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A entrega amorosa de Hilda Hilst em “Júbilo, memória, noviciado da paixão”

Imagem: Bianca Muniz / Jornalismo Júnior “Júbilo, memória, noviciado da paixão” é uma coletânea de poesias de Hilda Hilst, publicada originalmente em 1974 e relançada pela Companhia das Letras em 2018. A obra marca a fase de Hilda após sua entrada no mundo da prosa ficcional, gênero que empresta algumas de suas características à poesia …

A entrega amorosa de Hilda Hilst em “Júbilo, memória, noviciado da paixão” Leia mais »

Imagem: Bianca Muniz / Jornalismo Júnior

“Júbilo, memória, noviciado da paixão” é uma coletânea de poesias de Hilda Hilst, publicada originalmente em 1974 e relançada pela Companhia das Letras em 2018. A obra marca a fase de Hilda após sua entrada no mundo da prosa ficcional, gênero que empresta algumas de suas características à poesia hilstiana.

Os textos são estruturados em sete partes: “Dez chamamentos ao amigo”, “O poeta inventa viagem, retorno, e sofre de saudade”, “Moderato cantabile”, “Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio”, “Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor”, “Árias pequenas. Para bandolim” e “Poemas aos Homens do Nosso Tempo”. Nelas, encontram-se temas explorados amplamente pela autora em outras obras, como a paixão e a morte.

É possível observar que Hilda começa o livro com um sentimento de paixão mais individual, que cresce à medida que passamos as páginas, e finaliza com um tom mais político, refletindo no âmbito coletivo sobre os “homens de um tempo” tão sombrio: a ditadura.

Ao contrário do que sugere o título da primeira sessão de poemas (Dez chamamentos ao amigo), Hilda não se coloca como um eu-lírico feminino trovadoresco, passivo e contido; em “Júbilo”, a mulher é apaixonada, exigente e imperativa, como mostrado nos versos do primeiro poema do livro: “Se te pareço noturna e imperfeita (…)/ Olha-me de novo. Com menos altivez./ E mais atento”.

Imagem: Bianca Muniz

Os textos trazem uma série de referências clássicas, como personagens da mitologia grega, e códigos que tratam da vida pessoal da poeta. Assim, eu-lírico e autora são um só. Um desses códigos utilizados por Hilda são os que se referem aos seus amores, como o “M.N.”, a quem o livro foi dedicado. Essas iniciais correspondem ao jornalista Júlio Mesquita Neto, nome também codificado nas iniciais das palavras que intitulam “Júbilo, Memória, Noviciado da paixão” e substituído por “Túlio” em vários poemas. Dionísio, personagem grego presente na quarta seção de poemas, também se refere a uma paixão de Hilda, um ator de teatro anos mais jovem que ela.

Ainda assim, entender a vida da autora não compromete a sensação de arrebatamento causada pela poesia hilstiana. Hilda relata o sentimento de entrega amorosa com tanta intensidade que torna difícil não se sentir abalado de alguma forma após a leitura. Sobre isso, é de se reparar que a escritora ama o sentimento de amor acima de amar um amado: o amor é capaz de lhe fazer enxergar a natureza e a vida em sua plenitude, inspiração para o seu ofício de poeta. É relatado em um de seus poemas presentes em “Júbilo” que, se seu amado estivesse perto, ela não conseguiria ficar atenta aos sinais da natureza, por isso é melhor que ele não apareça e ela permaneça com esse amor em pensamento. Afinal, antes de ser mulher, Hilda é “inteira poeta”.

 

É bom que seja assim, Dionísio, que não venhas.

Voz e vento apenas

Das coisas do lá fora

 

E sozinha supor

Que se estivesses dentro

 

Essa voz importante e esse vento

Das ramagens de fora

 

Eu jamais ouviria. Atento

Meu ouvido escutaria

O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.

Porque é melhor sonhar tua rudeza

E sorver reconquista a cada noite

Pensando: amanhã sim, virá.

E o tempo de amanhã será riqueza:

A cada noite, eu Ariana, preparando

Aroma e corpo. E o verso a cada noite

Se fazendo de tua sábia ausência.

 

A força de sua poesia também se mostra na última seção de poemas, que se distancia do tema amoroso para trazer uma reflexão sobre a sociedade nos tempos da ditadura. Hilda sempre coloca as palavras como uma possível esperança no meio do caos dos “anos de chumbo”.

 

Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua

Aquietá-los.

Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.

 

Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.

 

É possível ler o livro em poucas horas, devido à sua pequena quantidade de páginas e aos textos curtos, mas não é o mais indicado. As poesias de Hilda não são superficiais e conseguem entrar em camadas mais profundas quando você segue a instrução dada por ela no primeiro poema: olhe-as de novo e mais atentamente.

Por Bianca Muniz
biancamuniz@usp.br

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