por Mariana Rudzinski
marianarudzinski71@gmail.com
No Brasil do início do século XX, uma das doenças que mais acometiam as mulheres era a histeria, ou pelo menos é o que indicam os prontuários de hospícios da época. Na verdade, essas mulheres eram internadas por seus maridos, que tratavam como loucura o fato delas descumprirem, segundo eles, os deveres de uma boa mãe, esposa, dona de casa. Por ser tão absurda, parece que essa realidade na vida das mulheres já foi deixada para trás há muito tempo, mas Uma Loucura de Mulher (2016) mostra que ainda há muitos obstáculos que impedem a verdadeira emancipação feminina dos padrões e papéis esperados que ela exerça.
Lúcia (Mariana Ximenes) é uma perfeita esposa-troféu: bonita, educada, subordinada e disposta a abrir mão de seus sonhos e vontades por seu marido, Gero (Bruno Garcia), um deputado que conta com a ajuda da esposa nos compromissos sociais exigidos dos políticos, nos quais ela é exibida como um objeto e muitas vezes aceita, sorrindo, ser usada como moeda de troca. Ainda que ela, por vezes, viva um conflito interno ao se lembrar de seu desejo de se tornar uma bailarina, que deixou para trás ao se casar, a personagem parece aceitar o lugar que lhe é atribuído ao lado do marido.
A estabilidade se rompe quando Lúcia reage a um assédio de um senador durante o jantar que lançaria a candidatura de Gero a governador. Seu marido, que sabe que o apoio do senador é decisivo para o sucesso de sua carreira política, decide declarar publicamente que sua esposa agiu daquela maneira porque sofre de sérios distúrbios psicológicos e que será internada em uma clínica psiquiátrica para que possa se tratar. Lúcia, então, foge para o Rio de Janeiro, sua cidade natal que prometera nunca mais retornar, para evitar a internação. Lá, a personagem toma a decisão de voltar a exercer controle sobre sua própria vida e até reencontra um ex-namorado da juventude.
No entanto, Gero, com a ajuda da melhor amiga da esposa, rastreia e encontra Lúcia e passa a tentar manipulá-la. Ele precisa que ela volte e o auxilie a reconstruir sua reputação junto ao senador. Neste ponto, revela-se o embate central do filme. Lúcia deve decidir se aceita voltar para sua “prisão de luxo” e obedecer às ordens do marido, como uma “boa esposa” faria, ou se arrisca seguir seu sonho de criar uma companhia de dança e se liberta da situação de submissão que se encontrava.
Uma Loucura de Mulher é um filme leve e fácil de ser assistido, com um elenco familiar ao público das novelas globais e que conta com uma trilha sonora composta por sucessos pop nacionais. Há alguns momentos cômicos, em sua maioria protagonizados por Guida Vianna, que interpreta Rita, a vizinha de Lúcia no Rio de Janeiro, que a ajuda a deixar seu casamento para trás e viver novas experiências. As outras cenas de comédia, no entanto, assim como as cenas clichê de esconder o amante no banheiro e de perseguição – com direito a famigerada frase “siga aquele carro” – não convencem.
Ainda que o filme se apresente como uma comédia, ele abre espaço para reflexões sobre o papel da mulher no mundo e em suas relações pessoais. Acima de tudo, Uma Loucura de Mulher mostra que loucura mesmo é anular seus sonhos e não aproveitar as oportunidades de empoderamento e emancipação.
Confira o trailer: