Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Budapeste: os dois mundos de Chico

Imagem: Companhia das Letras “Devia ser proibido debochar de quem se aventura pela língua estrangeira” é a primeira fala de Jóse Costa, protagonista e narrador da obra de Chico Buarque intitulada Budapeste (Companhia das Letras, 2003).  Trata-se de um romance duplo no qual a identidade se torna um problema e um enigma, além de possuir …

Budapeste: os dois mundos de Chico Leia mais »

Imagem: Companhia das Letras

“Devia ser proibido debochar de quem se aventura pela língua estrangeira” é a primeira fala de Jóse Costa, protagonista e narrador da obra de Chico Buarque intitulada Budapeste (Companhia das Letras, 2003).  Trata-se de um romance duplo no qual a identidade se torna um problema e um enigma, além de possuir contornos peculiares: a relação do narrador com as línguas e com seu ofício delineiam seus relacionamentos pessoais e o próprio livro – tanto em sua composição quanto organização.

José Costa é um personagem “de ouvido infantil” que cresce dentro da figura anônima. O protagonista é um ghost-writer – escreve textos e obras para serem assinados e creditados à outra pessoa – função na qual ser “ninguém” é essencial para manter seus clientes e crescer na carreira. Devido a sua grande quantidade de viagens, Costa possuía uma extensa experiência linguística, levando de cada país o que ele chama de “um suvenir volátil”. “Tenho esse ouvido infantil que pega e larga as línguas com facilidade, se perseverasse poderia aprender o grego, o coreano, até o vasconço. Mas o húngaro, nunca sonhara aprender. ”

Budapeste surge na vida do escritor ao acaso. Retornando de um congresso de ghost-writers em Istambul, seu voo é forçado a fazer um desvio até a capital húngara, onde passa uma noite. Seu primeiro contato com a cidade foi marcante e tal imprevisto aéreo é o que dá base para vida dupla que José Costa desenvolveria daí em diante.

Residente na cidade do Rio de Janeiro, Costa morava em um apartamento com sua esposa Vanda e seu filho.Entretanto, vivia mesmo para (e, na maior parte do tempo, em) seu trabalho. Passava horas a fio, às vezes madrugadas inteiras, relendo suas palavras que seriam apropriadas por outro “autor”  – o que lhe causava grande prazer e engrandecia sua vaidade. De tanto mimar palavras, pouco lhe restava afeto para sua própria família, resultando em um lar desconexo e claramente instável.

O escritor retorna a Budapeste tempos depois, quando conhece Kriska – inicialmente sua professora de húngaro, com quem acaba engatando um relacionamento. Muda-se para sua casa e, ao passar a viver com ela e seu filho, inicia de fato sua jornada dupla.

Costa divide-se entre meses no Rio de Janeiro e meses em Budapeste. Entre Vanda e Kriska. Entre seu filho e seu enteado. Entre português e húngaro. Desajustado, problemático e incompleto nos dois planos de sua vida – unidos apenas por duas coisas: seu ofício de escritor fantasma e sua relação com as línguas. A alienação de sua própria identidade deixa de ser algo presente apenas em sua escrita e passa a se espalhar pelas demais áreas de sua vida.

Chico Buarque cria uma obra inusitada. “Budapeste” tem mais dois livros dentro de si: “O Ginógrafo” e “Budapest” – revelados ao desenrolar do enredo – criando um labirinto de espelhos. Sua escrita conta bastante com o fluxo livre, a ausência de pausas explicativas e poucas quebras em parágrafos, proporcionando o sentimento de estar dentro da mente do narrador.

Apesar disso, a trama não se torna óbvia. O fim da obra é desconcertante, brincando com todo o sentido de duplicidade e inversões que a narrativa carrega. Por fim, é belo ver a duplicidade do próprio Chico Buarque como escritor – tanto musical quanto literário.

Por Samantha Prado
sampradogp@gmail.com

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima