Sem Conexão (Nobody Sleeps in the Woods Tonight, 2020) é um filme de terror polonês dirigido por Bartosz M. Kowalski, escrito por Kowalski, Jan Kwieciński e Mirella Zaradkiewicz. Ele faz parte de um grupo específico do terror, os slashers – em que psicopatas matam os que cruzam o seu caminho, embutidos nos roteiros simples e geralmente de baixo orçamento do “terror b”, como também são chamados os slasher films. A Polônia não tem tradição na montagem de terrores, o que garantiu certo holofote para esta produção curiosa adquirida pela Netflix.
No filme, um grupo de adolescentes é enviado a um acampamento no meio da floresta – o clássico “festa estranha com gente esquisita” – e deverá entregar todos os aparelhos eletrônicos para ingressar em uma espécie de detox das redes e aprender novas habilidades no mundo offline, se concentrando em si mesmos. “Uma semana sem Instagram é legal. Não recebe notificações de quem está em Nova Iorque, Bali, Sri Lanka, de quem está correndo uma maratona, de quem está comendo peixe com tomate seco e pimentão”, diz um dos adolescentes.
O tema da tecnologia como “ópio do povo”, ou seja, como vilã das relações, chegou até mesmo a longas com o teor de Sem Conexão. Não há, porém, absolutamente nenhuma crítica desenvolvida a respeito da toxicidade das redes sociais ou do uso desenfreado de aparelho eletrônicos, e assim fica claro que a intenção do filme é usar o pouco dinheiro que dispõe para entreter! Chacina. Sangue. Gritaria.
Um fato interessante é de que o roteiro é autoconsciente, uma metalinguagem que é explicitada por Julek (Michał Lupa), o segundo melhor gamer da Polônia e dono de um canal do YouTube com quase 1 milhão de inscritos. Lamentando a sugestão da líder de se separarem para procurar um integrante do grupo, Julek cita os “seis pecados capitais” em filmes de terror: “1. Curiosidade: ‘O que tem dentro? Vamos dar uma olhada.’ 2. Descrença: ‘É só a minha imaginação, não precisa temer.’ 3. Confiança: ‘Vou entrar. Por que não entraria?’ 4. Feios nunca sobrevivem. 5. Sexo. Sexo é a sentença de morte. 6. ‘Separação, como estamos fazendo agora’.”
Ou seja, o roteiro deixa claro quais são os desfechos mais prováveis do próprio longa e os personagens sabem disso.
Os quase 40 minutos iniciais da produção são preguiçosos, com pitadas bem secas de suspense, o que exige paciência. Diferente da maioria dos slasher films, Sem Conexão se desenvolve em sua maioria durante o dia e não tem nenhuma preocupação em esconder o vilão atrás de penumbras. Em sua primeira aparição, já podemos conhecê-lo por completo. Outro diferencial é a origem explicada do psicopata, ou seja, sabemos de onde ele vem, o que aconteceu com ele e os possíveis motivos pelos quais ele mata.
Os personagens seguem a receita: o nerd, o mala, a “loira burra” e a introspectiva. Não há tempo de criarmos uma conexão com nenhum deles, já que somos alimentados somente por brevíssimas reflexões – microssegundos sobre a temática da homofobia e do estereótipo – e flashbacks para que haja o mínimo de interação personagem-telespectador.
Na verdade, os personagens não têm quase nenhuma importância durante o filme, já que estão ali justamente para serem abatidos como ovelhas por um assassino nada atlético, extremamente lento e cuja única vantagem é ser silencioso como uma pena e resistente a golpes.
Trata-se de um matadouro e suas presas, não há maiores mistérios ou motivos para estender mais ainda o longa. É assim também o estilo de Jason Voorhees, serial killer da franquia Sexta-Feira 13, que encontra as suas vítimas com sua máscara de hóquei nada convidativa e as alcança a passos curtíssimos. Sem Conexão cumpre o que parece pretender oferecer, como já mencionado: o simples entretenimento para os amantes de enredos sanguinolentos.
Após um mergulho no filme, resta um comentário sobre o título Nobody Sleeps in the Woods Tonight, tradução fiel e sem prejuízos do original e simples polonês W lesie dziś nie zaśnie nikt que, no Brasil, virou “Sem Conexão” – o que aconteceu com “Ninguém Vai Dormir na Floresta Hoje”?
As agências brasileiras de tradução adaptam os títulos para que sejam comercialmente atrativos no mercado do país, além do fato de que traduções diretas podem não fazer sentido em Português. Não seria de bom tom, por exemplo, levar seus filhos para assistir “Eu Desprezível” (Despicable Me), mas talvez Meu Malvado Favorito seja uma pedida amigável para as crianças.
Modificações mais drásticas estão em Assim Caminha a Humanidade (Giant, 1956) e Noviça Rebelde (The Sound of Music, 1965), extremamente invasivas à integridade do título e que de certa forma envenenam parte do que o autor quis dizer. Ao redor do mundo, Nobody Sleeps in the Woods Tonight é chamado de Nobody Sleeps in the Woods Tonight em suas respectivas línguas, exceto no Brasil.
Sem Conexão está disponível para todos os assinantes da Netflix. Confira o trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=RdSvaEhqMcM&ab_channel=MVSRS
*Imagem de capa: Divulgação/Netflix