Por Maria Eduarda Oliveira (marieduarda@usp.br)
A histórica vitória de Fernanda Torres na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama no Globo de Ouro aumenta as expectativas de que Ainda Estou Aqui (2024) seja indicado ao Oscar 2025 e abre discussões sobre a real chance do filme chegar ao prêmio de maior prestígio do mundo cinematográfico ocidental. A produção segue fazendo uma campanha impecável internacionalmente, tendo sido elogiado pelos principais jornais e revistas do mundo, sendo ainda, vencedor de melhor roteiro no Festival de Veneza.
Passaram-se quase cinco anos desde a última indicação brasileira ao Oscar, com o documentário Democracia em Vertigem (2019), criação de Petra Costa. Agora, o longa do diretor Walter Salles, consegue emplacar um trabalho primoroso acompanhado de um ótimo marketing. Contudo, o sonho ainda pode continuar distante para o Brasil, que nunca ganhou o prêmio.
A vitória de Parasita (Parasite, 2019) foi um momento de virada na história da Academia de Artes e Ciência Cinematográficas de Hollywood, especialmente para o Oscar. Em quase 90 anos de existência, nenhum longa de língua não-inglesa havia ganhado a categoria principal de Melhor Filme. A produção sul-coreana ainda levou para casa outros três grandes prêmios da noite: melhor diretor, filme internacional e roteiro original, sendo consagrado como o grande nome do ano. Também foi o primeiro filme estrangeiro a levar o SAG Award, prêmio oferecido pelo sindicato de atores hollywoodianos.
Apesar de outros nomes internacionais terem se destacado de lá para cá, nenhum outro filme foi capaz de chegar perto desse feito. Em 2023, o francês Nada Novo no Front (All Quiet on the Western Front, 2022) ganhou, igualmente, quatro estatuetas, entretanto, três delas foram em categorias técnicas.

Historicamente, premiações estadunidenses possuem um grande entrave para condecorar produções que não sejam criação de Hollywood. O orçamento de países fora do eixo América do Norte-Europa costuma ser mais baixo, o que também influencia esse cenário.
Em entrevista para o Cinéfilos, Rafael Carvalho, fundador do portal Oxente, Pipoca?, relata que ainda existe uma forte barreira linguística envolvida. “A partir do momento que você não fala inglês e você entra nesses grandes festivais que viram vitrines para o Oscar, como Cannes, Veneza, Toronto, Nova York, já é muito difícil.”
No entanto, a diversidade se tornou um tema que a Academia não pode mais ignorar na última década. A passos curtos, a premiação parece buscar — por bem ou mal — sair da bolha norte-americana de indicados e vencedores.
Para quem não acompanha a temporada de premiações, o rumo de um filme para ser indicado ou até vencedor de um Oscar é confuso. O percurso envolve muitas etapas que não consideram somente a qualidade da produção.
Como se chega lá?
O Oscar foi criado em 1929. São noventa e seis edições que passaram por muitas modificações, externas e internas, até que a Academia chegasse ao que é hoje. A premiação conta atualmente com 23 categorias, divididas entre os prêmios principais e técnicos.

As produtoras que desejam ter seus longa-metragens considerados para a premiação devem seguir algumas regras:
- Duração superior a 40 minutos;
- Ser exibido nos formatos 70 mm ou 35 mm, para as filmagens analógicas, ou 24 ou 48 frames por segundo, no caso da gravação digital;
- Ser exibido comercialmente em pelo menos uma das seis maiores áreas metropolitanas dos Estados Unidos (Nova York, Los Angeles, Miami, Chicago, Atlanta e Bay Area);
- A exibição deve acontecer por no mínimo sete dias consecutivos, com pelo menos três sessões diárias e com uma sessão entre 18h e 22h;
- Ter estreado entre 1º de janeiro e 31 de dezembro do ano anterior;
- Ter sua primeira exibição nos cinemas;
- Inscrição junto a Academia.
Se estiver dentro de todas essas diretrizes, o projeto deve ser submetido através de um documento intitulado Official Screen Credits (OSC) até o início de dezembro. Com exceção para Melhor Filme Internacional, que deve ser selecionado pelo comitê de cada país.
A escolha, tanto dos indicados, quanto dos ganhadores, é feita através de votação com membros pertencentes à Academia. Na última edição, segundo a revista Vanity Far, foram registrados cerca de 9.500 mil votantes ativos, dentre eles figuras que já foram indicadas ao prêmio e grandes nomes do cinema, como Fernanda Montenegro e Selton Mello.
A primeira fase divide os votantes de acordo com a sua área de atuação. Desse modo, diretores votam na categoria de direção, roteiristas em roteiro e assim sucessivamente. Apenas na categoria de Melhor Filme, onde todos podem votar, essa regra não se aplica.
O cálculo é realizado da seguinte forma: o número de votos recebidos é dividido pelo número possível de indicados da categoria, mais um. Para melhor diretor, esse número chegaria a seis — sendo cinco o número máximo de nomeações — caso sejam 900 fichas de votação, a divisão chegaria a 150, ou seja, esse é o valor que um diretor precisa chegar em número de votos. O resultado disso são os indicados.
Após passar por essa primeira filtragem, começa a etapa de escolha dos vencedores.
Nesse estágio, a votação é aberta para todos os membros. Atores podem votar em Melhor Roteiro, por exemplo. Para Melhor Filme, ocorre um ranqueamento dos longas, o ganhador é aquele que mais estiver presente em uma boa colocação geral.

A mais de 80 anos, todo esse processo de organização dos votos e resultados é responsabilidade da empresa PricewaterhouseCoopers (PwC). Foi ela a responsável pelo inesquecível momento no Oscar de 2017 quando La La Land: Cantando Estações (La La Land, 2016) foi erroneamente anunciado como vencedor de melhor filme no lugar de Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight, 2016). O trabalho ainda é feito completamente à mão, levando quase 2 mil horas para ficar pronto. A cerimônia de premiação acontece tradicionalmente no primeiro semestre do ano, variando entre fevereiro e março.
E o Oscar vai para…quem tem mais dinheiro
Quando Fernanda Montenegro foi indicada na categoria de melhor atriz em 1999, por sua marcante performance em Central do Brasil (1998), suas chances já não pareciam fortes, mesmo aclamada internacionalmente. Naquele ano, a Miramax, uma das maiores produtoras dos EUA, investiu cerca de 15 milhões de dólares na campanha de marketing dos seus dois filmes concorrentes, Shakespeare Apaixonado (Shakespeare in Love, 1988) e A Vida é Bela (La vita è bella, 1997). Juntos, eles ficaram com dez vitórias das vinte que concorriam.
O lobby sempre foi uma parte polêmica nas premiações norte-americanas. O termo se refere às campanhas massivas realizadas por produtoras e estúdios, com o objetivo de venderem seu material. Quanto maior a quantidade de dinheiro, mais se pode investir nessas ações, que vão de ir a todos os festivais da temporada, enviar presentes de luxo, até comparecer incansavelmente à festas promovidas pela elite do cinema.
Esse é um problema comum na indústria. O próprio Globo de Ouro já se envolveu em denúncias de corrupção desse tipo. Mais recentemente, uma matéria publicada pelo Los Angeles Times em 2021 expôs um desses casos, quando mais de 30 membros votantes da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA), foram convidados a comparecerem ao set da série Emily em Paris (2020-), tudo bancado pela Paramount Network, dona da produção. Embora tenha recebido duras críticas sobre sua qualidade, a série embolsou duas indicações naquele ano. O ocorrido desencadeou uma sequência de boicotes a premiação.
A questão se torna um incômodo quando esse é um dos aspectos que quebram a credibilidade de instituições como a Academia, levando a possíveis prejuízos financeiros. Dúvidas sobre sua parcialidade cresceram, enquanto sua relevância cultural aparenta viver uma queda. A audiência, que alcançou seu pior número em 2021, devido a pandemia, apresentou uma melhora em 2024, mas algo ainda abaixo do esperado, considerando que é ela a responsável por bancar a premiação do Oscar.
Acredito que a galera está vendo que você não precisa do Oscar para dizer se o filme é bom ou ruim. Agora se consegue enxergar que o Oscar tem seus defeitos.
Rafael Carvalho
Os festivais e a mídia
Com a quantidade de filmes lançados em um ano, é preciso uma grande peneira para decidir quem está no páreo ou não. Para quem acompanha a temporada, nomes como Festival de Cannes, Veneza, Nova York e de Toronto são comuns, pois fazem parte do circuito principal de divulgação de um futuro candidato. Similar a como funcionam os comícios políticos.
Esses eventos reúnem atores, produtores e diretores que apresentam, com exclusividade, suas criações para um público seleto. As reações divulgadas por quem assistiu se tornam um termômetro do que aquele filme pode ser. Desse modo, as figuras centrais do ano vão se revelando.
Quando os veículos jornalísticos cobrem esses lançamentos, costuma existir semelhança na presença dos longas citados como promissores. Isso se deve ao fato de que no geral a grande mídia ainda se concentra nas mesmas mercadorias apresentadas pela terra do Tio Sam.
“A indústria jornalística dos EUA, quando cobre os festivais, faz prévias e apostas. Os editoriais, como ‘10 filmes que você não pode perder no festival’, onde em 10 dessas indicações, 9 serão produções em inglês” afirma Rafael sobre os festivais e as reais chances do Brasil na corrida atual. “Mesmo Ainda Estou Aqui indo super bem em crítica, é muito mais difícil para ele do que, por exemplo, um filme ultra pró-Israel em inglês, cotado para o Oscar”.

A Palma de Ouro é o prêmio de maior prestígio do Festival de Cannes, mas vencê-la, não significa ter êxito em outras premiações, como foi o caso de O Pagador de Promessa (1962), que chegou a levar o prêmio no seu ano de exibição, mas não obteve o mesmo êxito no Oscar. Entretanto, as vitórias colecionadas durante a temporada ajudam a criar visibilidade para o trabalho. A importância dos festivais está aí. Um filme que não for lembrado pelos votantes, não chega a lugar algum.
Por essa razão, o investimento econômico é uma parte crucial do cinema. Porém, essa é uma falha na indústria de cultura brasileira. “O dinheiro está envolvido em todas as fases do processo. O ponto é que aqui no Brasil poucas pessoas estão dispostas a fazer esse investimento. Nós crescemos ouvindo que não dá retorno, sendo que a indústria cultural é uma das que mais devolve empregos em uma quantidade absurda. Mas quando, por exemplo, há um edital público (para a produção de filmes), as pessoas afirmam que é dinheiro jogado no lixo”, analisa Rafael.