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Um salão e cinco vidas multiformes

Um salão de beleza tem, em sua fachada, uma letra de seu nome torta, quase caindo. Dentro, várias mulheres conversam enquanto unhas e cabelos são feitos e pernas são depiladas, em meio a toucas, papel alumínio, secadores e lixas. Essa cena, que poderia ser medíocre em muitos filmes hollywoodianos, ganha um novo tom quando sabemos …

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Um salão de beleza tem, em sua fachada, uma letra de seu nome torta, quase caindo. Dentro, várias mulheres conversam enquanto unhas e cabelos são feitos e pernas são depiladas, em meio a toucas, papel alumínio, secadores e lixas. Essa cena, que poderia ser medíocre em muitos filmes hollywoodianos, ganha um novo tom quando sabemos que se passa em Beirute, no Líbano. As mulheres usam calça jeans, sapatos de salto alto e bijuterias e nada do que se espera de um filme árabe – submissão, burcas e guerra – figura como algo importante para a história. Caramelo é uma produção que luta contra esse preconceito do “mundo ocidental”, que pensa que tudo o que vem do outro lado só fala sobre derramamento de sangue.

Caramelo foi lançado um ano depois do conflito entre Israel e Líbano, que ocorreu em 2006 e durou apenas 34 dias, mas matou 1357 pessoas – cerca de 1200 eram civis. O filme, porém, não faz nenhuma referência a esse ou qualquer outro embate envolvendo o país. Escrito, dirigido e protagonizado por Nadine Labaki, o filme mostra a vida de cinco mulheres libanesas que precisam lidar com seus problemas diários: o envelhecimento, o adultério, a atração por outras mulheres, a solidão, as tradições, a mentira.

Na Beirute contemporânea, Layale (Labaki) trabalha no salão Si Belle e se relaciona com um homem casado. Ao simples som da buzina de seu carro e de um telefonema, ela corre ao seu encontro, sem deixar de ser parada por um policial de trânsito que ameaça multá-la caso não coloque o cinto de segurança. O espelho do carro carrega um crucifixo numa corrente, representando a população cristã do país, que gira em torno dos 39% segundo estimativa da CIA em 2011.

Nisrine (Yasmine Al Masri), colega de Layale, está prestes a se casar com Bassam. Sua família é muçulmana tradicional e se espera que o casamento seja dessa forma, ou seja, Bassam deve ser o primeiro e último homem da moça, um sinal de castidade. Ela se perturba com isso, já que não é mais virgem, e se apóia nas amigas para conseguir conforto e buscar soluções.

Rima (Joanna Moukarzel) trabalha no salão com Layale e Nisrine. De cabelos curtos, sente-se atraída por uma cliente que entra no Si Belle num dia “em que não tinha nada pra fazer”. Isso não chega a ser um problema, Rima não esconde a atração pela moça que, aparentemente, não se importa com o efeito que causa na cabeleireira. No entanto, nada é dito, elas vivem numa relação silenciosa entre olhares e sorrisos.

Jamal (Gisèle Aouad) tenta empreender uma carreira de atriz enquanto se preocupa com seu envelhecimento. Os filhos estão crescidos e seu ex-marido arranja uma nova namorada e, enquanto isso, ela se exercita para manter o corpo em forma. As fitas adesivas usadas para levantar o olhar não a deixam menos preocupada quando ouve uma jovem “concorrente” falar ao telefone: “Só coloquei um pouco de maquiagem, fiz os cabelos e as unhas. É claro que sou bonita. Sou linda”.

Rose é uma costureira já adentrando a terceira idade que mora em frente ao salão. Ela cuida de sua irmã, Lili, cuja idade já prejudicou sua lucidez, fazendo-a pensar que é esperada em luxuosos jantares e desejada por um marido que lhe escreve inúmeras cartas de amor. Rose tenta retomar sua vida ao conhecer um senhor que tem suas roupas consertadas por ela, mas esbarra nas necessidades e insanidades de Lili.

Essas mulheres não têm nada de extraordinário. E, ao mesmo tempo, conseguem encontrar seu caminho no meio do que é mundano. Sem citar as guerras e as opressões comuns a muitas partes do mundo islâmico, Nadine Labaki conta a história de mulheres que podem exemplificar o que acontece em todo o planeta. Em cada mulher, ocidental ou oriental, há um pouco de cada uma das personagens de Caramelo. A identificação com elas nos permite ver que a opressão sexual e de gênero não é exclusiva dos muçulmanos, a solidão também não e nem a tristeza.

Isso não deixa de ser uma conquista de Labaki: num país em que a igualdade de gênero não é encontrada em todos os aspectos da lei – violência doméstica e adultério são ainda pontos controversos na constituição libanesa –, as mulheres libanesas têm espaço e podem falar, em francês, árabe ou armênio (as línguas nacionais reconhecidas), que o dia-a-dia, às vezes, trepida entre o doce e o amargo, a dor e o prazer. Como o caramelo, que além de servir como guloseima também é usado para a depilação, a vida não é um traçado reto e uniforme e nem carrega consigo apenas um significado.

Por Meire Kusumoto
meirekusumoto@gmail.com

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