Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Tutorial de como fazer um filme péssimo em Os Guardiões

Minha cabeça enquanto assistia só repetia “o quê?” milhões de vezes. Enquanto eles lutavam na tela, eu lutava na cadeira para tentar terminar o filme. O longa russo Os Guardiões (Zaschitniki, 2017) é uma das primeiras produções do país que se aventura na temática super-herói. Prometendo ser “Os Vingadores (The Avengers, 2012) russo”, o diretor …

Tutorial de como fazer um filme péssimo em Os Guardiões Leia mais »

Minha cabeça enquanto assistia só repetia “o quê?” milhões de vezes. Enquanto eles lutavam na tela, eu lutava na cadeira para tentar terminar o filme. O longa russo Os Guardiões (Zaschitniki, 2017) é uma das primeiras produções do país que se aventura na temática super-herói. Prometendo ser “Os Vingadores (The Avengers, 2012) russo”, o diretor armênio Sarik Andreasyan esqueceu de ler o manual básico sobre produções cinematográficas e criou o próprio: um tutorial de como fazer uma obra que ofende os bons trashs.

Durante a Guerra Fria, cientistas soviéticos realizaram experiências em DNA humano a fim de criar um super-soldado. O professor Dobronravov tem êxito nos seus testes e cria nos laboratórios humanos com superpoderes. Tornando-se inviável durante a guerra, o projeto “Patriot” é fechado e esses soldados desaparecem pelo mundo. Nos dias de hoje, o Profº August Kuratov, um dos desenvolvedores da Patriot que também fez experimentos com si mesmo e adquiriu o poder de controlar máquinas, volta para pôr seus planos (que foram impedidos com o fechamento do projeto) em ação. Sob tal ameaça, a Major Elena tem a missão de unir os super-soldados perdidos para combaterem seu criador.

Os Guardiões
Imagem: reprodução

No início, deparamos com um monólogo didático do Major-general Nikolay Dolgov que funciona para narrar a sinopse do longa e explicar o contexto que seremos inseridos. E o filme já começa a errar em seus primeiros 5 minutos. A dublagem do russo para o inglês, supera as novelas mexicanas. Som e imagem se tornam inimigos mortais e não sabemos para qual dar atenção. Se possível, opte por ver em russo. Então Os Guardiões nos dá uma lição de tudo o que fazer na produção de um filme ruim. Primeiro não deve-se demitir todos os roteiristas, até porque  necessário, não é mesmo?  Aquilo que aparenta ser uma história é jogada no público: encontrar os heróis que viviam “escondidos” é  ridiculamente fácil e convencê-los é como dar doce pra criança.

Todos os clichês se reúnem num festival novelesco e parecem precisar estar lá independente se fazem sentido ou se pretendem ser resolvidos. Tudo gira em torno do grande plano maligno de dominar o mundo do vilão, que triunfa sobre o esquadrão num piscar de olhos. O enredo simplório não chega nem a ser atrativo. O tempo dos acontecimentos torna desconexo com a realidade. Por exemplo: o professor Kuratov conquista Moscou rapidamente e sem nenhum impedimento, enquanto os quarteto está treinando com bonecos de madeira. E ninguém faz nada. Há também erros como aprisioná-los junto com suas armas. Que falha tola, não é mesmo?

Os Guardiões
Imagem: reprodução

Os poderes dos heróis são uma combinação de vários típicos das HQs populares. Ler, vivido por Sebastien Sisak, também tido como líder do grupo, tem o poder de controlar minérios e usa um chicote magnético para lutar. Khan (Sanjar Madi) é uma espécie de ninja-flash-teletransportador e Arsus, que ganha vida pelo ator Anton Pampushnyy, é um cientista que tem o poder de se transformar em meio-urso (um urso com músculos humanos) ou em um urso completo. Por fim, a única mulher e a personagem que completa o quarteto, Ksenia (Alina Lanina) tem o poder de ficar invisível em contato com a água e de controlar sua temperatura. Todos são sobreviventes dos experimentos da Guerra Fria e vivem há cinquenta anos à margem da sociedade.

Tentando compensar um enredo tão incoerente com personagens rasos, as origens dos heróis são contadas em cenas que  se acotovelam com o andamento da história. Ao forçar a identificação destes com o público, o ritmo do longa é prejudicado e se exagera na emoções, criando um cenário artificial. Falta química entre o elenco, que entrega atuações que variam entre  razoável a amadorismo. Os poucos diálogos, toscos e educativos, afundam ainda mais o roteiro naufragado. No mais, opta-se pelo laconismo de cenas de ação: explosões e lutas falam por si só.

Um ponto que precisa ser discutido é a construção de personagens femininas que carregam todos os estereótipos do gênero. A mocinha precisa ter um envolvimento amoroso e a Major pose de durona, tudo enquanto usam roupas justas, evidenciadas em closes de seus corpos. Afora isso, elas são tão invisíveis quanto o poder de Ksenia. O romance entre Arsus e ela é encaixado no roteiro, mas não convence. A Major Elena (Valeriya Shkirando), por sua vez, é a personagem mais incoerente da trama. Além do cargo no exército, ela é usada como trampolim para cenas explicativas, funcionando como psicóloga e cientista, tudo regado a um sentimentalismo forçado. O roteirista Andrey Gavrilov teve a ideia brilhante de os tornar todos os personagens melhores amigos ao fim da história e esse definitivamente é o maior plot-twist do filme.

Os Guardiões
Imagem: reprodução

Stanislav Shirin interpreta o professor August Kuratov, antagonista da obra. O visual do vilão se assemelha muito com o de Bane de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knigh Rises, 2012), porém uma versão feita com enchimento de borracha que lembra muito a figura de um feto. Além do mais, Stanislav entrega uma atuação tão fraca que torna o personagem menos ameaçador ainda. Sua trama é genérica e suas motivações são jogadas num diálogo que passa despercebido, focando sempre no fato (óbvio) de dominar o mundo. Vale ressaltar que apesar de ser super —super mesmo — poderoso e sempre abater os heróis, sua morte é estúpida.

Os Guardiões consegue fracassar inclusive no quesito técnico. Os cortes entre as cenas são bruscos deixando as sequências incoerentes. O erros de continuação chegam a ser engraçados, principalmente quando Arsus rasga as calças ao se transformar num urso e na cena seguinte as calças estão lá inteiras de novo. A trilha sonora não se encaixa bem aos planos e tem um tom melodramático. Por fim, o CGI por vezes tosco nos remete a um jogo de videogame de 2003. É até injusto comparar o filme com sagas como Os Vingadores, que teve um orçamento de 220 milhões de dólares enquanto o longa russo teve o equivalente a cerca de 5 milhões de dólares. Mas isso não apaga o fato de que poderia se ter economizado com explosões e lapidado melhor a produção.

Os Guardiões
Imagem: reprodução

Tudo bem, não se pode dizer que o filme é completamente ruim. A Rússia possui belíssimas paisagens, que compõem offs fascinantes.  Ainda, para o público acostumado a ver Manhattan sendo destruída, ter Moscou como centro de tudo é interessante. Alguns combates são bonzinhos, a direção de arte é bonita em determinadas cenas e o urso de metralhadora é divertido. E acabam aqui os pontos positivos.

Não satisfeitos com o catastrófico Os Guardiões, o longa se encerra com uma cena pós-créditos que promete mais. Isso mesmo, uma continuação e expansão da equipe heroína. O recado dos russos é claro: “se reclamar, faço outro filme, se reclamar mais um pouco, crio todo um universo.”

Enquanto isso, a produção introdutória chega aos cinemas dia 31 de agosto de 2017. Assista ao trailer:

por Larissa Santos
larissasantos.c@usp.br

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima