma série de telefonemas sigilosos do Aécio Neves, meus alunos, já adultos, ficaram mais surpresos com o fato de que ele falava muito palavrão do que com o que ele efetivamente fazia. O jogo político é complexo, envolve negociação entre os diferentes e isso foge da simplicidade com que muitas pessoas enxergam a política.

Não é o Bolsonaro que gera ódio ou amor. O Bolsonaro, o próprio Lula, e essas figuras populistas, eles sabem navegar esse universo de despreparo da democracia. De um grupo de pessoas que está mal preparado, que não entende tão bem como funciona um sistema político. E que, portanto, vê numa liderança específica uma espécie de solução para que eles possam seguir. E aí, quem sabe navegar nesse lugar acaba se saindo melhor, de maneira que não importa tanto o que eles falam, importa mais a identificação que eu tenho com eles.

Apesar da gente viver uma crise de representatividade, ela não elimina focos importantes de polarização. Não como em outros momentos históricos em que essa polarização era econômica. A pauta de costumes é uma pauta de polarização, a pauta de sexualidade também. Quando você tem uma situação de polarização, você tem uma conjuntura de desgaste, desgaste nas relações, desgaste emocional, e pressupõe um ataque permanente a essas duas coisas. Aqueles que têm a esperança de ter reconhecida a sua sexualidade e outros que têm medo que a sua família seja destruída, que seu filho seja gay, algo do gênero. Aí você tem um cenário com figuras que representam a luta pró-LGBT e outros que representam a luta contra esse inimigo externo.

Os tópicos que ele aborda são direcionados, de certa maneira, a um público que ele busca agradar. Então ele gera essa divisão natural mesmo, entre os que estão com ele e os que estão contra ele. Novamente, isso torna-se muito mais pessoal do que político. Até espera-se que as pessoas ajam de certa maneira de acordo com o lado do espectro que elas estão.

O Bolsonaro, por exemplo, gera a imagem do cidadão de bem. Ele tem seus pressupostos religiosos, sociais e econômicos. É quase um modelo de pessoa para cada espectro político. Aí vem de novo a pessoalização da democracia atual.

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