Quando o assunto é música, homens e mulheres são tratados igualmente, certo? Errado. Até mesmo nesse meio existem esteriótipos, preconceitos e diferenças que a mídia e até os fãs criam entre os dois sexos. Sabendo disso, muitas feministas desse universo resolveram erguer a voz de uma vez por todas para calar a boca de quem insiste em oprimir as mulheres.
No segundo texto do Especial Sala Feminista o Sala 33 vai homenagear uma pequena parcela dessas garotas que lutam para que, não somente que seu próprio meio, o da música, se torne mais justo, como o mundo todo também.
Nina Simone
Mulher. Negra. Pobre. Eunice Waymon tinha o sonho de se tornar uma pianista clássica, mas quando jovem não foi aceita pelo conservatório de música da Filadélfia, segundo a própria artista devido a sua cor de pele. No início da fase adulta, Eunice adotou o nome artístico de Nina Simone e começou a cantar em bares em Atlantic City. Foi nesse período que conheceu seu marido, Andrew Stroud, um policial nova-iorquino, que logo tornou-se seu empresário e passou a comandar sua carreira, levando-a ao estrelato. Dotada de uma voz poderosa e um talento no piano inigualável, Nina alcançou o sucesso ainda jovem, no início dos anos 60, época que coincidia com os movimentos pelos direitos civis negros. O conteúdo de suas canções foi mudando gradativamente para temas políticos, como é percebido na canção Mississipi Goddam, uma resposta ao incêndio de uma igreja em Birmingham, que matou quatro crianças negras. Foi ativista do movimento dos Panteras Negras e participou das marchas de Selma a Montgomery, que conseguiu aprovar a Lei dos Direitos ao Voto em 1965.
https://www.youtube.com/watch?v=fVQjGGJVSXc
Foi uma mulher de garra, que sabia da sua condição e nunca se acomodou. Lutou muito pelos direitos civis negros, mesmo quando começou a receber boicotes da indústria musical norte-americana. Foi vítima de violência doméstica do seu marido e empresário, e acabou parando três vezes no hospital por causa das surras. Nina, infelizmente, estava submetida àquela relação abusiva, seja pela carreira (a qual ele detinha posse) ou por causa da família (tinham uma filha), e muitas vezes foi obrigada pelo marido a fazer turnês e se apresentar contra a sua vontade. Morreu em 2003 na França, depois de vários anos sofrendo de câncer de mama, porém, seu legado, seja político, seja musical, ou ainda, seja como mulher forte e inspiradora, nunca será esquecido.
Patti Smith
Nem sempre cantoras são reconhecidas por suas vozes marcantes, como Aretha Franklin e Nina Simone. Ás vezes, elas nem precisam ser grandes cantoras para chamaram atenção. Como é o caso da grande poetisa e precursora do movimento punk, Patti Smith. A própria artista já declarou em entrevista que quando lançou seu primeiro e mais aclamado disco, Horses de 1975, não era uma grande cantora. Então, o que a fez destacar como uma das figuras da história do rock, recebendo até um dia (10/10) em sua homenagem no calendário do município de Boston? Patti Smith é uma grande contadora de histórias e aplica isso em suas canções, compondo músicas que mais parecem recitais de poesias. É dona de um carisma e de uma performance teatral única, além do talento nato como compositora.
A história da cantora também nos revela o quão forte ela é. Smith foi criada numa família pobre, junto com três irmãos mais novos, filhos de um pai ateu e uma mãe testemunha de jeová, fato que influenciou suas poesias. Aos dezesseis anos largou os estudos e foi trabalhar numa fábrica. Depois trabalhou como professora, mas aos dezenove engravidou e foi expulsa da escola. Com ajuda de amigos, enfrentou a gravidez até o fim, mas enviou o filho para adoção. Com apenas 16 dólares no bolso, migrou até Nova York, onde conheceu um amigo, Robert Mapplethorpe, estudante de arte e fotógrafo, com o qual dividiu quartos em hotéis baratos. Trabalhou como vendedora numa livraria, como artista performática de rua, como pintora, como poetisa, até chegar nos anos 70 e se consagrar nos porões e bares undergrounds de NY com seu talento artístico híbrido. Até hoje é uma inspiração não somente no ramo da música, mas da poesia, do teatro e até da literatura.
Rita Lee
Quem não poderia faltar nessa linha cronológica é uma grande figura feminista de carteirinha, brasileira e roqueira: Rita Lee. Começou como integrante de duas bandas influentes dos anos 60 e 70, Os Mutantes, junto de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, e a banda Tutti Fruti, depois, em parceria com seu marido, o guitarrista Roberto Carvalho, Rita Lee partiu para sua carreira solo. Suas canções são sempre cheias de ironia e por vezes retrata reivindicações feministas, como Cor de Rosa Choque, Pagu e Amor e Sexo. Retrata as mulheres como muito além do sexo frágil, como é comumente chamado, além de exaltar a libertação sexual e a independência feminina.
Madonna
Existem várias figuras femininas revolucionárias no meio musical, mas há uma inegavelmente feminista e provocadora. A rainha do pop não poderia ficar de fora, já que ela foi uma das figuras mais influentes dos anos 80. Madonna desde o começo da sua carreira reivindicou a liberdade sexual feminina, como quando lançou seu segundo disco, Like a Virgin de 1984. Sua música e o clipe da faixa-titulo foram acusados de incentivarem o sexo antes do casamento e de confrontar os valores da família. Em resposta, a artista fez uma performance dessa canção vestida de noiva em cima de um bolo de casamento fazendo insinuações sexuais.
Em muitos outros momentos, Madonna questionou símbolos religiosos ou conservadores e a falta de liberdade sexual, como nas faixas Papa Don’t Preach e Like a Prayer, e em seus discursos e entrevistas, a cantora e dançarina sempre ressaltava que pretendia quebrar tabus com sua música. Além disso, a artista foi um ícone da moda, principalmente nos anos 80, com seu estilo ousado, meias arrastão, crucifixos, luvas e laços na cabeça. Definitivamente, foi uma grande influência, tanto na música, no mundo pop, na moda, quanto no universo feminino, dando o exemplo de uma mulher independente e sexy.
Bikini Kill
Formado por garotas feministas, o Bikini Kill chamou a atenção por suas canções cheias de atitudes e letras que reivindicavam a emancipação feminina. A banda fez parte de um movimento punk dos anos 90 chamado Riot Grrrls, que consistia em bandas formadas por mulheres que faziam música defendendo e promovendo o feminismo. Kathleen Hanna era uma ex-stripper quando formou a banda em 1990 e começou a se apresentar como vocalista. A cantora se apresentava sem camisa, por vezes com o escrito “slut” (vadia em português) em alguma parte do corpo a mostra, pedia para que os homens da plateia deixassem as garotas ficarem na frente do palco, e assim entregava fanzines e letras das músicas. Apesar da banda ter sido pequena, o movimento foi significativo para dar maior espaço às bandas femininas no meio do punk e do rock, pois infelizmente, a indústria musical sempre esteve repleta de homens e com poucas mulheres.
Destiny’s Child e Beyoncé
As Destiny’s Child sofreram várias mudanças em relação a sua formação, mas o sucesso foi alcançado como um trio entre Beyoncé Knowles, Kelly Rowland e Michelle Williams. Seus singles de maior sucesso foram Independent Woman e Survivor, ambos que ressaltam a emancipação feminina como figuras fortes que merecem seu devido respeito. O grupo fez parte de um movimento de ascensão das girls groups no final dos anos 90, início de 2000, junto com as Spice Girls, as Pussycat Dolls e as meninas do TLC.
Uma das feministas mais consagradas do mundo, Beyoncé abriu muitas portas para as mulheres. Em sua carreira solo, a cantora sempre fez questão de lutar pelas mulheres e empoderá-las. A música “Flawless”, por exemplo, tem a intenção de fazer as garotas se sentirem simplesmente perfeitas. Além disso, Bey também fez músicas com o tema sexo, que possibilitam que as mulheres se permitam falar sobre seus desejos sexuais. Finalmente, não podemos esquecer do hit “Who Run The World” que se tornou um dos hinos feministas, já que sua letra significa: “Quem comanda o mundo? Garotas!”
Valesca
A cantora de funk Valesca Popozuda ficou famosa por sua participação na antiga Gaiola das Popozudas. Conhecida pelas músicas ousadas que vão, coloquemos assim, direto ao ponto, Valesca foi uma das primeiras brasileiras a darem voz para o desejo sexual feminino. As letras das suas músicas falam diretamente e a cantora não tem pudor ao cantar de seus desejos. Essa atitude é fantástica para as mulheres, já que, na maioria das vezes, uma mulher assumir seus desejos e a vontade de fazer sexo é considerado vulgar. As canções de Valesca permitem que as garotas simplesmente ergam as mãos e digam “eu tenho desejos!” sem se preocuparem.
https://www.youtube.com/watch?v=HJaPWBEru_k
Além disso, o feminismo de Valesca abre espaço para muitas mulheres. Segundo a cantora a sua música “Eu sou a diva que você quer copiar” é dedicada a todas as mulheres, porque todas as mulheres podem ser divas. Entretanto, o que é muito criticável nas musicas da funkeira é a falta de sororidade. Em muitas de suas canções, Valesca xinga outras mulheres, o que afeta diretamente o movimento feminista.
Pitty
A baiana Pitty é conhecida por suas músicas de rock que encanta diversas gerações. Ao falar de feminismo, Pitty dá uma aula de desconstrução de “machismos escondidos”. No final de 2014, ao debater o tema com Anitta no programa Altas Horas, Pitty fez questão de lembrar que as mulheres ainda não alcançaram os mesmos direitos que os homens (desconstruindo a ideia de que o feminismo não é mais necessário).
Um exemplo claro do feminismo presente nas canções da rockeira é “Desconstruindo Amélia”, música que fala diretamente das divergências entre os sexos e das situações que as mulheres enfrentam no dia a dia.
Lily Allen
Depois de sumir da mídia por algum tempo, Lily voltou para as paradas musicais com uma música que critíca duramente o machismo: “Hard Out Here” fala de forma irônica de como é difícil ser uma “vad**”. A canção critíca os padrões de beleza, a pressão sobre as mulheres para serem boas donas de casa, ganharem dinheiro e se comportarem como o esperado. Entretanto, mesmo assim a música pode ser criticada, já que em certos momentos não se sabe se a cantora está sendo ou não irônica (e por isso entende-se que ela está criticando certo “tipo de mulher”).
Outros fatos interessantes sobre a britânica podem ser notados em suas redes sociais. No Facebook e no Instagram, por exemplo, Lily posta fotos com a temática feminista frequentemente.
Miley Cyrus
Miley Cyrus tem, digamos, um feminismo “diferente”, mas extremamente importante. A cantora não tem vergonha do próprio corpo, usa maconha, canta sobre o que quer… Miley faz o que quer da própria vida, sem se incomodar com a conduta que uma “boa moça” deve ter. Esse exemplo é muito relevante para as mulheres, porque ajuda a desmistificar a ideia de que as mulheres não podem agir de forma x ou y. Miley Cyrus tem ajudado a quebrar os tabus sobre o corpo, a sexualidade e os desejos femininos.
Além disso, é muito interessante entender a mudança de Miley nos últimos anos como algo também favorável para as mulheres. A transformação de “menininha formada pela mídia” em uma mulher independente e cheia de si permite que as mulheres percebam que elas podem ser o que quiserem. Não é porque até determinado momento da vida uma garota era reprimida que ela não pode se transformar no que ela quiser. E é sempre bom lembrar isso.
Nicki Minaj
A carreira de Nicki já é uma verdadeira lição para as mulheres. A cantora sentiu as dificuldades de fazer música em um meio extremamente machista que é o rap. Entretanto, Minaj bateu recordes, ganhou prêmios, escreveu músicas inovadoras e, com isso, acabou se tornando uma das melhores rapers de todos os tempos. Além disso, a raper faz questão de lembrar do racismo existente no mundo da musica e, além disso, Minaj se esforça para debater juntamente as causas negras e feministas.
Por Giuliana Viggiano e Lídia Capitani
viggiano.giuliana@gmail.com/lidiamcapitani@gmail.com