Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

‘Véspera’ e a irreversibilidade do abandono

O último romance de Carla Madeira investiga as motivações de uma mãe desesperada, em uma história emocionante e recheada de temas universais.

Vedina é uma mulher infeliz, sobrecarregada com a maternidade e insatisfeita com o próprio casamento. Ela poderia ser apenas uma entre tantas outras mulheres que compartilham essa mesma história, se não fosse por uma atitude excepcional, que muda o rumo de sua vida: o abandono do único filho, de 5 anos, em uma rua qualquer. O acontecimento chocante e inesperado é o ponto de partida da trama de Véspera (Grupo Editorial Record, 2021), romance de Carla Madeira

Ao longo da história, a escritora mineira busca desvelar os motivos da ação extrema de Vedina. Para isso, ela expõe as entranhas de uma família assolada por uma série de problemas, como o alcoolismo, a superproteção e a rivalidade entre irmãos. Os objetivos centrais da narrativa são situar a protagonista nessa teia de relações complexas e buscar respostas à pergunta que persiste: o que leva uma mãe a abandonar um filho? 

A trama é construída a partir de dois tempos narrativos, alternados por capítulos, por meio dos quais o leitor pode inferir algumas respostas. No tempo passado, é contada a história de Custódia e seus dois filhos gêmeos, Caim e Abel — sendo que esse último, no futuro, se torna marido de Vedina. O pai dos meninos, Antônio, impôs-lhes os nomes dos trágicos irmãos bíblicos em um ato de vingança contra a esposa, Custódia, que se tornava cada vez mais religiosa e indiferente ao casamento. O ato impulsivo transforma para sempre o relacionamento do casal: Custódia, que antes escondia minimamente sua falta de afeto pelo cônjuge, passou a expressar abertamente o desprezo que sentia por ele. Além disso, ela se torna uma mãe excessivamente protetora, com medo de que o fatídico destino bíblico recaia sobre sua família. 

 

A imagem é um desenho em preto e branco dos irmãos Caim e Abel, que são alegorias para os personagens do livro Véspera. Na imagem há dois homens usando túnicas, o da direita em pé com um bastão com expressão brava, e o segundo, à esquerda, sentado mexendo em pedaços de madeira e olhando para o bastão vindo em sua direção com uma expressão assustada. Ao redor dos dois, uma floresta.
A história de Caim e Abel é uma das passagens bíblicas mais populares, que narra aquilo que teria sido o primeiro homicídio da humanidade. [Imagem: Reprodução/Pixabay]

Um salto temporal conduz o leitor de Véspera ao tempo presente, no qual Vedina abandona o filho, Augusto, e imediatamente se arrepende. Porém, é tarde demais: quando volta ao local em que o deixou, não encontra a criança. Nessa parte da história, Madeira cria um retrato vívido e dilacerante do conflito interno que aflige a mulher arrependida. Desnorteada e aflita, Vedina não compreende a própria atitude e não sabe o que fazer para recuperar o filho, nem a quem pedir socorro: teme inventar uma mentira para a polícia e acabar sendo desmascarada, teme a reação do marido, e teme o julgamento que sofrerá das demais pessoas que souberem do que fez. O nome que, enfim, vem à mente conturbada dessa mãe é o de Veneza, uma amiga da adolescência. 

Veneza é uma personagem relevante na obra. Além de amiga de Vedina, de quem sempre foi alvo de inveja, a personagem é também interesse amoroso de Caim. Muitos dos comportamentos, sentimentos e decisões das outras personagens são influenciados direta ou indiretamente por essa mulher, cuja beleza e inteligência exercem um poder de fascínio sobre todos os que estão ao seu redor. 

Há, ainda, outras figuras secundárias importantes na trama, como os pais e os avós de Vedina, os pais de Custódia e os pais de Veneza. Essas figuras ajudam a delinear as personalidades — por vezes misteriosas — dos protagonistas, e explicam, em determinado grau, os atos destes no presente. 

Além disso, a autora foi bem sucedida, sobretudo, ao retratar os aspectos psicológicos das personagens. Conjuntamente, ela cria, de maneira primorosa, uma atmosfera carregada de suspense e tensão. Em diversos momentos, a angústia e o sofrimento das personagens se tornam quase palpáveis, e o leitor pode pressentir que esses sentimentos estão prestes a transbordar, tal qual a lava incandescente retratada na capa do livro. 

Seguramente, Véspera é uma obra sem meios termos: os sentimentos, os dramas, as reações, os conflitos e as tensões atingem o paroxismo. É impossível não ser fisgado por essa trama que sabe ser, ao mesmo tempo, extraordinária e trivial, de modo que histórias de vida relativamente comuns se mostram mais desconcertantes e poéticas do que a mais fantasiosa das ficções. 

[Imagem de capa: Victória Pacheco]

1 comentário em “‘Véspera’ e a irreversibilidade do abandono”

  1. Fátima Aparecida Bormio Gomes

    Que livro maravilhoso é esse !!! Leitura flui com interesse , curiosidade , e vontade de não parar e que o livro não acabe . Parabéns Carla , sou leitora voraz e serei seguidora de seus livros , mesmo começando de trás pra frente pois esse é o terceiro . Ganhou mais uma fã. Que venham muitos mais para preencher nossa leitura . Grande abraço . Fátima

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima