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Na linha tênue da realidade e da representação

Desde sua invenção, a fotografia chocou e encantou pela suposta reprodução da realidade – por vezes era tomada como a realidade em si. Seu poder de influência gerou alvoroço, não passando em branco sequer pela Escola de Frankfurt. Anders, um de seus mais críticos pensadores, pautou a atuação da fotografia na comunicação, associando seu uso …

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Desde sua invenção, a fotografia chocou e encantou pela suposta reprodução da realidade – por vezes era tomada como a realidade em si. Seu poder de influência gerou alvoroço, não passando em branco sequer pela Escola de Frankfurt. Anders, um de seus mais críticos pensadores, pautou a atuação da fotografia na comunicação, associando seu uso a um anseio frenético da humanidade em reproduzir a si mesma. Já Benjamin Walter, também membro da Escola, a via como uma nova forma de arte decorrente dos ideais capitalistas e que já não possuía mais a áurea das artes de outrora, justamente pelo seu caráter de reprodutibilidade.

Hoje, as faces da fotografia são inúmeras e já tomaram uma imensidão de áreas. A função comunicacional e artística são apenas algumas destas, e muitas vezes  acabam se cruzando e fundindo seus objetivos e valores. Da mesma forma que o fotojornalista se vê confrontado por questões artísticas e estéticas e não consegue desvencilhar-se totalmente de seus valores pessoais ao fotografar, não produzindo assim uma imagem meramente documental, o fotógrafo não tem também o poder absoluto de criação, estando também preso à algumas realidades imutáveis e factuais.

O cinema, a fotografia e o fotojornalismo. De alguma forma todas estas formas de arte – que em parte também são comunicação – fazem parte da história e da atuação de Felipe Abreu, que participará da 10ª Semana de Fotojornalismo compondo a mesa que debaterá a última década do fotojornalismo, no dia 25 de novembro. Em entrevista, ele conta à Jornalismo Júnior como decidiu migrar de área, a maneira como enxerga a influência da fotografia e fala dos estudos que realizou a alguns anos a respeito do fotojornalismo contemporâneo.

Apesar de ter se graduado em cinema, você optou por seguir a carreira de fotógrafo. Quando e como decidiu seguir por este caminho?

Durante a graduação comecei a me interessar cada vez mais pela fotografia. Ficava um tempo considerável no laboratório revelando filmes PB e já tinha um interesse maior em pesquisar fotografia do que pesquisar cinema. Fiquei até 2014 intercalando atividades nas duas áreas, entre o cinema e a fotografia. De 2015 pra cá estou bem mais concentrado em trabalhar com conteúdo ligado à fotografia e às artes plásticas, deixando o cinema de lado.

 O que você enxerga de transformador na fotografia?

Acho a fotografia um instrumento interessante para brincar com a realidade. Pela sua proximidade com o que vemos, diferentemente da pintura, por exemplo, ainda temos em muitos momentos uma fantasia de que a fotografia é uma apresentação direta da realidade, o que é totalmente falso. Quando o artista usa deste artifício na sua criação, uma série de possibilidades interessantes se abre, criando jogos possíveis de associação visual e construção de narrativas ficcionais. Assim, o olhar do fotógrafo se apresenta como um agente transformador da realidade, além da liberdade que a separação do real traz para a criação fotográfica.

Na sua opinião, de que maneira a fotografia e a comunicação se encontram?

A comunicação faz um uso constante da imagem fotográfica, cada vez mais potente em uma realidade tão visual quanto a que temos hoje. Sinto que há um interessante jogo de poder entre o que é fotografado e a maneira com que esta imagem é comunicada/veiculada posteriormente. Dentro deste embate podem surgir novas maneiras de empregar a imagem na comunicação ou uma tentativa de castração da imagem, dependendo das intenções e desejos de quem utiliza as imagens.

Você acredita que fotógrafo e o fotojornalista seguem caminhos e fazem trabalhos que de alguma forma se cruzam?

Vejo o fotojornalismo como uma parte importante do que entendemos como fotografia hoje. Sendo assim, muito dessa produção se encontra, seja na publicidade, nas artes visuais ou na fotografia de eventos. Entendo que estes universos estão cada vez mais próximos, usando referências e estéticas de várias fontes para produzir produtos mais interessantes para o seu público. Há uma série de exemplos de fotojornalistas que se tornaram artistas plásticos, assim como outros que se concentram hoje na fotografia de casamento, etc. Acredito que todos estes campos estão conectados, todos produzimos fotografias, mesmo que com objetivos finais diferentes.

Como você enxerga o impacto da era da internet e da tecnologia no trabalho do fotógrafo?

A internet e o acesso irrestrito a câmeras digitais foi uma grande liberação para o mundo fotográfico. Não há mais a necessidade de buscar fatos diretos, o desejo por informação direta está sendo substituído pelo interesse na construção de um discurso visual. Não há a necessidade de enviar um fotógrafo para fazer a foto de um caminhão preso embaixo da ponte. Em cinco minutos você já tem centenas de fotos do ocorrido rodando entre grupos de whatsapp e posts em redes sociais. Assim, há uma diminuição na carga de trabalho mas há também uma valorização de trabalhos de opinião, em que a fotografia e a estética criada pelo fotógrafo são essenciais. Projetos de fôlego, bons retratos e uma visão específica sobre temas delicados continuam a ser domínio exclusivo dos bons fotógrafos.

Além disso, se constrói diariamente um acervo inimaginavelmente grande de imagens, há disposição de quem quiser usá-las e interpretá-las. Muitos dos trabalhos mais instigantes feitos com fotografia nos últimos anos usa parcial ou totalmente da apropriação de imagens, lidando com o processo de edição e ressignificação de grandes acervos. Enfim, vivemos um período de adaptação, de grandes mudanças, mas de infinitas possibilidades.

Há alguns anos você realizou estudos acerca do fotojornalismo contemporâneo. Quais foram as principais mudanças na profissão com que você se deparou nestas pesquisas?

O que mais me chamou a atenção durante a minha pesquisa, realizada entre 2010 e 2011, portanto possivelmente um pouco defasada, foi a mudança já comentada na pergunta anterior: há um papel cada vez maior do “jornalismo cidadão”, no qual material amador é utilizado como registro factual da notícia e uma busca por uma visão mais individualizada, de estética mais apurada para temas de maior importância, ainda produzido por fotógrafos profissionais. Um caso interessante e bastante recente é a comparação da cobertura da vitória dos Chicago Cubs nos EUA, entre um jornal com fotógrafos profissionais fixos e outro não (http://petapixel.com/2016/11/03/chicago-tribune-sun-times-covers-world-series/). Essa mudança causa muito desgosto em uma parte considerável dos fotojornalistas, mas é uma realidade em tempos de mudança econômica e abundância de imagens. Se há uma quantidade menor de pautas, há a possibilidade de se buscar construir discursos mais sólidos nas histórias contadas pelos fotojornalistas profissionais.

Por Taís Ilhéu
taisilheusouza@gmail.com

 

 

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