Imagem: Lígia Castro/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior
É curioso como o ser humano tem sensações ao entrar em contato com coisas externas. Quando vemos uma imagem, por exemplo, mil e tantos sentimentos podem passar na nossa cabeça. Desde uma tela de Picasso à um desenho, feito a lápis mesmo, com seus contornos simples e leves, mas que nos marcam de alguma forma. Igualmente ocorre quando comemos algo que nos remete a lugares ou momentos que já vivemos ou que está sendo vivido pela primeira vez. E, da mesma maneira simples que um desenho pode ser feito e ser extremamente marcante o que ele quer dizer para nós, a comida mineira encanta com seus pratos e meios de preparo.
Esta rica culinária é um caso à parte. Não podemos afirmar que tal prato é feito exatamente daquela maneira em cada canto de Minas. Ou que em cada canto de Minas há aquele prato. É uma culinária que se altera e que se torna peculiar em cada lugar. Uma culinária que não se rende aos pratos europeus de porcelana, que só pode ser feita pelas mãos dos grandes chefs. Pelo contrário. É na sua simplicidade de se fazer que se encontra a grande riqueza.
São nas panelas de barro, antigas, que se realizam as memoráveis receitas mineiras. Sim, em panelas que, para muitos cozinheiros, não têm serventia nenhuma a não ser enfeitar uma prateleira ou decorar um cômodo de seu restaurante. Panelas que nunca perdem sua importância. Você pode até pensar: “Ora, são só panelas!”. Mas não é bem assim, elas têm todo um significado. Elas são um retrato de algo verdadeiro, algo que é feito com total cuidado e dedicação, que não se deixa perder pela pressa. E há quem diga – e eu assino embaixo – que elas dão um certo toque diferente no gosto da comida.
E falando em comida, um bom começo pra esse “roteiro turístico via paladar” é o arroz com pequi. Obviamente, o preparo pode variar de região para região, mas o pequi tem o papel de tempero nesse prato. O diferencial é justamente essa fruta de sabor e cheiro forte, o que é passado ao arroz feito junto à ele. Além do gosto inesquecível, o pequi tem alguns benefícios para a saúde. Mas, caso queria comer a fruta separadamente, o que é bem típico também, fica o aviso aos apressados de que o caroço dela contém pequenos e dolorosos espinhos. E no critério do tempero, outro prato tem um destaque: o frango com quiabo que, quando é frango caipira, torna a receita mais tradicional e – para uma grande massa de pessoas – mais gostosa.
Em outro campo da culinária, os doces de Minas Gerais têm suas peculiaridades, seja no nome, no preparo ou no gosto. Um deles é a geléia de mocotó ou geléia de pé de boi, que é feita justamente com cartilagens e tendões da pata bovina. Pode até parecer estranho, mas o sabor desse doce é extremamente gostoso. Mas caso o “moço” não queira se arriscar nesse “trem bão demais”, há os tradicionais e conhecidíssimos doce de leite e pé de moleque. O primeiro pode ser consumido nos recheios de outros doces, na forma de pedaços retangulares, etc. Mas uma das melhores maneiras recomendadas, ou na bom sotaque mineiro de falar, “mar bão memo” é comê-lo no pote, pegando muito ou um “cadim” com a colher. O pé de moleque, por sua vez, pode ser encontrado com uma consistência mais firme ou mais flexível.
Aliás, a rapadura, conterrânea dos doces, serve de ótimo acompanhamento para um café. Muitos mineiros até adoçam seus copos com o doce duro. E falando em café, ele não é somente uma bebida. Nada na cultura mineira é o que é só pelo fato de ser aquilo. Pode ser forte ou mais fraco, açucarado – na rapadura, não se esqueça – ou mais amargo, ele é um convite, uma forma de agradar, de ser solidário. Entre uma boa conversa, logo se oferece um gole de café fresquinho, passado na hora.
E sem faltar o famoso queijo, mais típico do que qualquer coisa mineira. O queijo é diverso, igual a sua “culinária – mãe”. Mas vamos falar do mais bão de vera, o queijo minas ou queijo artesanal. E ainda assim, há nesse seleto grupo uma variedade de queijos tradicionais. A maioria é feita com o leite diretamente ordenhado, fresquinho. Isso dá um sabor especial aos derivados. Além do mais, a vegetação do pasto e o clima são outros fatores que influenciam no gosto e na textura, que pode ser meio picante, mais amarelado e com uma casca mais grossa como o queijo da Serra da Canastra.
E o que falar então do inesquecível pão de queijo. Macio e crocante, um pouco tostado, mas com gosto de queijo, esse ícone mineiro utiliza na sua receita o queijo da sua terra, obviamente, e polvilho azedo, que é usado na produção do biscoito de polvilho, feito nos forninhos. Convém abrir uma licença para falar sobre esse momento. Depois de moldar o formato do biscoito, ele é colocado em um forno que foi aquecido internamente com lenha e, após tampar as aberturas dele, utiliza-se esse “bafo” para fazer com que a massa cresça. Um momento, mais uma vez, em que podemos notar como esse povo se dedica pra fazer bem feito, mantendo seus valores de empenho e amor naquilo que está fazendo.
Aos que gostam de uma “água que passarinho não bebe”, as cachaças mineiras conquistam desde viajantes até especialistas no ramo. A variedade de sabores se deve à forma de como ela é produzida: quanto tempo ela é envelhecida, que espécie de material é feito o tonel em que ela fica nesse processo, quais tipos de especiarias ou outros ingredientes foram usados na sua composição… Tem até cidade conhecida nacionalmente – e arrisco a dizer que até mundialmente – por causa da sua produção da “marvada”, como Salinas, localizada no norte do estado.
Sem dúvidas, Minas Gerais e toda a sua cultura na culinária não cabe em uma matéria. Não cabe em palavras que têm significados convencionados. Os significados são sentidos por quem experimenta e busca compreender melhor toda essa vida, todas essas maneiras de se dedicar ao que faz, como simplesmente cozinhar no fogão de lenha, nas “fornaia”, que fazem muita fumaça, é verdade, mas que fazem a comida bem feita. Significados que não são simplesmente significados. Simples até são. Mas é justamente nessa característica que se diferencia tudo: fazer o simples, mas fazer bem feito.
Por Pedro Ezequiel
pedroezequiel36@gmail.com
Que gostosura de texto!!!
Deu até água na boca, poder cozinhar à lenha e passar um cafezinho fresquinho pra prosear depois do almoço… Enquanto isso, do lado de cá, ficam apenas as boas lembranças e a nostalgia, enquanto os dedos digitam, os pés caminham ligeiros, o diafragma contrai a respiração nos trens lotados, os braços apertam as bolsas contra o corpo para protegê-las e os olhos de mantém atentos às próximas boas oportunidades de se destacar no mercado Paulista…
Abraços fraternos, adorei o texto!