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108 anos de Corinthians e o presente de pisar na Arena pela primeira vez

Por Amanda Capuano Pensei muito sobre como começar esse texto. Que rumo dar a ele. Nas antigas peças de Shakespeare, se uma história termina em casamento, é uma comédia. Se o final guarda a morte, é uma tragédia. Simples e direto. Mas existem comédias tristes, e tragédias felizes. Nada é tudo tão preto no branco. …

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Por Amanda Capuano

Pensei muito sobre como começar esse texto. Que rumo dar a ele. Nas antigas peças de Shakespeare, se uma história termina em casamento, é uma comédia. Se o final guarda a morte, é uma tragédia. Simples e direto. Mas existem comédias tristes, e tragédias felizes. Nada é tudo tão preto no branco. Com a exceção dos uniformes no gramado em um Corinthians x Atlético Mineiro, e do mar alvinegro das arquibancadas da Arena.

“Às 20h30 do dia 1º de setembro, à luz de um lampião, na esquina das ruas José Paulino e Cônego Martins, no bairro do Bom Retiro, o grupo de operários formado por Anselmo Corrêa, Antônio Pereira, Carlos Silva, Joaquim Ambrósio e Raphael Perrone fundou o Sport Club Corinthians Paulista.” O ano era 1910, e a descrição da fundação abre a página que narra a história do clube no site oficial do SCCP.

108 anos depois, em um sábado em Itaquera, a estreia era minha: a primeira vez em um estádio. A data não poderia ser mais propícia. Era o aniversário do time que acompanhei pelas telas a minha vida inteira. 21 anos de sorrisos e lágrimas. Vitórias e derrotas.

Não me lembro exatamente quando tudo começou. Neta de são-paulinos, filha de um palmeirense e uma corinthiana, eu tinha vários caminhos a seguir. Não acho que tenha sido escolha minha, nem me lembro de ter ficado em dúvida. É aquela velha história: quem é Corinthians já nasce. Lembro das tentativas de conversão do meu padrinho, palmeirense como meu pai, e de como a ideia de torcer para qualquer outro clube nem sequer passava pela minha cabeça. Nenhum outro fez meus olhos infantis brilharem e o coração acelerar. E se eu tivesse que escolher, era essa a emoção que escolheria todas as vezes.

Quando saí de casa, o relógio marcava 18h45. A calça preta e o manto alvinegro denunciavam o destino. Talvez pela ansiedade, o dia tenha demorado a passar. Peguei o metrô no Tucuruvi. Junto comigo, dois casais uniformizados entraram e acomodaram-se nos bancos do trem. Lembro-me de pensar que, de alguma forma, aqueles desconhecidos estavam ligados à mim. Em algum momento da vida, eles ouviram as mesmas piadas sobre a falta de Libertadores que cresci escutando, compartilharam das lágrimas doloridas que chorei na queda para a Série B aos 10 anos, e soltaram o mesmo grito de campeão que dei aos 15 quando conquistamos o mundo. A ideia me fez sorrir.

Na parada do trem, o canto da torcida anunciou a chegada. Desembarquei acompanhada de amigos já veteranos de estádio. A estação estava repleta de torcedores. Um túnel levava à saída. Das paredes de vidro, avistei-o pela primeira vez. Encarei aquela estrutura gigante por alguns minutos. Luzes saltavam dos vãos e chegavam aos meus olhos. Tão perto e ao mesmo tempo tão longe. 

Vista do estádio do túnel da estação Itaquera. (Imagem: Amanda Capuano/Jornalismo Júnior)

O mar de torcedores marchava na mesma direção. Seguimos o fluxo pra Arena. Vi bandeirões e organizadas concentradas. Encantei-me com a quantidade de crianças que davam pulinhos animados. Meus pés queriam copiá-las. Avistei ao longe o telão de LED que piscava “CORINTHIANS” em letras garrafais. Meus olhos mapeavam todos os pontos que conseguiam alcançar, como quem tenta captar o máximo de imagens possíveis para guardar na memória.

Vimos a escalação no meio do caminho. O esquema de Loss assustou. A fase não era das melhores: com uma eliminação em casa na Libertadores e uma campanha nem um pouco convincente no Brasileirão, a confiança da torcida estava abalada. Pra piorar a situação, nomes importantes como Cássio e Jadson ficaram de fora. Mateus Vital, pedido pelos torcedores, era banco, e Roger, com um péssimo desempenho, seguiu com a titularidade.

Eram cerca de 20h30 quando passei pelas catracas e pisei em solo alvinegro. O horário exato da fundação. 108 anos depois, eu estava dentro da Arena Corinthians prestes a ver meu primeiro jogo. Não fomos para as cadeiras, ficamos em pé no alto do setor sul. A visão do campo fez meu coração disparar. Ainda estava vazio, mas um filme das vitórias conquistadas naquele gramado passou pela minha cabeça enquanto “Todo poderoso Timão” ecoava das arquibancadas.

A torcida corinthiana acendeu as lanternas dos celulares antes do início da partida em homenagem ao aniversário do clube. (Imagem: Amanda Capuano/Jornalismo Júnior)

Meia hora depois, o árbitro apitou o início. A bola rolou a alguns metros de mim. A única coisa que me separava do gramado era a multidão que empurrava o time com a garganta. Cantei junto. A voz meio tímida no início, confesso. Mas à medida que o coro aumentava, a coragem surgia e o canto saía, indo de encontro às quase 30 mil vozes de uma orquestra popular triunfal. Senti um arrepio surgir. Talvez o vento gelado tenha colaborado, mas não descarto a emoção do momento. Era um instante mágico, mas o melhor ainda estava por vir, e o pior também.

O início do primeiro tempo foi de domínio corinthiano. Apesar das limitações técnicas, tínhamos mais posse de bola e algumas tentativas frustradas de finalização. O Atlético não ofereceu muito perigo. Mesmo assim, sentia as unhas indo embora junto ao tempo no relógio. Sempre fiquei nervosa com jogos. Lembro da minha mãe dizendo que era só futebol, mas não importava o quanto ela tentasse, as unhas roídas, o corpo tenso e os gritos inesperados sinalizavam que nunca foi só futebol para mim, e não era diferente ali.

Bola no ataque e lateral para o Corinthians. Danilo Avelar cobrou buscando Roger, que resvalou de cabeça para os pés de Pedrinho. O camisa 38 dominou na entrada da área, cortou para a esquerda e chutou. A bola alta viajou acertando o travessão, e para a tristeza de Victor, bateu em suas costas e caiu do lado de dentro da linha. Por coincidência ou destino, o marcador no telão mostrava 19 minutos e 10 segundos. 1910, o ano de nascimento do clube, era também o tempo do seu gol de aniversário. A norte explodiu.

Do outro lado do campo, atrás da rede de Walter, a sul demorou alguns segundos para entender o lance, e então veio a onda. Os gritos de gol ecoaram pelo estádio. Pulei e abracei os amigos. Lembro de pensar que eles provavelmente tinham visto aquilo inúmeras vezes e, ainda assim, era como se fosse a primeira. Como realmente o era para mim. Senti os olhos marejarem um pouco, mas o vento gelado deu conta de impedir o choro. O mesmo não aconteceu com as mãos, que tremiam sem muito controle. Naquele momento, 30 mil pessoas estavam conectadas de uma forma única. Era como se todos fossem pequenas estruturas de uma mesma célula, reagindo em conjunto a um único impulso nervoso. Sempre ouvi dizer que o Corinthians não era um time com uma torcida, mas uma torcida que tinha um time. E naqueles segundos de êxtase eu realmente senti o quão significativa é essa frase. A essência que fez meus olhos brilharem quando criança estava ali. E estaria ali independente da fase: na Série B, no pior momento do clube ou no Japão, no ápice da glória corinthiana.

Os minutos seguintes foram tensos. Em desvantagem, o Atlético passou a buscar o ataque, mas não conseguiu criar muito. Com a pressão e dois volantes em campo, o Corinthians recuou. Aos 38, Gabriel acertou a mão na bola dentro da área e o árbitro apontou a marca do pênalti. A cobrança ficou por conta de Fábio Santos, ex corinthians. A torcida gritava o nome de Walter na tentativa de passar confiança. Não teve jeito. Bola para um lado, goleiro pro outro. A regra do ex fez-se presente e Santos balançou a rede em Itaquera. 1 a 1.

Logo após o empate, senti a adrenalina cair. Não era tão empolgante ver um gol adversário tão de perto. E então ouvi as vozes crescerem. O estádio explodiu novamente. Senti ali uma torcida que queria estar em campo junto, e o grito de “vamos Corinthians, esta noite teremos que ganhar” entoado por todo um estádio definitivamente era uma maneira de fazer-se presente. A vibração durou até o fim do primeiro tempo, que se encerrou com dois minutos de acréscimo. Silêncio de novo. Intervalo na arena.

Visão do setor oeste durante intervalo do jogo. (Imagem: Amanda Capuano/Jornalismo Júnior)

O segundo tempo começou sem nenhuma alteração  Loss recusava-se a mexer no time e a vibração dos torcedores intercalava-se a vaias e xingamentos. Peguei-me diversas vezes irritada, roendo as unhas e soltando expressões não tão amigáveis. Era a minha primeira vez no estádio, e a experiência estava completa: o sofrimento da má fase ficou claro ali. Nem tudo são flores quando se trata de futebol. E nada é muito fácil quando o assunto é Corinthians. Mas eu já vira jogos melhores pela televisão e a saudade das fases áureas bateu forte. Mas eu estava ali, e de certa forma aquilo era suficiente no momento.

Após uma bola na trave ameaçar o empate, Loss finalmente decidiu mexer. Roger saiu sob vaias e o veterano Danilo entrou em seu lugar. Romero também deixou o campo – não era uma noite inspirada para o paraguaio –, e Vital ocupou o posto sob aplausos. O jogo ganhou certa dinâmica, mas nada muito significativo. Alguns minutos depois, Rodrigo Figueiredo substituiu Araos, o que também não agradou muito.

Apesar da monotonia, a segunda etapa passou mais rápido do que a anterior. As maiores chances do Corinthians vieram de escanteios. A torcida vibrava e mandava energia, mas não teve jeito. A bola se recusava a encontrar o caminho. Alguns sustos também aceleraram o coração do torcedor, ou pelo menos o meu. Walter defendeu um chute perigoso no canto esquerdo do gol. Um cruzamento fechado passou por todos, me fazendo prender a respiração. O tempo que antes corria rápido demais, agora parecia não passar.

Quatro minutos de acréscimo e os últimos da minha estreia. Acompanhei com os olhos atentos os últimos lances na esperança de uma vitória a la Corinthians, aos 47 do segundo tempo, mas o árbitro apitou o centro do campo antes das redes balançarem novamente. A vitória não veio e o empate é o que eu teria para lembrar do dia histórico em que vi meu time jogar em casa pela primeira vez.

Visão da ala leste após apito final. (Imagem: Amanda Capuano/Jornalismo Júnior)

Saí do estádio pensando na loucura que havia sido a noite. O jogo claramente poderia ter sido melhor, mas também podia ter sido pior. Olhei pro campo e percebi que teria uma história para contar. Estar ali em meio àquela torcida, com pessoas que amam o clube tanto quanto eu. Vibrar, cantar, e porque não, cornetar junto me fez sentir parte de algo maior. Realmente pertencente ao sistema que sempre observei de longe pelas telas.

Acho que essa é a maior lembrança que poderia levar dessa noite, e as imagens de gratidão que roubaram meu sono ao deitar a cabeça no travesseiro não me deixam mentir: valeu à pena cada segundo. Cada grito. Cada batida acelerada de um coração alvinegro aflito. Fechei os olhos e o hino ecoou na minha mente, assim como os cânticos da torcida, dessa vez com a minha voz integrando o coro. Salve o Corinthians!

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