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Marina Amaral, por trás da Agência Pública

Por Rafael Paiva (paivaraffa@gmail.com) Cofundadora e codiretora da Agência Pública, Marina Amaral atuou nos mais diversos postos e entidades jornalísticas ao longo da carreira. Dentre as atividades realizadas, trabalhou no jornal Folha de S. Paulo, na revista Globo Rural e teve um papel de destaque como repórter e editora executiva da Caros Amigos. No dia …

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Por Rafael Paiva (paivaraffa@gmail.com)

Cofundadora e codiretora da Agência Pública, Marina Amaral atuou nos mais diversos postos e entidades jornalísticas ao longo da carreira. Dentre as atividades realizadas, trabalhou no jornal Folha de S. Paulo, na revista Globo Rural e teve um papel de destaque como repórter e editora executiva da Caros Amigos.

No dia 24 de agosto, na Casa de Cultura Japonesa, ela participará da 3ª Semana da Jornalismo Júnior, em mesa composta por Guilherme Alpendre (Abraji), João Paulo Charleaux (Nexo) e Laís Modelli (Caros Amigos, Revista AzMina e BBC Brasil). Na entrevista abaixo, a jornalista fala sobre o funcionamento da Pública e traça um panorama do jornalismo independente.

J.Press – De todos os trabalhos que já realizou, por quais você tem maior apreço?

Marina – Acho que a criação mais legal e mais importante é a Pública. Algo conjunto. Uma criação que não só tem uma parte minha, mas também da Natália [Viana] e de outras pessoas que trabalham ali.

Como repórter, eu, Marina Amaral, que continuo achando a coisa mais legal do mundo fazer reportagem, gosto de algumas matérias. Na Pública, por exemplo, gostei muito de uma que fiz no ano passado sobre a direita, porque saí muito no escuro, sem saber muito pra onde ia. Fui muito intuitiva.

Marina Amaral 2
Marina Amaral. (Foto: Acervo pessoal)

Eu já fazia umas duzentas coisas pra Pública. E aí, quando decidi fazer uma matéria de fôlego, pensei — “O que vou fazer?”. Foi então que vi que iria acontecer aquele Fórum de Porto Alegre, o “Fórum da Liberdade”. Li aqueles nomes, vi sobre o que eles iriam falar e pensei — “Ah, eles estão ali”. Foi decisivo isso, porque estavam todas as pistas da matéria.

É uma matéria que gosto, porque tive sorte e isto é uma coisa que todo repórter gosta muito. Além disso, consegui trazer um fenômeno social [pouco conhecido] sobre o qual os professores com quem eu conversava — cientistas políticos, sociólogos — queriam mais ouvir do que falar.

Gostei muito também de uma matéria que fiz no começo da Pública, que foi entrevistar um ex-delegado do DOPS. Fiquei seis meses indo à casa dele uma vez por semana. Combinei que ele poderia falar o que quisesse, desde que tudo fosse gravado. No final, consegui um perfil de uma figura da ditadura que representa muito o que aconteceu naquele período.

Das antigas, teve uma que fiz sobre a Opus Dei, na época da Caros Amigos, que é maravilhosa, pois entrei em tudo quanto é lugar com a permissão da assessoria de imprensa da própria Opus Dei. Teve outra sobre as mulheres muçulmanas em São Paulo — acho que fiz no primeiro ano da revista — na qual entrevistei egípcia, libanesa, palestina e pude mostrar a força daquelas mulheres (e não a fraqueza, como as pessoas sempre mostram).

J.Press – Quem financia a Pública?

Marina – A Pública tem o que a gente chama de modelo misto. Só que ela é sem fins lucrativos total. Ela não tem nenhum setor que seja comercial e é bancada por doações de fundações e crowdfunding.

Por exemplo: eu quero fazer uma investigação na Amazônia. Daí, procuro quais financiadores têm a Amazônia na pauta e financiam projetos de mídia. Assim, eu vou, apresento aquele projeto, eles me dão “xis” para desenvolvê-lo, eu faço e pronto. Isso é um modelo. Outro modelo é financiar o próprio projeto de construir a Agência Pública. Esse é o core funding.

Nós conseguimos vários dos projetos assim, como o exemplo da Amazônia. Com outras situações, claro. Mas core funding, nós só conseguimos a segunda no ano passado.

J.Press – Você acredita que a Pública está atingindo os objetivos traçados lá no início?

Pra mim superou muito. Cada vez supera mais. Ano passado, pela primeira vez, a gente incubou uma organização: a “Ponte”. Ela saiu de dentro da “Pública”. Eles queriam se estruturar, a gente passou o know-how que tinha e ajudou com verba, que conseguimos [justamente] para o projeto. Isso eu acho que é uma tendência de acontecer mais.

No momento, a gente está incubando uma outra organização, que é de dados e trata só da questão de mulheres no Rio de Janeiro. Esse é um caminho que vai crescer, provavelmente.

A gente fez na internet um mapa do jornalismo independente. E, agora, a gente está terminando de escrever um guia, reunindo as experiências de todas as organizações novíssimas que podem ajudar as pessoas que estão começando nesse campo.

Neste ano, a gente fez também a Casa Pública. Ela tem o sentido de ampliar essa rede e a influência da Pública como referência pro jornalismo independente, além de ser um espaço de experimentação e debate do jornalismo. No Rio de Janeiro, os estudantes de jornalismo a abraçaram muito. A gente já fez catorze eventos. Debatemos a cobertura da Lava Jato, a cobertura do impeachment, as questões da tolerância e da intolerância…

J.Press – Em relação à equipe, vocês se dedicam somente à Pública ou têm outros trabalhos?

Marina – Não trabalhamos com “freela”, mas também não temos funcionários. A gente trabalha por projeto. Então, a gente não cria um vínculo de trabalho. Todos os jornalistas são empreendedores. Todos têm a liberdade de sugerir projetos e a gente tenta viabilizar as ideias dentro do possível.

Muitos foram formados dentro da própria Pública. Os nossos estagiários foram ficando e se tornaram repórteres. A gente formou uma cultura da Pública, eu acho. Um padrão de jornalismo.

A gente tem vários programas para outros repórteres. Têm as “microbolsas”, por exemplo, que são concursos de pautas. A gente propõe um tema, as pessoas sugerem suas pautas, fazem uma pré-apuração, mandam o seu currículo — pra gente ter uma ideia da pessoa, se pa
rece capaz de realizar aquilo que está propondo — e aí a gente seleciona as melhores. A pessoa [então] ganha uma bolsa — seis mil reais foi a última — e tem aquele dinheiro pra fazer aquela reportagem que ela sonhou. Tanto faz se trabalha em outro veículo, se é estudante ou não.

Acho que esse potencial todo de exploração de pautas é a nossa matéria-prima. Eu acredito que todo jornalista, quando sai da faculdade, quer ser o profissional que irá revelar a verdade, que irá fazer a diferença. Acho que é o normal. Sei que tem pessoas, digamos, mais objetivas, que querem suas carreiras, enfim… Mas, em geral, o sonho do jornalista é fazer uma grande descoberta. A gente trabalha com o resgate desse sonho. Tanto é que um traço importante da “Pública” é o protagonismo do repórter. O nosso papel como editoras, por exemplo, é de apoiar os repórteres. A estrutura é montada para eles, para trabalharem melhor, e não para fornecerem matérias-primas pros editores os moldarem conforme desejam.

J.Press – Saindo um pouco da Pública, como você enxerga essa questão do jornalismo independente, do jornalismo investigativo? Você acredita que os veículos ou outras agências estão dando conta?

Marina – Acho que sim. Tem várias pessoas fazendo coisas diferentes. Acho que a Pública se especializou mais nesse jornalismo de profundidade, mas existem projetos mais fechados que são igualmente profundos. Por exemplo, as agências de checagem, como Lupa e Aos Fatos.

Reportagem investigativa, eu acho mais difícil. O Nexo traz uma outra proposta que eu considero bem legal, diferente da proposta da Pública – uma ideia de curadoria didática do que sai na internet. Tentar mostrar pras pessoas o que está por trás das notícias. Eu acho eles bem equilibrados no trabalho que fazem; é um trabalho interessante. Por outro lado, eles não trazem furos. E eu não sei o quanto as pessoas se importam ou não com isso. É uma coisa que a gente vai ver como vai acontecer.

As soluções que as pessoas estão encontrando vão compondo uma história, porque é certo que o jornalismo industrial vive uma crise. Essa abertura da propriedade, do controle da comunicação, foi quebrada pela internet. Os jornais realmente perderam anunciantes;você tem um mercado pró-profissional de jornalismo cada vez mais restrito. De outro lado, você tem profissionais que, mesmo que não se sintam tão dispostos a empreender, terão dificuldades de conseguir um emprego.

Acho que essa junção está trazendo muitas iniciativas. Mas saber qual é o futuro e o que vai prevalecer,  não sei.

J.Press – Pelo fato de você ser mulher e esquerdista, você já sofreu ou sofre com algum tipo de preconceito?

Marina – Não, [por ser] esquerdista, não. No meu tempo, aliás, a redação era massivamente de esquerda. E eu nunca entendia por que o produto não era de esquerda.

Eu realmente aprendi [ao longo da carreira] como se transforma o produto jornalístico, como ele vai sendo editorializado desde a produção. Se a imprensa inteira tem como pauta ir atrás das descobertas da Lava Jato, com as mesmas fontes, consideradas as confiáveis, todos, obviamente, só falarão daquilo com aquele enfoque. É um negócio que se vê como mecanismo de controle de um jornal. Isso é uma coisa que aprendi. Daí a importância, por exemplo, de a gente [a Pública] não ter pautas encomendadas. Pra mim, a pauta é o primeiro ingrediente de controle fundamental.

Marina Amaral
(Foto: Acervo pessoal)

Mesmo quando fui para a imprensa independente, eu não tinha a noção de quanto você ter uma imprensa livre de patrões poderia influenciar no conteúdo. É muito curioso [quando] você conversa com uma pessoa enquanto ela está na grande imprensa. Todos vão dizer que são livres e independentes.

Me lembro de uma amiga do “Globo” que dizia: “Eu não quero ser jornalista livre, porque eu já sou jornalista livre”. Todos têm essa impressão. Não tem uma pessoa que vai dizer — “Olha, você vai escrever essa matéria contra o fulano”. Mas se cria um consenso do que é fato jornalístico, do que que é pauta naquele momento.

Existem certas condicionantes do jornalismo que dão essa impressão de que o repórter consegue manter sua liberdade. Mas isso é limitado. É limitado a alguns nomes, a algumas carreiras. Não é o que prevalece na redação.

J.Press – Para o debate da Jornalismo Júnior sobre jornalismo independente, quais pautas você pretende abordar?

Marina – Acho que tem uma reflexão conjunta sobre esse novo momento do jornalismo que a gente está vivendo — o que ele traz de possibilidades que não existiam e o que traz de renovação de compromissos antigos da profissão.

Existe também a questão da viabilidade [econômica] dos projetos novos. Eu, por exemplo, me interesso em saber a opinião de outras pessoas a respeito do conteúdo pago. Tem gente que diz que é a única saída pro jornalismo independente.

Há alguns exemplos com outro sentido, como a própria “Pública”. Mas o quanto isso é sustentável? Num horizonte de cinco anos, acho que ela é sustentável. A partir daí, não sei.

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