Por Henrique Giacomin (henrique.giacomin@usp.br)
Quem nunca se deparou com uma biblioteca e teve o impulso de passear entre as estantes? Além das histórias, fotografias e ilustrações contidas nos livros, muitas vezes as bibliotecas surpreendem pelos espaços, exposições e reflexões que propõem. No mundo tecnológico de hoje — com diferentes mídias e plataformas que oferecem livros de forma digital — é comum questionar o papel e a relevância dessas instituições.
Os desafio latentes de se manterem em destaque e de se reinventarem são constantes para a Biblioteca Mário de Andrade e para a Biblioteca Monteiro Lobato, que, quase centenárias, mantêm suas essências na cidade de São Paulo. Em visita guiada às bibliotecas, o Sala33 explorou a importância de tais instituições, principalmente para a capital paulista.

[Imagem: Reprodução/Instagram/@bibliotecamariodeandrade]
Inaugurada como Biblioteca Municipal de São Paulo em 1926, na Rua 7 de Abril, no bairro da República, a atual Biblioteca Mário de Andrade contava com uma coleção inicial de obras localizada na Câmara Municipal. Ao longo de sua história, diferentes aquisições de títulos aumentaram exponencialmente o acervo do local. Em 1942, o atual prédio foi inaugurado, na Rua da Consolação. Projetado pelo famoso arquiteto francês Jacques Pilon, o prédio é um marco da arquitetura moderna em São Paulo. A Biblioteca passou a ter o nome do seu patrono apenas em 1960, e até os dias atuais já passou por diversas reformas durante diferentes gestões municipais.
A Mário de Andrade é a segunda maior biblioteca do país, atrás apenas da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Além da seção circulante — ou seja, livros disponíveis para empréstimo — com enfoque em Literatura, Artes e Ciências Humanas, a Biblioteca conta com diferentes obras em seu acervo. Há também arquivos de mapas e periódicos, que têm como destaque a coleção de obras raras e especiais.

[Imagem: Reprodução/Facebook/Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato]
Já a Biblioteca Infantil Municipal, atual Biblioteca Infanto Juvenil Monteiro Lobato, foi criada em 14 de abril de 1936, como parte de um amplo projeto de incentivo à cultura elaborado por um grupo de intelectuais liderado por Mário de Andrade, então diretor do Departamento Municipal de Cultura. Com o passar do tempo, a Biblioteca se tornou referência e inspiração para a criação de outras destinadas ao público infantil, principalmente dentro da cidade e também no estado de São Paulo.

Em 1945, o antigo espaço, localizado na Rua Major Sertório, ficou pequeno devido à alta frequência de crianças. Então, a Biblioteca foi movida para uma casa onde hoje existe a Praça Rotary, que envolve o atual prédio. Já em 1950, o prédio atual foi inaugurado e, em 1955, recebeu o nome de seu patrono, que visitava o local rotineiramente para ler para crianças.
Além de conter um acervo voltado para o público infantojuvenil, a Biblioteca ainda abriga o Acervo Histórico do Livro Escolar (AHLE), com cartilhas, primeiras leituras, manuais de ensino e outros materiais que reúnem fases da história e da educação do país desde o início do século 19 até meados da década de 1970. As instituições também são abertas a pesquisadores que necessitem examinar bibliografias ou itens específicos dos acervos.




Presente
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Marta Nosé Ferreira, diretora da Biblioteca Monteiro Lobato, comenta sobre o trabalho da Instituição relacionado à formação de novos leitores, sobretudo crianças. “Tem espaços aqui que são de barulho e de brincadeira. Geralmente, é proibido comer na biblioteca, mas temos salas para as crianças poderem fazer lanches. Essa área verde no entorno também é um espaço de lazer para elas.”


Marta ainda ressalta a relevância da Biblioteca, que testa e auxilia na criação de projetos eventualmente implementados em outras bibliotecas da rede municipal. “A Lobato é a biblioteca infantojuvenil mais antiga em atividade no Brasil, neste ano completamos 90 anos. Então, ditamos as regras para as demais bibliotecas quando se trata do público infantojuvenil. Praticamente todo projeto piloto é testado aqui e daqui vai pra outros lugares. Somos referência para as outras bibliotecas públicas da cidade de São Paulo.”
Entre as diversas atividades desenvolvidas pela Biblioteca, mediações e intervenções com crianças que estudam em Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) próximas ao local se destacam. Ainda durante a Virada Cultural, em São Paulo, a Biblioteca promove a “Viradinha Cultural”, que ocorre na Praça Rotary. No carnaval, a biblioteca ainda realiza o Bloco das Emílias e Viscondes, em homenagem às personagens do Sítio do Picapau Amarelo (1920 – Atualmente).



Quanto à Biblioteca Mário de Andrade, se destaca a realização constante de bate-papos, saraus, clubes de leitura e espetáculos musicais. Bernardo Dias Ceccantini, coordenador de comunicação da Biblioteca, e João Pedro Prado, estagiário de comunicação no local e estudante de Letras na Universidade de São Paulo (USP), destacam a infraestrutura do prédio e a influência positiva que a disponibilidade de um espaço público de qualidade tem sobre a vida das pessoas que frequentam o centro de São Paulo.
“A biblioteca é um prédio grande que se impõe para a rua. Se a gente faz dela um lugar seguro e vivo, acabamos também fazendo do centro como um todo. Desde itens mais básicos, como a limpeza do prédio e o conforto dos móveis, até o acervo que está à disposição do público, o espaço é atrativo para as pessoas”
Bernardo Dias Ceccantini



Impacto e função social
Nas entrevistas realizadas em ambas as Bibliotecas, fica explícito o papel das Instituições como pontos de acolhimento ao público. Pelo cenário de vulnerabilidade social do centro de São Paulo, ambas costumam acolher principalmente pessoas em situação de rua. Adriano Rodrigues, coordenador de pesquisa e dados da Mário de Andrade, ressalta a recente atualização dos dados relacionados à frequência de público. Ele diz que há certa disparidade entre os públicos que frequentam diferentes áreas da Biblioteca; os espaços de convivência contam com uma forte presença de pessoas em situação de rua, enquanto os espaços de leitura e estudo abrigam principalmente estudantes e literatos.
Adriano ainda afirma que as pesquisas de público são importantes para saber como construir novas ações no futuro. “O centro continua um lugar vivo, com muitos eventos culturais, frequentados por pessoas de diversos tipos. Aqui é um lugar de acolhimento não só de estudantes, mas também de pessoas que não têm onde ficar à tarde, muitas vezes não podem ficar nos albergues e vêm aqui. Entre universitários, pessoas em situação de rua e visitantes que simplesmente passaram aqui por perto e acharam interessante, é um público muito heterogêneo”, acrescenta Bernardo.
Segundo Luiza Thesin, Supervisora de Ação Cultural da Mário de Andrade: “Temos o compromisso de estar atentos à função contemporânea da Biblioteca”. Luiza ainda destaca a importância de se manter a essência da Biblioteca para que ela não seja confundida com uma Casa de Cultura, projeto da Secretaria de Cultura Municipal, ou com outros aparatos culturais públicos. A supervisora também fala sobre diversas ações promovidas pelo local. Entre elas, dá destaque às visitas guiadas que ocorrem com atores caracterizados como escritores famosos.

[Imagem: Reprodução/Instagram/@bibliotecamariodeandrade]
Como as bibliotecas lidam com a inovação
As bibliotecas não são órgãos engessados no tempo. Na área da comunicação, as equipes divulgam atividades e dialogam com a sociedade. Quanto à adaptação ao mundo digital, existem diversos livros digitalizados e outros projetos para disponibilizar mais títulos no mesmo formato, apesar de esse ser um processo demorado e que requer estudo. Demanda-se análise de quais obras ainda não foram digitalizadas por outras instituições, além de definir quais devem ser digitalizadas primeiro a partir de seu estado de fragilidade. Ainda assim, as bibliotecas não são templos da tecnologia, já que há um valor de materialidade característico dos livros.
A importância dos livros físicos é evidente nas palavras de Bernardo: “Pensamos, sim, em inovação, mas pensamos igualmente em passado, preservação e tradição. Tem uma questão também que as pessoas às vezes esquecem: Kindle e livros digitais são tecnologias com no máximo 20 anos. O livro em si é uma tecnologia que sobreviveu a várias revoluções técnicas. Livro é importante também pela materialidade”, destaca.
Marta também comenta sobre o valor da materialidade dos livros, especialmente durante a infância: “A gente é a favor da tecnologia, do acesso à informação em novos formatos, mas o livro tem uma magia, principalmente para as crianças pequenas. Elas precisam pôr na mão, pegar o livro, cheirar, lamber, beijar, morder, rasgar, tudo isso faz parte. Enquanto houver magia, as bibliotecas existirão e as crianças vão frequentar”, afirma. A diretora da Monteiro Lobato ainda aponta as bibliotecas como espaços de combate à violência, de acolhimento e diversidade — seja de gêneros literários, seja de pessoas. “Acho que as bibliotecas públicas também são espaços de exercício da cidadania, são polos de informação, para a gente acolher todo e qualquer cidadão”, complementa.
Fotos, localização, informações sobre a história, acervo ou programações das bibliotecas podem ser obtidas em seus respectivos sites e perfis nas redes sociais:
Biblioteca Mário de Andrade – Instagram: bibliotecamariodeandrade
Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato – Instagram: bibliotecaijmonteirolobato