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Histórias da infância: uma experiência atemporal

Como no caso de qualquer atividade ou local social, guardamos certas expectativas sobre em que consiste um museu. Ouvimos a palavra e logo pensamos em quadros pendurados, pessoas com um ar intelectual (que minha mente automaticamente traduz para “usando um óculos e um suéter”) paradas em frente as obras enquanto fazem comentários presunçosos sobre a …

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Como no caso de qualquer atividade ou local social, guardamos certas expectativas sobre em que consiste um museu. Ouvimos a palavra e logo pensamos em quadros pendurados, pessoas com um ar intelectual (que minha mente automaticamente traduz para “usando um óculos e um suéter”) paradas em frente as obras enquanto fazem comentários presunçosos sobre a significância daquele quadro, o que cada pincelada representa e como aquele determinado tom de azul nos passa a melancolia do artista. Tirando o barulho dos comentários e dos passos na sala, o silêncio é monumental.

Visitei a mais recente exposição do Masp, Histórias da Infância, na manhã de uma terça-feira, junto a uma quantidade considerável de pessoas que também desejavam aproveitar o dia de entrada franca nos museus da capital. De cara, ficou claro que a noção de museu de quem entra deveria ser outra: quando cheguei ao primeiro andar da exposição, me deparei com um grupo de alunos de 6 anos, que ocupavam quase que por completo os bancos próximos à janela. No meio deles, um monitor conduzia um debate sobre suas impressões a respeito das obras – a cada pergunta, algumas mãos eram rapidamente erguidas e comentários entusiasmados vinham em seguida.

Foto da exposição. Imagem: Bárbara Reis

A integração do assunto da exposição na experiência de vê-la foi a grande preocupação do museu: a altura média das obras expostas foi reduzida em 30cm e duas escolas – Desembargador Amorim Lima e Colégio São Domingos – levaram turmas para verem a exposição antes de sua abertura, experiência que resultou num audioguia de descrições e discussões das crianças sobre as obras, e desenhos (tanto originais como releituras dos quadros da exposição) divididos entre os diversos subtemas de Histórias da Infância: nascimento, família, morte, medo, brincadeira. O intuito é quebrar o domínio adulto das narrativas da infância, valorizando a visão de mundo das próprias crianças, tão ausente nas obras apresentadas e até hoje vista como algo de menor importância.

A proposta é tão inovadora que é inevitável perceber que nem o museu e nem boa parte de seus espectadores sabe lidar muito bem com ela. As crianças fora dos quadros, sua maioria em excursões escolares, era inquieta, curiosa e “uma lei em si mesma”, como na frase que abre a exposição, gerando reclamações e olhares feios dos acostumados à “etiqueta” tradicional dos museus. O audioguia produzido pelas crianças é acessível exclusivamente por meio do smartphone de cada visitante – uma ideia que provavelmente mirou na praticidade, mas acertou na exclusão ao inevitavelmente exigir não só a posse de um smartphone como a de um bom plano de 3G, já que o wi-fi do local é bem restrito.

Foto da exposição. Imagem: Bárbara Reis

A exposição consiste numa seleção do próprio acervo do Masp, misturando quadros de diversas épocas, fotografias, esculturas, audiovisual e, claro, desenhos de crianças. Além de ser organizada em subtemas, as obras ainda são dispostas de forma intencionalmente contrastante – opulência e pobreza, rigidez e liberdade, tristeza e felicidade -, fazendo com que o visitante seja constantemente lembrado de que a infância leve, livre, experimental e divertida que é atualmente considerada um direito, é, na prática, uma experiência reservada para poucos.

Parte de uma série em andamento sobre histórias “pouco contadas”, junto a Histórias feministas (iniciada em 2015), Histórias da sexualidade (2017) e Histórias da escravidão (2018), ela busca servir como um novo passo no processo de crescente valorização e autonomia infantil, na arte e na vida. E. H. Gombrich, em A História da Arte, diz que “falar com argúcia sobre arte não é difícil […]. Mas olhar um quadro com olhos de novidade e aventurar-se numa viagem de descoberta é uma tarefa muito mais difícil, embora também mais compensadora.” Por mais que olhares menos treinados (ou talvez treinados demais) talvez não percebam, o trânsito de pessoas pela exposição funciona como uma parte adicional do acervo: pelas interações das crianças com as obras e observações nostálgicas compartilhadas entre visitantes de diferentes gerações, acabamos com a sensação de estar experienciando todas as histórias da infância ao mesmo tempo.

Foto da exposição. Imagem: Bárbara Reis

A exposição Histórias da infância fica em cartaz até o dia 31 de julho de 2016.

Por Bárbara Reis
barbara.rrreis@gmail.com

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