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Quando o céu rachou com um Raio: 10 anos do ouro de Bolt no Mundial de Atletismo

Entre lesões, rivais à altura e altos riscos, Usain Bolt mostrou que a verdadeira vitória vem da superação

Por  João Pedro Teles (joaoteles@usp.br)  Maria Luisa Lima (malulima21@usp.br)

Em 2015, Usain Bolt se consagrou definitivamente como uma lenda no atletismo mundial ao conquistar o ouro no Mundial de Atletismo de 2015, realizado em Pequim. Contudo, a jornada até aquele triunfo foi tudo, menos tranquila. Ao enfrentar adversidades como lesões, dúvidas sobre sua condição física e a ascensão de rivais poderosos (como Justin Gatlin), o jamaicano mostrou ao mundo que a verdadeira grandeza não se mede apenas em velocidade, mas também na capacidade de superar desafios. 

Naquele momento histórico, o “Raio” cruzou o céu esportivo mais uma vez e eternizou o seu nome mais uma vez na memória do esporte. Bolt provou que, mesmo diante das tempestades, o brilho de um relâmpago pode ser ainda mais forte. 

 O garoto descalço mais rápido da vila

Nascido no pequeno distrito de Sherwood Content, localizado na paróquia de Trelawny, na Jamaica, Usain St. Leo Bolt era apenas um menino comum, que passava boa parte do tempo correndo com amigos nos campos e estradas de terra de sua vila, uma brincadeira que mais tarde se tornou a base para sua brilhante carreira no atletismo. 

Ainda que Bolt adorasse futebol e cricket durante a infância, sua velocidade natural não passava despercebida. Os professores da Waldensia Primary School, a escola em que  estudava, foram os primeiros a enxergar seu potencial no atletismo. Ele começou a participar de corridas escolares e logo  chamou a  atenção por sua habilidade em correr mais rápido com muita facilidade. Seu talento bruto intrigava a todos ao seu redor.

Na adolescência, ingressou na William Knibb Memorial High School para continuar seus estudos. Foi nesta escola que ele começou a levar o atletismo mais a sério, sob a orientação de seu professor e treinador inicial, Pablo McNeil, um ex-atleta olímpico jamaicano. Pablo percebeu que Bolt possuía um talento extraordinário, embora muitas vezes fosse difícil mantê-lo focado nas competições, já que Usain era um jovem despreocupado, com um comportamento descontraído e um gosto por brincadeiras. Ainda assim, McNeil persistiu, ensinando os fundamentos do atletismo e incentivando o jovem a competir em competições colegiais.

A ascensão no cenário nacional

A virada na carreira do jovem velocista começou em competições escolares, como o  Campeonato Inter-Secondary School (CHAMPS), na Jamaica. Bolt encantava o público com seu desempenho dominante, quebrou recordes em eventos juvenis e estabeleceu o início de sua lendária reputação. Uma vitória memorável foi nas competições juvenis de 2001, na qual ele cravou um tempo impressionante(21s 81) nos 200 metros, prova que viria a ser a sua favorita.

Esse desempenho chamou a atenção de treinadores e dirigentes esportivos jamaicanos, que acreditavam que Bolt poderia se tornar um dos maiores velocistas do país. Aos 15 anos, ele foi selecionado para competir no Campeonato Mundial Juvenil de Atletismo em 2002, realizado em Kingston, Jamaica. Apesar da pressão de disputar em casa, Bolt dominou a prova de 200 metros, conquistando a medalha de ouro e tornando-se o atleta mais jovem a ganhar um título mundial juvenil de atletismo. O grito da torcida jamaicana vibrava no estádio, e o garoto aclamado como “tajalápis” (“raio”) começou a ser reconhecido mundialmente.

Primeiros obstáculos: lesões e adaptação

Após o sucesso inicial, Bolt teve que aprender a lidar com as lesões frequentes que marcariam sua carreira. Entre 2004 e 2005, ele sofreu múltiplas contusões nos músculos isquiotibiais e nas costas devido à sua escoliose . Apesar de já ter mostrado ao mundo seu potencial, Usain passou a ser questionado por críticos e especialistas, que acreditavam que ele não conseguiria manter-se saudável tempo suficiente para brilhar entre os melhores.

Outro desafio foi a transição para o treinamento profissional exigente. Bolt era visto pelos treinadores como alguém talentoso, mas com um comportamento despreocupado. Ele precisou mudar sua mentalidade para encarar treinos rigorosos e competições consecutivas. A reviravolta de sua mentalidade aconteceu quando começou a trabalhar com o técnico Glen Mills, em 2005. Mills, conhecido por sua capacidade de transformar grandes talentos em campeões, ajudou Bolt a levar os treinos a sério, refinar sua técnica de corrida e se preparar mentalmente para a pressão do cenário mundial.

Em entrevista ao Arquibancada, Rita de Cássia Ferreira Silva, corredora das provas de 400 metros e 400 metros com barreira do Clube Pinheiros, revelou que sua maior inspiração no atletismo é Usain Bolt: “A história dele das Olimpíadas de Pequim até o ano de 2016 impactou na minha trajetória como atleta.”

A Explosão no Cenário Internacional

O trabalho duro deu frutos rapidamente. Bolt estreou em competições globais como os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, mas foi prejudicado por lesões e eliminado nas fases iniciais. No entanto, ele não desistiu. Em 2007, após anos de preparação e amadurecimento sob a tutela de Glen Mills, Usain começou a competir nos 100 metros rasos, além dos 200 metros, sua prova favorita até então. Nesse mesmo ano, ele conquistou a medalha de prata no Campeonato Mundial em Osaka, sinalizando que estava pronto para competir com os melhores velocistas do mundo.

A história mudou completamente em 2008, nos Jogos Olímpicos de Pequim. Foi lá que Bolt entrou oficialmente para o rol das lendas do esporte ao conquistar três medalhas de ouro (100m, 200m e revezamento 4x100m), quebrando os recordes mundiais das três provas e encantando o público com sua performance dominadora e carismática. Ele correu os 100 metros em incríveis 9.69 segundos, desacelerando nos metros finais para comemorar antes mesmo de cruzar a linha de chegada. Após a vitória, fez pela primeira vez a icônica comemoração do ‘’raio’’ com as mãos, símbolo que viraria marca do atleta e símbolo de sua velocidade e sua personalidade divertida e descontraída.

“A maneira como agia dentro das provas, dentro da pista, a postura dele em si competindo me inspirou”

Rita de Cássia, sobre a resiliência de Usain Bolt

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Usain Bolt na liderança da prova de 100m nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 [Imagem: Reprodução/SeizureDog/Wikimedia Commons]

Pequim foi apenas o início. No próximo ano, Bolt seria ainda mais impressionante durante o Campeonato Mundial de Atletismo, em Berlim. O jamaicano não apenas repetiu a façanha ao vencer as três provas, como também estabeleceu novos recordes mundiais. Nos 200m, com o tempo de 19,19s, e nos 100m, ao atingir 9,58s, o “Raio” quebrou a marca anterior com uma diferença de 0,11s, a maior margem de melhoria já registrada desde o início da cronometragem eletrônica.

Após isso, Bolt não parou mais e fez história outra vez, nas Olimpíadas de Londres em 2012. Pela segunda vez consecutiva, Usain Bolt brilhou ao conquistar três medalhas de ouro nos 100m, 200m e 4x100m, tornando-se o primeiro atleta da história a defender com sucesso os títulos nas duas provas de velocidade em Jogos Olímpicos. Sua supremacia não ficou restrita às Olimpíadas: o jamaicano repetiu, novamente, o resultado no Campeonatos Mundiais de 2013, recebendo, no fim da temporada, o título de Atleta do Ano pela IAAF pela terceira vez consecutiva, e a quinta no total.

O professor de atletismo Vitor Candido Ferreira explicitou ao Arquibancada o diferencial de Bolt: a questão biomecânica. “Por ser um atleta longilíneo (pernas longas, tronco curto) e pela potência muscular, ele desenvolve o pico de velocidade e mantém. Então, nesse caso, enquanto seus adversários chegam perdendo velocidade, ele chega mantendo. Por isso, saíram esses resultados assombrosos”, afirma o professor.

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Gráfico referente aos tempos de Bolt na categoria de 100m entre os anos de 2007 até 2014 [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

2014 – O Ano do Retrocesso 

Após anos de dominância, 2014 foi desafiador para o atleta. Diversas lesões e problemas de saúde limitaram sua performance e participação nos torneios daquele ano. 

Já no início do ano, ele sofreu com uma contusão grave no tendão posterior da coxa, lesão que já havia ocorrido anteriormente quando mais jovem, que o afastou das principais competições durante o primeiro semestre. Posteriormente, ainda no primeiro semestre, ele viria a ter que operar o pé devido a uma lesão na região. Além disso, havia rumores na época que os problemas relacionados às costas (escoliose) estavam complicando a sua recuperação. 

Por conta desses problemas, Bolt competiu em apenas uma prova oficial em 2014: a corrida de exibição em Varsóvia. Apesar de sair vencedor, poucas semanas depois viria a público, por meio de seu treinador, anunciar que desistiria do restante da temporada de 2014. Glen Mills disse que era o momento adequado para parar enquanto ele está com saúde e livre lesões, visando a preparação para a temporada de 2015. 

Vitor comentou sobre o teor imprescindível que o apoio tem para os atletas alcançarem esses grandes feitos: “hoje em dia lesões acabam não sendo fatores que impactam tanto quando o atleta tem uma rede de apoio boa, como preparador físico, fisioterapeutas, médicos, psicólogos”. Ele também reiterou que essa rede é muito importante para esses atletas voltarem bem, às vezes quase na mesma forma do que quando pararam.

Durante esse período, novos atletas começaram a surgir no espaço deixado por sua ausência, principalmente, o americano Justin Gatlin que já havia sido campeão olímpico, em 2004, e voltava ao alto nível após suas suspensões por doping. Gatlin dominou o ano de 2014 ao vencer diversas provas de 100m e 200m daquela temporada.  O que o estabeleceu como favorito para derrotar Usain Bolt no mundial de 2015.

O americano Justin Gatlin durante a preparação para a corrida de 100m em Beijing [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Esse momento de inconstância de Bolt, juntamente com a elevação do nível de outros atletas, gerou questionamentos acerca de seu futuro. Muitos críticos ponderavam se ele conseguiria recuperar seu nível ou já não seria mais o melhor velocista do mundo. 

2015: ‘’O retorno do rei das pistas’’

Após a temporada conturbada de 2014, todo o planejamento de Usain Bolt foi estruturado para que ele pudesse se recuperar das lesões sofridas em 2014, alcançar sua melhor forma física e técnica e estar em condições ideais para disputar o Mundial de Atletismo em Pequim, que ocorreria em agosto daquele ano. Sua equipe, ainda liderada pelo técnico Glen Mills, seu técnico há mais de 10 anos naquele momento, adotou uma abordagem estratégica e progressiva, que envolvia fortalecimento, ajustes biomecânicos e foco na recuperação muscular.

Durante os primeiros meses, Bolt focou nos treinos e competições locais para retomar sua forma física e confiança. Foi apenas em junho de 2015 que voltaria a participar de uma corrida internacional novamente, na IAAF World Challenge – New York Grand Prix. Embora tenha vencido a competição de 200m, foi um desempenho bem abaixo de sua forma ideal. Posteriormente, em julho, ele competiria internacionalmente pela segunda vez:, a Sainsbury’s Anniversary Games, em Londres. Novamente, o ‘’Raio‘’ venceu e, dessa vez, com um tempo muito melhor do que anteriormente, o que demonstrou uma evolução em seu treinamento. 

Foi quando chegou a competição que todos esperavam, O Mundial de Atletismo, que ocorreria em Pequim. Era a maior competição do ano, o local em que finalmente ocorreria o embate entre Usain Bolt e Justin Gatlin, pelo topo do atletismo.

O atleta jamaicano voltava à China, local em que se sagrou campeão olímpico pela primeira vez, mas em um cenário totalmente diferente.  Bolt não estava mais no auge da sua juventude, muito pelo contrário, nesse momento ele vinha de um período de grandes inconstâncias e lesões, inclusive classificou-se para a final da competição graças a uma grande arrancada após um tropeço na largada. Gatlin, por sua vez, dominava e ganhava todas as competições do ano,  chegando como favorito para a corrida final dos 100m.

Então, foi assim que, em agosto de 2015, finalmente ocorreu um dos confrontos mais esperados dos últimos tempos. E novamente, como no passado, Bolt voou no Ninho do Pássaro, no mesmo palco em que há sete anos havia sido campeão olímpico pela primeira vez, superando Gatlin por um milissegundo de diferença e vencendo a prova de 100m com o tempo de 9s79. A lenda vencia de novo, derrotou mais uma vez as críticas, as lesões e os rivais. Após o triunfo, Usain fez a icônica comemoração do ‘’raio’’ e deu um enorme sorriso para a torcida, para reforçar  o seu jeito carismático que o inspirou a ser o maior velocista de todos os tempos.

“Ele levou como se fosse um divertimento. Eu acho que ele fez uma das melhores conquistas dele”

Rita de Cássia

Usain Bolt teve uma reação de 0s159 no tiro de largada, superando a de Justin Gatlin, conhecido por suas largadas fortes, que teve 0s165. Essa pequena diferença foi crucial, e Gatlin não conseguiu acompanhar o ritmo de Bolt, terminando em segundo lugar com 9s80. A medalha de bronze foi dividida entre o americano Trayvon Bromell e o canadense Andre De Grasse, que empataram com 9s92.

Com sua melhor marca desde 2013 — 9s79 —, Usain Bolt  reafirmou seu status de homem mais rápido do mundo. Já Justin Gatlin, devido ao seu histórico de doping, respondeu de forma irônica a jornalistas que questionaram se sua derrota seria uma vitória para o “esporte limpo”, dizendo-se agradecido.

Após a vitória nos 100m, nada mais parava Usain Bolt. Nos dias seguintes, ele viria a ganhar também a prova de 200m, novamente contra Gatlin, e posteriormente vencer o revezamento de 4x100m com a equipe jamaicana. Bolt provava, prova após prova, que não existia outro.  Ele era  único, uma lenda que nasceu para os grandes momentos.

 “Bolt tem uma saída não muito boa, porém o desenvolvimento da corrida dele é diferenciada: não desacelera tanto quanto outros atletas que atingem o pico de velocidade e depois começam a perder. Ele mantém até o final”

Vitor Ferreira 

O legado 

Vitor acredita que esses recordes permanecerão por muitos anos ainda: “Nesta fase do atletismo atual, dificilmente veremos outro atleta bater essas marcas. Quem mais se aproximou da marca de Bolt na prova dos 100m,  foi seu compatriota Yohan Blake que correu 9″69s. Bolt correu 9″58s. Na prova dos 200m foi Noah Lyies com 19″31s Bolt correu 19″19s.. Então está bem longe.”

Bolt marcou a história do esporte e o feito realizado no Mundial de Pequim comprovou que seu título era incontestável: Usain Bolt é o maior velocista de todos os tempos. 

“Ele vai ser inspiração para todos que estão na área do atletismo e para quem vem crescendo no esporte“

Vitor Ferreira 

Jogador de futebol americanoO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Momentos finais da corrida de 100m em que Usain Bolt vence Justin Gatlin por um milissegundo de diferença [Imagem: Reprodução/Instagram/World Athletics]

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