Há um bom tempo o rap vêm deixando de ser dominado exclusivamente por homens. Seja no cenário nacional ou no internacional, as mulheres vêm cada vez mais tomando conta desse estilo. Mas engana-se quem pensa que rap é coisa SÓ de gente grande. Soffia Gomes da Rocha Gregório Corrêa ou simplesmente MC Soffia, tem 12 anos e usa sua música para empoderar outras meninas como ela. Através de suas rimas, a garota consegue falar de temas delicados, como racismo, de uma maneira simples e inteligente.
Em entrevista ao Sala 33, Mc Soffia falou um pouco sobre a origem do seu gosto pelo rap e como começou cantar: “Minha mãe foi quem me ensinou a gostar de rap”. Através de projetos culturais, a menina descobriu suas habilidades para a música: “Eu comecei a cantar depois que fiz oficinas de Hip Hop. Achei muito legal a rima que escrevi na oficina e comecei a cantar ela em vários eventos culturais”.
Soffia surge num momento em que as discussões sobre empoderamento feminino ganham cada vez mais força na internet. Não por acaso, foi nesses espaços virtuais de discussões sobre gênero e raça que a rapper começou a ficar conhecida. Hoje, o clipe de “Menina Pretinha” tem mais de 500 mil acessos no Youtube. No começo da música a MC já dá seu recado: Menina pretinha, exótica não é linda / Você não é bonitinha / Você é uma rainha!
O sucesso de MC Soffia foi tão grande que a garota foi convidada para se apresentar na cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos, ao lado de ninguém menos que Karol Conka, a qual, aliás, é a grande inspiração da MC: “Eu gosto de cantoras mulheres de rap, quem me inspira muito é minha madrinha de música Karol Conka.” A produtora de eventos Kamilah Pimentel, 29, mãe da pequena rapper, ficou bastante surpresa com a proposta: “Entraram em contato comigo dizendo que a Soffia foi indicada pelo Fernando Meireles e me fizeram o convite. Aceitei na hora! Depois, quando falei pra Soffia, ela até se emocionou”. O espetáculo foi assistido por cerca de 2,5 bilhões de pessoas no mundo inteiro.
Mesmo sendo um pouco jovem, Soffia tem plena consciência da relevância dos assuntos que trata em suas músicas. Na escola em que ela estuda, as discussões sobre questões raciais estão presentes: “Temos um grupo que fala de racismo e preconceito. Assistimos vídeos e discutimos muito os assuntos.” Kamillah também conta que sempre conversou sobre os problemas sociais com a filha: “Discutimos sobre questões sociais desde quando ela se entende por gente. Dou muita informação, referência e discussões sobre diversos temas apontados em nossa sociedade.”
Entretanto, essas discussões não ocorrem em todos os lares e escolas do país. A história e cultura do povo negro ainda é ignorada pelo sistema de ensino nacional: “Toda escola deveria falar porque, tem uma lei de 2003, mais velha que eu, que diz que tem que ensinar cultura africana nas escolas.” Mesmo quando a lei é cumprida, tudo que é lecionado sobre África ainda parte de uma visão bastante eurocêntrica, o que impede um conhecimento genuíno da história negra como ela realmente é.
As rimas de MC Soffia tornam-se ainda mais fortes quando lembramos que, mesmo o Brasil sendo um país onde mais de 50% da população é negra, poucos negros ocupam lugares de destaque na sociedade. O racismo se faz presente em praticamente todos os setores e momentos da vida cotidiana, como é muito bem colocado por Kamillah quando perguntada se tanto ela quanto Soffia já sofreram racismo: “sofremos racismo a todo momento, quando uma mãe negra perde brutalmente seu filho para o sistema, quando é apontado o alto índice de feminicídio entre mulheres negras, a população carcerária ser de maioria negra, quando somos ofendidos em redes sociais, quando somos perseguidos em super-mercado, lojas e shopping, toda essa manifestação racista que acontece no mundo nos afeta, então não tem como, discutir o tema e achar que está livre disso”. Assumindo e orgulhando-se de sua negritude, Soffia empodera outras meninas e mulheres como ela, que lutam todos os dias apenas para poderem ser quem são.
Por Igor Soares
digorsoares@gmail.com