O longa Zoom (2015) conta a história de três personagens: Edward (Gael García Bernal), um diretor de cinema que está tendo problemas de aprovação em seu novo longa-metragem, e, de repente, passa por embaraços sexuais; Michelle (Mariana Ximenes), uma modelo brasileira que volta a sua terra natal para escrever um livro (que era desaprovado por seu namorado), com a intenção de ser reconhecida como mais do que “um rostinho bonito”; e Emma (Alison Pill), uma artista que trabalha em uma oficina de bonecas sensuais e que, insatisfeita com o tamanho de seus seios, gasta suas economias em implantes de silicone, os quais não geram o resultado que ela esperava; nas horas vagas ela desenha uma HQ. A graça está em como essas narrativas se relacionam.
O filme teve sua primeira exibição no Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro, e no final desse mês foi para o Fantastic Fest, na cidade norte-americana de Austin. Sua estreia no Brasil aconteceu no Festival do Rio, no começo de outubro. Por fim, chegou a São Paulo através da Mostra Internacional de Cinema, que foi realizada entre 22 de outubro a 04 de novembro. A maratona de festivais atrasou a exibição oficial em vários cinemas, que só ocorrerá em março de 2016.
O longa é uma parceria entre Brasil e Canadá, por meio das produtoras O2 Filmes e Rhombus Media. Foi gravado durante 26 dias, no ano de 2014, em Trindade, no Rio de Janeiro, nos estúdios da O2, em São Paulo e em Toronto, no Canadá. 95% das falas são em inglês.
O projeto surgiu quando o produtor canadense Niv Fichman ofereceu a direção a Pedro Morelli, na época com 23 anos, com a condição de que ele entregasse algo original. Os dois trabalharam juntos em Ensaio sobre a Cegueira (2008).
A colaboração internacional permitiu uma abordagem abrangente da película, que não é direcionada a um nicho específico; pode agradar um público além dos brasileiros. O trabalho é visto como global. Há uma pegada pop que é rara nas produções nacionais: a edição e enquadramento, por exemplo, são de estilo hollywoodiano. Porém, não é um blockbuster, e atinge a promessa do diretor de não ser uma obra descartável, conseguindo se comunicar verdadeiramente com a audiência.
A produção, no total, teve duração de seis anos. Foram quatro anos e meio desenvolvendo apenas o roteiro. Acompanhado de um orçamento de US$ 5 milhões, a parte mais desafiadora, segundo Morelli, foi a animação. Um terço das cenas usa a rotoscopia: ela é parte da proposta do diretor, que insistiu para que as imagens parecessem feitas à mão.
O emprego da rotoscopia recriou a linguagem dos quadrinhos, que funciona com a mensagem do filme; foi aplicada com um propósito e por isso é eficaz. Isso sem falar no profissionalismo. Os desenhistas entregam um aspecto livre de defeitos, mas, ao mesmo tempo, é como se brincassem com o visual, usando várias formas e aparências.
A equipe de animação contou com 28 ilustradores, que traçaram e coloriram, em São Paulo, por volta de 21 mil frames, totalizando 29 minutos da narrativa. Apesar do esforço e dedicação necessários, a animação confere bem mais liberdade à produção, porque qualquer cenário ou cor pode ser modificado por completo; a remodelagem só chega ao fim quando esgota o prazo de finalização.
A película, que tem um pouco de Mais estranho que a ficção (Stranger Than Fiction, 2007) e O mundo de Sofia, é extremamente criativa. As histórias bem amarradas mostram a genialidade do roteirista e do diretor, que ainda se servem de ironias inteligentes, como o próprio paralelo com a sociedade, por exemplo, ao questionar a busca das pessoas pela perfeição.
Alison Pill e Gael García Bernal representam talentosamente seus papéis, de um jeito que parece que interpretam a si mesmos. Já Mariana Ximenes não conseguiu atingir o mesmo desempenho de trabalhos anteriores. Apesar de ser uma das protagonistas, sua interpretação não causa empatia. Todos os personagens principais têm um problema em suas vidas, assim como são, de alguma maneira, manipulados e controlados. Enquanto buscam aprovação num aspecto, demonstram ser mais que a sua imagem projetada no mundo.
A trilha sonora/efeitos sonoros atuam de modo preciso e harmônico com as cenas. Não há composições conhecidas, todas são originais, concebidas por Kid Koala, um produtor musical que esteve envolvido em obras de sucesso como Blade II – O Caçador de Vampiros (Blade II, 2002), Scott Pilgrim Contra o Mundo (Scott Pilgrim vs. the World, 2010) e Looper: Assassinos do Futuro (Looper, 2012).
O cineasta Pedro Morelli é graduado em Audiovisual pela USP e teve sua estreia nas telonas co-dirigindo Entre Nós (2014) com seu pai, Paulo Morelli. Zoom é seu primeiro projeto solo, o qual dirige com maestria; uma delícia de assistir. Ele contou ao Cinéfilos que o longa é totalmente independente e por conta do desfecho da história, bem como pelas críticas no enredo, a forma hollywoodiana de elaborar filmes (os elementos utilizados por ele nesse sentido teriam uma função de sátira), não seria aceito em nenhum grande estúdio de Los Angeles.
Sua inspiração para a narrativa foram os trabalhos de Charlie Kaufman. O roteirista tem uma abordagem metalinguística e experimental, que Morelli admira, e fez com que quisesse adotar essa diretriz na criação.
Zoom é a primeira obra brasileira que mistura cenas reais com animação. Ele, que não se enquadra nem em comercial, nem alternativo, tem potencial pra agradar quem procura entretenimento, porque contém humor, além de ser visualmente fascinante. Mas também impressiona e surpreende quem procura profundidade. Agora, basta esperar para ver qual será a próxima empreitada de Morelli.