Por Mirela Costa (mirelacosta@usp.br)
O Skank, após 32 anos de carreira, se aposenta dos palcos como uma das bandas mais renomadas do cenário cultural brasileiro. Seja Sutilmente, Ainda Gosto Dela ou Vou Deixar, gerações levam na memória alguns dos trechos musicais mais conhecidos do pop rock nacional. Samuel Rosa, Henrique Portugal, Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti fizeram seu último show em um domingo, dia 26 de março de 2023. Cerca de 50 mil pessoas se agruparam no Mineirão, em Belo Horizonte, e cantaram os maiores sucessos do quarteto em tom de despedida.
Os fãs puderam presenciar o fim de um ciclo que se estendeu por três anos. O anúncio do término da banda foi feito em novembro de 2019, juntamente ao comunicado sobre a Turnê da Despedida, prevista para 2020. Dado o início da pandemia de Covid-19, a turnê foi adiada e as últimas apresentações foram reagendadas. Foi apenas em 2022 que o Skank retomou a sequência final de shows, concluindo-a, definitivamente, no ano seguinte.
As origens belo-horizontinas
O local que recebeu o grande encerramento, Belo Horizonte, foi escolhido pelo Skank por abrigar as raízes de sua formação. Dentre as várias interações com o público no decorrer do último show, Samuel Rosa afirmou que o grupo rompeu com “a máxima que dizia que banda mineira, para fazer sucesso, deveria sair do estado. O Skank, não. A gente fez sucesso aqui”. A banda, mesmo presente no cenário internacional, não deixou de prezar pelas suas origens no país. Diversas referências à capital mineira aparecem nas letras de suas músicas, a exemplo das presentes em Esmola, In(dig)Nação e Tão Seu, representativas da conexão do quarteto com a cidade.
De forma a selar a relação afetuosa da banda com as terras belo-horizontinas e homenagear uma das personalidades precursoras da música popular brasileira (MPB), o cantor e compositor Milton Nascimento foi convidado a uma participação especial na noite do dia 26. Ele esteve presente durante a performance de Resposta e deixou o público ainda mais animado e emotivo.
De Minas para o Brasil – e também para o mundo
A maioria dos grupos musicais de sucesso começa fora dos holofotes – e não foi diferente com o Skank. Tocando, inicialmente, em casas de shows e churrascarias, Samuel Rosa e Henrique Portugal se juntaram a Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti em 1991. O desejo comum do grupo era agregar os ritmos do dancehall jamaicano à tradição pop brasileira. O quarteto se inspirou na música Easy Skanking, de Bob Marley, para nomear a banda que então se formava.
A partir do lançamento independente do álbum Skank (1993), o grupo, ainda longe de atingir relevância nacional, buscava reconhecimento na cena underground da capital mineira. A proposta do Skank, inovadora diante dos padrões do pop rock brasileiro da época, logo atraiu os interesses da Sony Music. Assim, no ano seguinte, graças ao êxito de hits como Jackie Tequila e Te Ver, Calango (1994) atingiu 1 milhão de cópias vendidas.
Como marco de superação a quaisquer barreiras que ainda se colocassem à frente do sucesso absoluto do grupo, O Samba Poconé (1996) promoveu o Skank à carreira internacional com apresentações na França, nos EUA, na Argentina, no Chile, em Portugal e na Espanha. No quadro musical espanhol, o fenômeno Garota Nacional liderou as paradas radiofônicas por três meses, além de ser o único exemplar da música brasileira a compor o conjunto “Soundtrack for a Century”, desenvolvido em comemoração ao centenário da Sony Music.
“Conhece a ti mesmo que eu me conheço bem
Sou um qualquer vulgar, bem, às vezes me esqueço
E finjo que não finjo, ao ignorar eu sei
Que ela me domina no primeiro olhar“
Trecho de “Garota Nacional”
Sob influência da mescla de gêneros musicais e da incorporação de elementos contemporâneos à MPB, o Skank adentrou os anos 2000 com uma abordagem mais acústica e psicodélica, sem jamais abandonar a consolidada influência da música jamaicana em suas composições. Surf music, soul, funk e rock latino são apenas alguns exemplos de ritmos que passaram a integrar o estilo das novas produções. De modo a evidenciar o caráter versátil e inovador da banda, parcerias com artistas como Andreas Kisser —- guitarrista do Sepultura —, Manu Chao e Jorge Ben Jor foram definidas durante esse período. Gravado em Ouro Preto, o CD e DVD MTV ao Vivo: Skank (2001), que celebrou a primeira década de carreira do grupo, atraiu uma multidão de ouvintes em sua estreia.
O quarteto mineiro seguiu emplacando sucessos em sua história e, nos anos seguintes, os fenômenos Dois Rios, Vamos Fugir e Ainda Gosto Dela assinalaram o pop brasileiro. Dentre os lançamentos mais recentes da banda, estão os singles Algo Parecido, de 2018, e Simplesmente, gravado em 2020 ao lado de Roberta Campos. O Skank carrega o consagrado marco de ter atingido mais de três décadas de carreira com canções sempre em alta nas paradas.
A chave para o sucesso
A essência multifacetada do Skank é apontada por Fred Teixeira, doutor em música na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), como segredo da banda para sucesso tão duradouro. Em entrevista a Jornalismo Júnior, o especialista destacou que a banda ”aprofundou um movimento de não negação da brasilidade, mas sim de intercâmbio de culturas. Essa característica pode ser observada em outras bandas que surgiram posteriormente. O Skank conseguiu aliar boa capacidade criativa, forte influência da música brasileira e elementos da música pop contemporânea”.
O conjunto liderado por Samuel Rosa abriu caminhos para que uma nova sucessão de bandas brasileiras inspiradas tanto no rock mundial, como nas heranças da música nacional, pudesse vigorar. O especialista ainda ressalta que a “simplicidade composicional, capacidade de síntese e adequação ao mercado musical” são importantes legados deixados pelo Skank.
Atravessando gerações
Transitando entre o quadro do pop rock dos anos 90 e a pegada leve e refrescante da Nova MPB, o Skank conquistou diferentes legiões de fãs durante os seus mais de 30 anos de carreira. Tiago Brancher (18), fã da banda, assistiu um dos shows da Turnê da Despedida em São Paulo. Ele afirma que a banda promoveu impactos intergeracionais durante sua trajetória. “Como eles conseguiram ir se renovando e capturando novos gostos musicais durante essas três décadas, isso permite que mais jovens como eu se identifiquem com a música”, aponta Tiago.
Por outro lado, o Skank também tem como público uma geração que acompanhou todo o seu processo de crescimento e desenvolvimento. Jorge Takeda, nascido nos anos 90, diz ser fã do quarteto desde a expansão da banda a nível nacional. Após ter presenciado dois dos shows da Turnê da Despedida, ele compara a experiência das apresentações a uma viagem no tempo. Uma passagem por toda a história da banda – mas, especialmente, por todos os momentos de sua vida dos quais o Skank fez parte. “Eles tocaram músicas de todas as eras da banda. […] Eu lembrava de músicas que eu ouvia lá nos anos 90, de outras dos anos 2000. […] Esse show teve todas essas sensações. Relembrar de momentos diferentes da minha vida e ter a consciência de que eu estava presenciando algo histórico foi marcante”, comenta Jorge.
A despedida em Belo Horizonte foi gravada e em breve ganhará uma versão em DVD. Ainda que a última performance de Samuel Rosa, Henrique Portugal, Lelo Zaneti e Haroldo Ferretti nos palcos demarquem o fim de uma trajetória, as inovações musicais, a originalidade, bem como o legado do Skank para a música permanecem – mesmo que tudo se acabe enfim.
Que matéria top. Skank vai deixar saudades.
Excelente texto!
Acompanhei o Skank ao longo da trajetória e gostei muito da abordagem feita no texto.
Parabéns
Telma Oliveira