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24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo | Segunda-feira, dia 29

A primeira impressão que temos ao adentrar o Anhembi na 24ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo é a de estarmos realmente em um evento grande e estabelecido. Diferente dos cenários que costumávamos encontrar em edições passadas, com filas quilométricas e o que parecia ser uma péssima distribuição de espaço, 2016 trouxe …

24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo | Segunda-feira, dia 29 Leia mais »

A primeira impressão que temos ao adentrar o Anhembi na 24ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo é a de estarmos realmente em um evento grande e estabelecido. Diferente dos cenários que costumávamos encontrar em edições passadas, com filas quilométricas e o que parecia ser uma péssima distribuição de espaço, 2016 trouxe uma Bienal reformada: ela conta com três espaços de eventos principais – o Salão de Ideias, o Cozinhando com Palavras e o Espaço BNDES, sendo os dois primeiros isolados e climatizados – teve a largura de seus corredores ampliada em dois metros e, para além do espaço físico, encorajou fortemente a compra de ingressos pela internet. Todas as mudanças colaboram para tornar o trânsito e estadia na feira mais agradável.

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É no primeiro destes novos espaços que acontece a palestra “Sobre a atualidade da leitura”, que une uma autora, Conceição Evaristo, uma professora doutora em educação, Isabel Gretel María Eres Fernandez, e um editor, Alexandre Martins Fontes para discutir tanto suas relações pessoais com a leitura como a forma como esta é encarada pelos jovens de hoje e pela população brasileira como um todo. Esta palestra, assim como todas as realizadas no Salão de Ideias, foi acompanhada por tradução em língua de sinais.

A mediadora da mesa, Susana Venura, a iniciou com um trecho do livro Ensinando a transgredir, da notória feminista negra norte-americana bell hooks, que fala sobre o impacto da segregação racial dos anos 60 na sua relação com o aprendizado:

“Agora, nós eramos ensinados por professores brancos cujas aulas reforçavam estereótipos racistas. Para crianças negras, a educação deixou de ser sobre a prática da liberdade. Ao perceber isto, perdi meu amor pela escola. A sala de aula não era mais um lugar de prazer e êxtase.”

Conceição começa sua fala ressaltando que toda sua experiência como leitora e escritora é profundamente influenciada por sua condição de mulher negra brasileira. Além de reconhecer no trecho de hooks o mesmo momento de alienação da escola que teve em torno dos onze anos de idade – Conceição cita a divisão das séries em classes diferentes, de acordo com aptidão, sendo aquela reservada a crianças “atrasadas”, em sua maior parte negras e pobres, no porão –  ela também ressalta a tradição mais pronunciadamente oral das culturas africanas, referindo-se à prática de ouvir histórias de sua família como seu primeiro ato de leitura. O contato maior com os livros – tanto seu como da maior parte da população periférica – viria depois, com a entrada na escola; e ela encontrou neles um refúgio e uma forma de se afirmar perante os professores. “Se eu não tivesse recorrido, naquela época, à leitura, acredito que hoje estaria doente”, finaliza.

Isabel Gretel, diante de uma plateia majoritariamente composta por educadores, foca na abordagem mecânica dada a literatura no ensino: existe uma pré seleção daquilo considerado “leitura de qualidade”, limitando as possibilidades do aluno e associando a prática a algo chato e trabalhoso – e se ele não demonstra interesse nesse escopo limitado de livros, logo se alega que os jovens deixaram de ler por completo. Referindo-se principalmente a lista obrigatória dos vestibulares, ela pontua que “a escola solicita leituras com as quais o aluno não está familiarizado ou preparado para fazer”. Isabel critica acima de tudo o hábito das escolas de se aterem sempre ao mínimo – os livros da lista, uma única língua estrangeira – sem expandir a gama de livros e gêneros textuais possíveis. Como saídas possíveis, ela fala sobre evitar a fragmentação dos textos, que resulta em análises muito descoladas da realidade; a diversificação das leituras e a priorização do conhecimento prévio do aluno.

Alexandre Martins Fontes inicia sua fala ressaltando o cenário dramático de desigualdade social no Brasil, que resulta numa população majoritariamente sem acesso a educação de qualidade – algo que, além de lamentável para a formação pessoal dos cidadãos, resulta num mercado significantemente pequeno no país. “Não existe uma profissão que possa abrir mão, na verdade, da leitura” ele diz “Ziraldo já fala há muitos anos que se ele fosse educador, as escolas nos primeiros anos fariam as crianças só lerem. Não tem história, geografia, matemática ou português; é a leitura que faz com que as pessoas se interessem e aprendam todas essas matérias”.

Fazendo referência àqueles que dizem que a geração atual não se interessa por leitura, diz que “não conheço uma criança que não tenha um encantamento pelo livro” e critica o efeito negativo da forma com que a literatura é atualmente tratada na escola no interesse dessas crianças pela leitura na medida que crescem. “Eu não tenho a menor dúvida de que é esse prazer da leitura, de estar com o livro, seja ele qual for, que mais tarde vai fazer com que ela leia obras mais importantes com esse mesmo prazer”.

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O segundo bate-papo do qual participo no dia – assim como todas as outros que ocorrem no espaço Cozinhando com Palavras – mostra o comprometimento do evento com seu lema, histórias em todos os sentidos. A mesa reuniu o chef alemão Stevan Paul, cujo último livro, ainda sem tradução para o português, é sobre receitas com cerveja; David Michelsohon, criador da cervejaria artesanal Júpiter; e Luís Celso Júnior, que coordena um site, Bar do Celso, sobre o universo da cerveja.

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Os participantes abordaram a recente – tanto na Alemanha como no Brasil – explosão das cevejarias artesanais, apontando para a maior variedade de estilos até então inéditos no Brasil proporcionado por estas produções menores. Eles abordaram a mudança na forma com que nossa sociedade encara o comer e beber a partir dos anos 70, a filosofia do slow food e da kraft beer abrindo espaço para um novo nicho de produtores e consumidores mais preocupados com a qualidade e gosto da cerveja. Em comparação com países como os EUA, no entanto, o mercado brasileiro de cervejas artesanais ainda compreende uma fatia muito pequena do mercado: 1% contra os 13% americanos. David atribui o cenário acima de tudo para as desvantagens econômicas – taxamento desproporcional, impedimento de produzir na cidade – de ser um microempresário no país.

Dialogando com Stevan, os presentes pesaram as vantagens e desvantagens da Lei de Pureza da Cerveja Alemã, que há mais de 500 anos determina que todas as cervejas produzidas no país tido como referência na produção sejam compostas exclusivamente de água, malte de cevada e lúpulo. O controle garante um certo padrão de qualidade, mas limita a criatividade: “Podemos controlar a procedência dos ingredientes, mas não podemos trabalhar com frutas frescas, por exemplo” lamenta Stevan. David ressalta o valor da metodologia alemã, mas comenta que a cerveja que produziu na Júpiter segundo a Lei de Pureza não vendeu tão bem. “Jamais diria algo contra a Lei de Pureza, mas é pra isso que existe o jeitinho brasileiro”, brinca.

Passando da produção de cerveja para seu uso na culinária, Stevan fala da experiência como uma aventura: devido aos tons particularmente amargos e defumados da cerveja – que se acentuam quando a cozinhamos – abre-se um mundo completamente novo de sabor. “Esquecemos dessas nuances, pois em geral, comemos coisas muito doces” ele diz, seguido pela observação dos brasileiros da mesa de que nosso paladar é acostumado com coisas ainda mais doces, o que é um empecilho extra pra aceitação dessa culinária no Brasil. O chef diz que o uso da cerveja lhe permitiu redescobrir o amargor “É isso que interessa: o equilíbrio de todos esses gostos para alcançar a harmonia”.

A última palestra do dia, também no Salão das Ideias, abordou a presença do feminino na literatura, e contou com as visões da autora Ivana Arruda Leite, da jornalista Adriana Carranca e da pesquisadora de literatura, especialista em Clarice Lispector, Nadia Gotlib. Ivana iniciou a conversa falando sobre a mudança na sua forma de encarar ser colocada na categoria de literatura feminina “Eu sou uma mulher, isto está marcado em tudo que eu produzo, mas me colocar nessa categoria sempre soou menosprezante pra mim”, relatou. Hoje, diz que o novo momento das mulheres a faz “tomar este título até com um certo orgulho” e também diz que, apesar disso, a mulher que ela retrata em seus livros é mais próxima daquela que ela imaginou que se tornaria – resguardada ao espaço doméstico, dentro de um casamento – do que de uma moderna.

Nadia Gotlib abordou a dificuldade da mulher de se inserir numa arte que, como todas as outras, conta com um repertório de tradição masculina, uma vez que a história das mulheres na literatura começou bem tarde em relação à dos homens. Ela ressalta a importância de movimentos de resgate das autoras esquecidas pela história, como o iniciado na Fundação Carlos Chagas em 1982. Falando sobre Clarice Lispector, Nadia diz que um de seus maiores legados foi uma visão mais “intercambiável” e flexível do gênero na narrativa, e aponta para esta forma de encarar o subjetivo como o futuro.

Adriana Carranca trouxe à conversa suas ricas experiências nos países islâmicos – ela cobriu extensivamente a situação no Afeganistão e no Irã, principalmente – mencionando a existência de grupos secretos de poesia feminina que se reúnem sob outros disfarces, tendo a literatura como “um espaço no qual podem falar sobre experiências familiares e erotismo entre elas”. Ela acredita que muita dessa literatura produzida em segredo ainda será descoberta no futuro. Também diz que no mundo árabe existe, hoje, um grande número de escritoras consagradas, mas que em sua maioria migraram para países ocidentais. Sobre sua experiência como jornalista de guerra, Adriana diz que nunca se viu como uma “mulher cobrindo a guerra”, mas como uma repórter – apesar de agradecer pelo benefício de poder transitar pelas “alas femininas” das casas, vetadas aos homens.

A mesa terminou com um questionamento da plateia em relação ao lugar em que a literatura produzida por mulheres se encontra hoje: as escritoras aproveitam, de fato, esse espaço para promover uma visão plural do que é ser mulher? “Eu acho que todo mundo tá na mesma vibe” falou Ivana “acho que essa luta feminina está presente na literatura. Não vejos nichos reacionários na literatura contemporânea: é claro que há divergências, que as abordagens são diferentes, mas a produção literária brasileira traduz muito bem esses erros e acertos do nosso caminho até aqui.”

Por Bárbara Reis
barbara.rrreis@gmail.com

 

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