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“Gritar ‘bicha’ no estádio mostra que a gente ainda acha normal diminuir alguém por sua orientação sexual”

Por Giovanna Querido No dia 06 de outubro, na Arena das Dunas em Natal, o Brasil perdeu mais uma partida. O placar talvez mostre o contrário: 5 a 0 sobre a Bolívia. Mas a intolerância reinava mais uma vez, alimentada pelos gritos de “bicha” ecoando pela torcida. Isso só pode ser dito como uma derrota. A …

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torcida

Por Giovanna Querido

No dia 06 de outubro, na Arena das Dunas em Natal, o Brasil perdeu mais uma partida. O placar talvez mostre o contrário: 5 a 0 sobre a Bolívia. Mas a intolerância reinava mais uma vez, alimentada pelos gritos de “bicha” ecoando pela torcida. Isso só pode ser dito como uma derrota.

A Fifa decidiu multar o preconceito. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) deverá pagar R$ 83 mil após ataques homofóbicos no jogo contra a Bolívia, mas essa não foi a primeira vez. Em setembro, a CBF recebeu uma notificação com multa de 66 mil reais após gritos homofóbicos dos torcedores enquanto o goleiro adversário se preparava para cobrar o tiro de meta em jogo contra a Colômbia. Outras confederações como Albânia, Kosovo, Croácia, Estônia, Ucrânia, Paraguai, Chile, Argentina e Irã, também viram seus atos discriminatórios virando despesa..

A CBF, junto com a Conmebol, alegou que tais manifestações da torcida “fazem parte da cultura do futebol sul-americano”, não passam de provocações, “brincadeirinhas” típicas da arquibancada. Como muçulmana e negra, a secretária-geral da Fifa, Fatma Samoura, tem consciência do lugar de fala de cada um de nós e sabe que as supostas piadinhas e provocações só servem para transmitir e perpetuar a discriminação.

“O que posso dizer é que precisamos que as pessoas sejam educadas, mesmo que esteja na sua história, na sua cultura, usar palavras não amigáveis contra o adversário. Isso tem de parar. Para a Fifa a tolerância é zero em relação à homofobia, discriminação racial e discriminação de gênero”, disse Fatma Somoura

Segundo o pesquisador Gustavo Fernando, no artigo Futebol, Gênero, Masculinidade e Homofobia: o jogo dentro do jogo, os estádios de futebol se constituíram historicamente como um espaço de construção da masculinidade. Local onde afirmam existir apenas um tipo de torcedor: o macho alfa falando palavrão e xingando o adversário, que embora possuem características muito próximas nos demais aspectos da vida, torna-se o rival antagônico por primazia.

Quando a bola titubeia na rede, um grupo de torcedores resolveu quebrar o estereótipo e hastear uma bandeira com as cores do arco-íris. Por acreditarem na educação e em políticas públicas como meio de mudanças, torcedores de vários clubes do Brasil estão levando para os campos de futebol a luta contra a homofobia.  Uma dessas iniciativas é o coletivo Palmeiras Livre.

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Não aceitaremos nenhum passo pra trás”, afirma membra do coletivo Thaís Nozue

Cansados da heteronormatividade no futebol e dos preconceitos das torcidas de futebol, um grupo de torcedores do Palmeiras passou a militar contra o machismo, o racismo e a homofobia pelas redes sociais. “O futebol é uma extensão da torcida. É no futebol que as pessoas extravasam e acham que podem fazer e falar o que quiserem. Estamos fartos de tanta morte e violência“, disse a  fotógrafa e analista de mídias Thaís Nozue – torcedora palmeirense e livre.

No entanto, a defesa pela tolerância e respeito é diariamente ameaçada. Thaís conta que a página do coletivo do Facebook sofre ataques constantes e recebem mensagens por inbox dizendo para não irem aos estádios.  Assim, a luta contra a homofobia fica muitas vezes restrita a timeline de redes sociais, pois temendo agressões físicas, as arquibancadas não são ocupadas.

Para Guilherme Sacco, torcedor corintiano e bissexual, é praticamente impossível entrar em um estádio hoje com uma bandeira do Corinthians com um arco íris sem sofrer represália da torcida. Como torcedor fanático ele frequenta todos os jogos no setor norte do Itaquerão, o mesmo da Gaviões. Conta que nunca sofreu preconceito ou ataque homofóbico diretamente, pois quando está no estádio, sua sexualidade está mascarada sob o manto corintiano. “Mas nunca poderei levar meu namorado, por exemplo, no estádio”, afirma Guilherme.

Antes de assumir a bissexulidade, Guilherme conta que achava normal gritar bicha, chamar são-paulino de bambi – “eu falava e fazia” – como algo enraizado e naturalizado, ensinamento de pai para filho. Hoje, cada vez que esse grito homofóbico é vociferado no estádio, sente que não pertence àquele ambiente, que não é bem vindo.

“Gritar ‘bicha’ no estádio mostra que a gente ainda acha normal diminuir alguém por sua orientação sexual”- afirma Guilherme

Quando via o tenor de tal xingamento depreciativo, Guilherme tentava explicar para o torcedor a gravidade da sua fala, que reforça preconceitos e questiona a dignidade de toda coletividade LGBT. Assim, já chegou até brigar nos estádios diante da intolerância alheia – “as pessoas acham que é frescura, quando você reclama, as pessoas não entendem o que você está falando.”

Hoje, conta que, embora pareça paradoxal, só assiste jogos se for junto com a Gaviões. A torcida organizada proibiu o grito de bicha contra o adversário, porque toda voz da torcida deve ser a favor e para o Corinthians. Infelizmente, isso não foi uma medida tomada contra a homofobia. Quando questionado sobre como reverter esse cenário, Sacco afirma que estaria feliz se a homofobia fosse exclusiva do mundo futebolístico: “A homofobia das torcidas é apenas um reflexo da sociedade”, diz.

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