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40ª Mostra Internacional de SP: O Apartamento

Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui. Ouvindo o interfone tocar, Rana (Taraneh Alidoosti) destrava o portão do prédio e deixa a porta do apartamento aberta para que seu marido Emad (Shahab Hosseini) possa subir com as compras do mercado. Feito isso, …

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Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.

Ouvindo o interfone tocar, Rana (Taraneh Alidoosti) destrava o portão do prédio e deixa a porta do apartamento aberta para que seu marido Emad (Shahab Hosseini) possa subir com as compras do mercado. Feito isso, ela vai então tomar banho. A câmera, no entanto, não a acompanha, permanecendo estática frente a porta que lentamente se abre. Os longos segundos de corte, que ainda são acentuados pelo rangido da porta, parecem nos dizer que algo está errado. A confirmação, porém, só ocorre no corte seguinte, que mostra Emad ainda no mercado. Mais sutil do que diversas obras que trabalham o tema, O Apartamento (Forushande, 2016) é também muito mais incômoda, retratando como os estupros podem muito bem acontecer em lugares (aparentemente) seguros.

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Após o edifício em que o casal morava dar indícios de desabar, um amigo da companhia de teatro em que trabalham oferece um apartamento até que eles possam se arrumar. Já instalados, eles descobrem que a antiga moradora era uma prostituta e que algum de seus clientes ainda não sabiam da mudança. Logo de cara, assim como o longo corte da porta, os detalhes das rachaduras nas paredes do primeiro prédio apontam para um cinema de mal-estar. Dessa forma, as sutilezas fogem de um cinema de fácil comoção para instaurar uma aura de constante perigo, o que é muito positivo para que não ocorra a banalização do estupro.

Para isso também, é importante que as interpretações fujam da caricatura. E aqui a dupla é perfeita ao expressar um sofrimento não por grandes momentos de estouro ou choro, mas por uma dor interiorizada. As nuances do sofrimento estão, por exemplo, no olhar desviado com que um ignora o outro ou nas decisões abruptas que Rana toma para não ficar sozinha. E mesmo quando tudo parece melhor, como quando ela traz o filho de uma companheira do teatro para passar a noite em casa e o casal parece estar aparentemente se divertindo com ele, o tormento vagarosamente ressurge, até que enfim descortina o fingimento em que se encobriam.

Mesmo operando majoritariamente de forma sutil, ele acaba infelizmente em outros momentos sendo bastante didático. Por exemplo, para em determinado momento mostrar que Emad está transtornado, o roteiro concebe uma sequência em que ele, que é também professor de literatura, rechaça seus alunos por coisas bobas. Assim, lembrando da imagem inicial que tinha de professor amado, supomos que algo o incomoda – evidentemente, já havíamos chegado à mesma constatação com outras cenas muito menos escrachadas.

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Conforme a narrativa se desenrola, além dos maus olhos àqueles que se prostituem, principalmente em países tão moralistas como os das sociedades islâmicas, acrescem-se os dilemas do cárcere privado e da humilhação pública. Com isso, é poderoso como o sempre liberal Emad vai sendo consumido pelo sentimento de vingança, ultrapassando seu limite da moral e agindo como antes repreendia. Mesmo fazendo sentido que ele tome as dores da esposa para si, o ápice de sua obstinação ocorre quando ele sobrepuja os sentimentos e escolhas dela, decidindo o que é melhor ou não a se fazer, e assim, esquece que ele não foi a vítima de fato.

Esse sentimento dele é também transposto aos aspectos técnicos da cena, como a mixagem de som que em determinado momento faz questão de ressaltar o som da batida das portas, como se o próprio inconsciente de Emad estivesse se manifestando. Além disso, a ausência de uma trilha sonora deixa o tom de O Apartamento mais cru, o que dá ainda mais profundidade ao psicologismo do protagonista. Dessa maneira, seja pela montagem, atuações, narrativa ou aspectos técnicos, somos conduzidos com um nó na garganta até a situação emblemática do desfecho. E com isso, o mal-estar acaba nos causando comoção; não o contrário.

por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com

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