de Jullyanna Salles
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Na segunda década do século XX um novo conceito de arte começou a se disseminar. O Surrealismo, assim nomeado por ultrapassar as barreiras da realidade tangível, representa o irreal e o subconsciente e foi motivado por estudos psicanalíticos de Freud e as incertezas políticas típicas do momento, pós Primeira Guerra Mundial. André Breton, um dos grandes nomes envolvidos neste movimento foi o responsável por lançar, em 1924, o Manifesto Surrealista. O documento expõe alguns dos conceitos dessa arte e a define como “Automatismo psíquico pelo qual alguém se propõe a exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento”.
No cinema é possível destacar alguns nomes que não só se inseriram no movimento como também ajudaram a aumentar sua visibilidade. Entre eles, destaca-se Luis Buñuel que em parceria com Salvador Dalí produziu o curta Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou, 1928), considerado uma das primeiras e mais representativas produções cinematográficas do surrealismo.
Criar e reproduzir, no cinema, cenas que possuem como inspiração o subconsciente e o irreal parece uma tarefa fácil em pleno 2014, com o desenvolvimento de tecnologias que aperfeiçoaram os efeitos especiais que beiram a perfeição. No início de século XX, porém, interpretar o surrealismo através das câmeras era muito mais complicado. Hans Richter foi um dos produtores que se aventurou nesse movimento e que, com a colaboração de nomes como Michael Duchamp, Maz Ernst e Man Ray produziu Dreams That Money Can Buy (1947). O longa carrega informação audiovisual bastante complexa. O uso de espelhos, sobreposições e efeitos resultou em um produto final com a qualidade que só a contribuição de artistas dadaístas poderia oferecer.
Buñuel se tornou um grande nome justamente por saber muito bem como contornar a falta de tecnologias próprias em seu tempo. O diretor foi capaz de representar o surrealismo de formas variadas. Em 1928, na sua primeira criação (Un Chien Andalou), é possível observar o uso de técnicas mecânicas como a sobreposição de imagens. Já na década de sessenta, no longa O Anjo Exterminador (El Ángel Exterminador, 1962), os efeitos visuais não são o grande destaque do filme. É o conteúdo do próprio roteiro que tem valor surrealista. Após um jantar de um grupo de alta classe, os convidados não conseguem deixar o local, mesmo não havendo nenhuma barreira física impedindo sua saída. O resultado é uma crítica aos costumes que, quando unido ao nonsense e aos conceitos do surrealismo tem como consequência uma produção cinematográfica que mesmo após cinquenta anos, serve de referência no campo da sétima arte.
É possível destacar dois títulos recentes que ainda exploram, no cinema, o movimento do surreal. O primeiro deles é o Sonhando Acordado (La Science des Rêves, 2006), do diretor francês Michel Gondry. O longa tem Gael García Bernal como protagonista, vivendo o papel de Stephane Miroux, um rapaz que se confunde entre a realidade e o sonho e flerta com sua vizinha, Stephanie, interpretada por Charlotte Gainsbourg.
O segundo, do mesmo diretor, é A Espuma dos Dias (L’écume des Jours, 2013), uma adaptação de um romance de Boris Vian. Audrey Tautou vive Chloé, par romântico de Colin, interpretado por Romain Duris. Com um orçamento de 20 milhões de euros, o filme impressiona pela diversidade e produção dos cenários. Há, inclusive, uma sequência de passagens feitas debaixo d’água. Além disso, destaca-se a ótima atuação de Audrey, que passeia confortavelmente entre cenas de drama de forma bem humorada, como em O Fabuloso Destino de Amelie Poulain (Le fabuleux destin d’Amélie Poulain, 2001).
Ambos apresentam uma experimentação de cores, texturas e sons bastante própria. É fácil de identificar, nos dois, a preocupação em diminuir os efeitos especiais que se confundem com a realidade. A maioria das cenas com intervenção visual são feitas com técnicas aplicadas diretamente na câmera, como stop motion e planos-sequências. Em comparação aos expoentes do surrealismo no século passado, constata-se uma diferença relevante na produção e direção, mas que em momento nenhum ocasiona perda de qualidade ou diminuição da ousadia na criatividade intrínsecos ao movimento.