O filme Central do Brasil (1998) acompanha a trajetória de Dora (Fernanda Montenegro), uma ex-professora que lê e escreve para pessoas não alfabetizadas na estação de trem Central do Brasil no Rio de Janeiro. Um desses clientes é Josué (Vinícius de Oliveira), uma criança que busca seu pai ausente, após um acidente com sua mãe, ele se vê abandonado, diante disso, Dora tem a necessidade moral de ajudar o menino.
Central do Brasil é um clássico que beira a perfeição. Em partes isso se deve graças à personagem Dora. Além de contar com uma atuação digna de melhor atriz do Oscar, de Fernanda Montenegro, a protagonista ainda dá voz a pessoas comuns. São apresentados diversas narrativas e histórias instigantes, cada uma delas pode ser aprofundada e desenvolvida na imaginação do espectador.
Dora, inicialmente, interpreta o papel de senhora chata e não dá abertura para o desenvolvimento dessas histórias. Isso só muda com o aparecimento de Josué na trama, ele é a fonte de energia e vida da personagem de Montenegro. A química entre os dois é tamanha que é capaz de transformar o egoísmo da protagonista em solidariedade e a sua amargura em amor. Assim sendo, ela de irritante que censura as narrativas que o público gostaria de acompanhar passa a ser uma personagem amável, que participa ativamente de uma dessas histórias.
Os personagens da trama vivem em uma ficção brasileira que se aproxima da realidade. Assim existe uma aproximação entre cidadãos e personagens, pois ambos passam pelas mesmas dificuldades econômicas e sociais, em outras palavras o longa é uma representatividade simbólica das trajetórias do cotidiano comum da maioria dos brasileiros: de conviver na solidão, resistindo à miséria e se virando como dá.
Central do Brasil traça uma viagem entre o urbano e o rural. Ao decorrer da história, é possível conhecer duas realidades opostas, o sertão e o urbano. Em ambos, a ambientação é magnífica, tanto o visual quanto o sonoro estabelecem uma imersão completa a cada realidade.
O urbano é marcado pela estação do trem, nela é possível analisar o cotidiano de pessoas comuns com muita nuança. Nesse cenário, os seres são mecânicos, como nas sociedades mais distópicas, as pessoas não param nunca: nem para prestar assistência a uma criança abandonada e muito menos para esboçar alguma reação frente às pessoas que faleceram no local.
Se o urbano é básico, concreto e insensível, o sertão é mágico. Ele se relaciona predominantemente com a religião, é possível ver a fé do povo e a esperança de dias melhores. O poder público não chega com perspectivas melhores de vida, o que chega é a religião, a devoção e crença das pessoas por fé em uma entidade. Essas partes consistem nas cenas mais bonitas do filme, existe algo sensorial capaz de mostrar as mazelas da miséria social e a devoção pura do povo com a religião.
Central do Brasil está disponível para todos os assinantes da plataforma de streaming Globoplay. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Imagem: Divulgação / VideoFilmes
Não há pessoa melhor para se homenagear, em seus 91 anos, além de Fernanda Montenegro! Como não lembrar desse filme espetacular, logo de primeira, ao pensar nessa grande atriz. Parabéns pela bela resenha que captou bem a essência e beleza dessa obra de arte ❤️ Sempre textos de muita qualidade!
Cirúrgico! Que leitura, meu patrão
Ótima análise do filme! Lembro de ter assistido esse filme na escola durante o ensino fundamental. Esse filme é realmente um retrato muito forte da sociedade brasileira da época, na qual saber ler e escrever era um privilégio de poucos, e ser detentor de diretos e garantias fundamentais era a realidade de uma parcela ainda menor da população.
Ainda que com os avanços que tivemos nesses temas desde a redemocratização, análises como essa são extremamente importantes para relembrar o nosso contexto histórico e demonstrar o quanto ainda temos que melhorar.
Parabéns pela fantástica reportagem!